Frágil modernidade

Assim como no princípio do século XX qqr tentativa de anti-estatismo teria por definição vida curta, estamos na situação exatamente oposta hoje. Pode acontecer do Lula chegar a estabelecer a ditadura do proletariado aqui, etc., mas isso não vai durar muito. Quando digo ue não vai durar muito, digo que não passa de vinte anos. Não estou falado em termos curtíssimos de um mandato ou dois, sim em termos de época histórica. Estamos assistindo de camarote à dissolução da modernidade (e de seu filho, o Estado-Nação). O Lula é representante de um dos auges da modernidade, e vai cair junto com ela. Não vai, contudo, cair sem espernear bastante e sem reações exacerbadas (como novas ditaduras do proletariado, durando cerca de uma década…).

Os europeus no poder hoje em dia são ainda muito mais modernos que seus próprios eleitores. Chirac é um defensor do Estado de Bem-Estar Social, por exemplo, assim como Blair, etc. É uma caricatura da modernidade, uma caricatura de Hitler, Stálin, FDR, etc., algo assemelhado à “monarquia” de Napoleão em relação à monarquia absolutista pré-revolucionária, ou à “sociedade cristã” de Franco e Salazar em relação ao Antigo Regime anterior a Pombal. Elementos exagerados do que já findara ou estava a findar, semeados de formas de pensar e agir já de outro período. Estas são ocultas e todo mundo finge que nõa estão nem aí, e aqueles são repetidos e exacerbados ad nauseam no discurso.

Assim, os europeus não vão mover uma palha contra o Lula, ao contrário: vão saudá-lo como primícia da modernidade, exigindo porém por baixo dos panos um monte de concessões na área de política internacional, que ele provavelmente vai dar.

A grande vantagem do Brasil em relação à Europa e aos EUA é que no Brasil a modernidade jamais se instalou por completo. Agora, neste momento, está começando a haver uma grita por modernidade, como parte da reação mundial contra seu fim. É por isso que começa a haver uma série de “denúncias de corrupção”, que surgem exigências absolutamente descabidas em um contexto não-moderno como o do Brasil (como a verticalidade das coalizões). Há vinte anos os intelectuais modernos só suspirariam e diriam que é uma vergonha que no Brasil os políticos empreguem seus parentes, e veriam a França como um exemplo. Hoje eles gritam, esperneiam e usam isso como arma política, o que é uma das reações de uma modernidade agonizante. É interessante, porém, perceber que isso não ocorre em um contexto moderno (como ocorreu a vitória do Super-Menteur no Hexágono), nem suscita reações anti-modernas (como as que eu descrevi ao tratar do Le Pen), sim uma aceitação “da boca para fora” dos pressupostos modernos, sem que haja real aceitação deles (a que como havia na França até cinco anos atrás).

O resultado é que qualquer implantação tardia e forçada da modernidade aqui vai ser só uma casca frágil, não vai atingir a sociedade em sua essência. O Brasil não vai virar uma sociedade moderna, por mais gente que o Lula mande para o paredão. Isso só vai tornar ainda mais frágil a casca de modernidade; seu exagero forçado vai criar ao mesmo tempo uma desordem gigantesca em tudo o que não seja possível atingir diretamente (como ocorre já com a camelotagem e o tráfico de drogas, por exemplo), que vai ser respondida à maneira moderna (polícia, julgamentos, campanhas ideológicas, etc.), o que só vai aumentar a confusão imediatamente fora do alcance da polícia, etc.

Facebook Comments

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.