Perguntaram se seria correto dizer que a heresia chamada modernismo é um fruto do racionalismo.
Respondi que:
O pintor espanhol Goya pintou um quadro chamado “O sonho da razão produz monstros”, e ele tinha toda razão.
O modernismo é fruto… do pensamento moderno (no sentido fiosófico: de Kant, de Descartes para cá). A filosofia moderna prega que é impossível conhecer as coisas em si, ou seja, que quando alguém dá um bofetão na cara da gente só podemos saber que temos uma sensação de bofetão, mas não podemos ter certeza de que o bofetão realmente existiu, se o bofeteador realmente existe, etc. É isso que significa a famosa frase do Descartes, “penso, logo existo”: só é possível saber que eu mesmo existo, porque eu estou pensando. Não é possível saber se outra coisa existe.
Não precisa nem dizer que isto é a base do racionalismo, visto que só se reconhece existência de fato à razão. O resultado dessa filosofada de segunda categoria é que as coisas deixam de valer para valerem apenas as idéias.
O modernismo junta essa besteira com outra; a teoria da evolução (este casamento foi feito mais completamente pelo Teilhard de Chardin, de cujos livros recomendo enfaticamente manter distância). A diferença é que esta teoria é aplicada… às idéias. As idéias iriam ficando melhores e as idéias velhas iriam se extinguindo, morrendo, deixando de valer. Assim, uma “idéia antiga” (por exemplo, a Encarnação do Verbo, a Transubstanciação das Sagradas Espécies ou uma definição infalível de Trento) seria uma espécie de dinossauro, que não vive mais e não serve para nada que não o mero estudo de História. O que vale são as idéias que estão no “ecossistema” atual, as idéias novas, frescas e ainda cheirando a cueiros.
É por isso que a transformação perpétua é a marca do modernismo. O modernista tem horror ao eterno, tem horror ao absoluto, tem horror a tudo o que não “evolui”. Há trinta anos os modernistas queriam uma Missa com violão. Depois eles queriam uma missa com leigos e leigas no palco, digo, em volta do altar. Hoje querem uma “missa” sem padre (como as “celebrações” das CEBs), e por aí vai. O que importa é haver transformação, que é para eles o valor verdadeiro, não a própria coisa que é transformada ou que passa a existir.
Dá para entender porque São Pio X disse que o modernismo é a síntese de todas as heresias, não? Ela na verdade abriga a todas ao relativizar de modo absoluto (isso é uma contradição em termos, mas a lógica também é “coisa do passado” para os modernistas) a Verdade.
Isso explica como o modernismo hoje pode ter como uma de suas facetas a RCC, este moto-contínuo de transformações litúrgicas fideísta e anti-racional, e como outra a TL, que ficará feliz quando a “missa” deles for uma festa (e preferência na fazenda dos outros…) com cachaça e tapioca no lugar das Sagradas Espécies, por negar a possibilidade de existência de uma Fé sobrenatural (na verdade de qualquer sobrenatural) e considerar válida apenas a razão dialética marxista. Uma faceta fideísta e outra racionalista. Poderia ser contraditório, não fosse o fato de ambas terem em comum a noção de ser necessária a mudança perpétua e a ausência de Eterno.
Estas duas facetas têm também aspectos gnósticos (mais exatamente a separação entre espírito e matéria, com a diferença de que a RCC despreza a matéria e a TL despreza o espírito), que são conseqüências do pensamento modernista (note que a “matéria” pregada pela TL e desprezada pela RCC é ideal, é composta por conceitos cartesianos e não por coisas reais. É “cigarro”, “terra”, não “este cigarro que ora seguro”, ou “a terra onde nasci”). Ao negar o Absoluto, forçosamente cria-se uma dualidade. Ao negar a possibilidade de apreensão da coisa-em-si (do bofetão, do esbofeteador), a dualidade necessariamente ocorre entre conceitos.
- Fonte: A Hora de São Jerônimo