O marxismo e a religião: exemplos práticos

[Leitor autorizou a publicação de seu nome no site] Nome do leitor: Alex A. Borges
Cidade/UF: Patos de Minas – MG
Religião: Católica

Mensagem
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A Paz de Cristo aos irmãos do VS!

Poderiam falar sobre a perseguição da Igreja Católica na China por parte do Partido Comunista, inclusive  por meio do artifício e do engodo da Igreja Católica Patriótica da China, a fim de causar os mais variados problemas à verdadeira Igreja Católica?!

Poderiam comentar também o surgimento  na Venezuela da Igreja Católica Reformada, nos moldes da Igreja Católica Patriótica da China?!

Poderiam também tocar na questão da perseguição da Igreja Católica pelos regimes comunistas ou pelas ideologias socialistas, marxistas ou comunistas, como vem acontecendo no Brasil?!

Nossa Senhora de Fátima, rogai por nós!

Livrai-nos da desgraça do comunismo!

No desejo ardente de ser fiel a Cristo, e à sua Igreja, Alex.

Caríssimo Alex,

PAX DOMINI,

O marxismo por onde passou deixou destruição e chagas muitas vezes irreversíveis. A China, desde os primórdios da revolução, vive uma realidade dura e cruel onde a liberdade é perseguida e, junto com ela, as religiões, com mais força o cristianismo que tão naturalmente estimula e incita a luta dos homens contra o totalitarismo, em defesa da real vivência dos ideais Verdadeiros. Já a Venezuela sofre com a força de um governo que persegue e manipula a sociedade, um Estado que lança mão da sua máquina para gerir os movimentos e controlar a opinião pública. A religião não fica de fora. As Igrejas são alvos de ataques jurídicos e até policiais, tudo para reduzir a influência da mensagem cristã junto ao povo venezuelano. Para isso, Chávez propaga, aliado aos teólogos da libertação, o relativismo e modernismo, tão eficientes na destruição do senso religioso e da honestidade lógica do homem. Nada disso espanta a qualquer pessoa que conheça o marxismo e sua relação com a religião, desde Marx e sua ortodoxia até as novas tendências modernas.

Marx disse; “Se conheço a religião como autoconsciência humana alienada, a minha autoconsciência não é confirmada na religião, mas na abolição e superação da religião.” [1] Como pontuei em outro texto, para ele a religião é simplesmente um elemento do mundo da ideologia, conseqüência da atividade da consciência dos homens na história. Logo não tem consistência própria, existência real, não tem essência, é apenas um produto histórico, o reflexo de um modo de produção. A essência da religião não se encontra nela, mas no mundo material dos homens. Por fim, a Revolução, que para ele é o rompimento, o alvorecer do Novo Homem, impede a alimentação da religião através da alienação. Não obstante, a união da religião com o marxismo ocorre justamente no ideal da redenção revolucionária, mesmo isso colocando o sacrifício de Cristo na Cruz, a única e verdadeira redenção para os cristãos, em total segundo plano. Qual seria o papel da Igreja então? Ela se tornaria um instrumento da luta de classes, e sua tomada por ideais marxistas, por se tratar de uma “superestrutura” que produz discurso e desenvolve a cultura e o pensamento, a transformaria na principal promotora da revolução cultural. Gramsci e Lukács entrariam em êxtase.

Marx ainda vai além ao dizer:

Quanto mais o trabalhador se desgasta no trabalho, mais poderoso se torna o mundo de objetos por ele criado em face dele mesmo, tanto mais pobre se torna a sua vida interior, e tanto menos ele pertence a si próprio. Quanto mais de si mesmo o homem atribui a Deus, tanto menos lhe resta. [2]

Ainda afirma:

Tal como na religião, onde a atividade espontânea da fantasia do cérebro e do coração humanos reage independentemente como uma atividade alheia de deuses ou demônios sobre o indivíduo, assim também a atividade do trabalhador não é sua própria atividade espontânea. É atividade de outrem e uma perda de sua própria espontaneidade. [3] Percebe-se claramente que Marx relaciona a religião como mais um fator de alienação, ou seja, quando o resultado do trabalho do homem, que é determinante na definição dos valores dos bens, o objeto produzido, se torna alheio ao próprio homem, gozando de identidade própria. O produto do trabalho se volta contra o seu criador, o trabalhador, de forma hostil. A religião, por sua vez, é, para o filósofo alemão, mais um fator de esvaziamento do homem, distanciando de sua essência humana. Da mesma forma que a alienação econômica, a religiosa cria um produto com identidade estabelecida; Deus, que sacrifica o próprio homem. Ou seja, Deus, produto da fantasia do homem, invade e se torna dono do seu criador, o escravizando, o submetendo a um mundo de privações e pesares. Vale lembrar que para Marx a religião ainda é mais um artificio de dominação de classes, um produto histórico que surgiu para alienar e impossibilitar o rompimento das classes proletárias aos grilhões da exploração. Para Marx, de forma resumida, nas palavras de Giuseppe Staccone, “Deus é para o homem o que a mercadoria é para o trabalhador: um produto que passa a dominar o produtor.” [4]

Vejam que desde já fica clara a impossibilidade de conciliação entre o marxismo e a religião, em especial o cristianismo. Não obstante, desde a maturação do ideal da revolução cultural, se estabeleceu uma nova forma de relação dos ideais materialistas histórico-dialéticos com a fé, em especial devido a ação da psicologização do marxismo através da Escola de Frankfurt, e o fortalecimento da ideologização por meio de métodos mostrados por Gramsci e, posteriormente, por Lukács.

Gramsci percebeu a necessidade de uma revolução cultural por meio da qual se destruiria os velhos paradigmas de forma silenciosa, preparando o terreno para o advento do socialismo, não mais com armas, mas uma conseqüência quase imediata das radicais transformações sociais. Essa subversão do centro de valores, a destruição do ethos tradicional da civilização ocidental, passou a ser vista como o ponto determinante. Lukács, posteriormente, percebeu que os pilares mais sólidos, sobre os quais se erguera o Ocidente, eram o direito romano, a filosofia grega e, sustentando os primeiros, a moral cristã. Justamente dessa compreensão, muito sábia, devemos reconhecer, nasceu a necessidade de renovação dos métodos marxistas ortodoxos. Não mais uma veemente condenação e rechaço à religião, mas sim a conversão da fé em instrumento de propagação do ideal revolucionário. A Igreja, por exemplo, por ser uma construtora de discurso e pensamento, assim como baluarte da cultura, ao virar meio de difusão da luta de classes faz com que toda a sua potencialização contra-revolucionária seja revertida, com a mesma ênfase, em farol da destruição das bases fundamentais do homem ocidental. Desse modo, de forma resumida, podemos dizer que se entendeu que a derrubada das “superestruturas” poderia ser substituída pela tomada silenciosa das “superestruturas”. Estas, por sua vez, são definidas por Marx desse modo:

Na produção social da sua existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade; essas relações de produção correspondem a um grau de desenvolvimento dado as suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. [5]

Contextualizando nossa abordagem, podemos comparar a aplicação desses métodos distintos com o que hoje vemos na China e na Venezuela. A China não conheceu os princípios de Liberdade e Democracia, nem tinha em sua essência basilar o espírito cristão, tão determinante no fracasso dos ideais socialistas. Desse modo não fica difícil perceber que a aplicação da ortodoxia marxista em relação a religião não foi problemática num país agrário, com pouco desenvolvimento econômico e social, com religiões distantes de uma conscientização política fruto do amadurecimento doutrinal e histórico. A Igreja Católica na China, muito diminuta, não era um obstáculo ideológico a ponto de ser determinante em um possível fracasso comunista. Desse modo, sem um espírito contra-revolucionário intrínseco a formação social, o Estado marxista lançou mão de sua força totalitária para perseguir e reprimir todos aqueles que pudessem subverter a nova ordem, incluindo instituições. Mesmo o cristianismo sendo pouco presente em terras chinesas, as Igrejas em seu solo poderiam servir como canais de propulsão de um ideal de liberdade e fé, uma combinação muito explosivo para os comunistas. As Igrejas não precisavam do apoio dos países capitalistas ocidentais para que fossem justificadas as perseguições pelo regime, o simples fato de ensinar o Evangelho, que carrega no seu âmago uma mensagem de esperança, tornaria a presença de Cristo perigosa.

O governo chinês, de forma estratégica, percebeu que aliciando, aproximando a Igreja do regime, fazendo com que necessitasse do Estado para manter sua vida apostólica, enfim, criando um vinculo muito estreito com o poder político, poderia controlar e gerenciar os passos do clero, fazendo com que perdesse força e influência, o que, naturalmente, acarretaria a diminuição dos fiéis e a extinção da Igreja. Para tanto foi desenvolvida a “Tríplice Autonomia”, que afirmava que a Igreja na China deveria gozar de total “autonomia” perante as outras nações a tudo que envolvesse a evangelização, custeamento e coordenação. Com isso foi exigido relatórios mensais com o discernimento das contribuições recebidas e, posteriormente, foi proibido por lei qualquer contato com outras nações, endossando juridicamente a expulsão de religiosos estrangeiros. Desse modo se cortava toda a relação da Igreja chinesa com o mundo, fazendo dela uma presa fácil ao poderio do Estado, assim como fechando as torneiras que alimentavam e subsidiavam os trabalhos missionários no país.

Alguém pode se perguntar; por que todo o clero se submeteu ao poder do Estado chinês? Não, um grupo de religiosos e fiéis se manteve integro e devoto da ortodoxia católica, esses sofreram com as acusações de serem servos do capitalismo e do imperialismo, sofreram com as perseguições, martírios, prisões, torturas, confisco de bens, destruição de igrejas e mosteiros etc. Outro grupo, composto por homens e mulheres que se aliaram ao governo, enxergando nessa aliança a única forma de professar sua fé, mesmo que fosse as custas da corrupção da doutrina, acabou gerando o que se chama Igreja Patriótica. Eles sucumbiram depois que viram as enormes impossibilidades impostas pelo governo aos católicos ligados a Roma. Trocaram a fidelidade por uma falsa liberdade. A “Associação patriótica dos católicos chineses” nasceu fundamentada na estreita ligação com o partido comunista chinês a ponto de permitir nas suas normas as orientações e nomeações do PCC. Além disso tem como obrigação estatutária fazer com que a Igreja Católica marche rumo ao futuro socialista e goza, em Direito, de independência, autonomia e autogestão, ou seja, sem interferência da Santa Sé.

Não obstante, na Igreja patriótica existe uma busca pelo reconhecimento de Roma, um sentimento muito sincero e puro. Os fiéis e o clero tentam retornar a plena comunhão com a Santa Sé. Interessante é o esforço para validar canonicamente os Bispos patrióticos; quando o Estado seleciona os nomes para as dioceses eles são enviados secretamente a Roma e, posteriormente, são estudados e escolhidos pelo Papa que os reenvia a China. Só aparecem para a ordenação aqueles que tiveram a autorização do Santo Padre. Eles sabem que ordenação sem aval do Sumo Pontífice incide em excomunhão automática (como ocorreu com Lefevbre).

A situação da igreja patriótica, hoje, não é melhor do que a das catacumbas, a verdadeira Igreja Católica da China. Na época da revolução cultural ambas foram proibidas e tiveram seus bens confiscados. Os Bispos e padres eleitos e ordenados, apenas com a permissão do Estado, sabem da triste situação em que se encontram, ainda sofrem porque os religiosos ordenados licitamente não concelebram com eles e os fiéis não aceitam seus sacramentos. Cardeal Zen, Arcebispo de Hong Kong, a maior voz em defesa da liberdade da Igreja, disse que cerca de 85% dos Bispos da Igreja patriótica foram aprovados secretamente pelo Papa (muitas vezes os nomes que os fiéis mandam para a aprovação pelo governo são de religiosos já escolhidos pelo Papa). O governo não sabe como reverter essa situação.

Na Venezuela as coisas mudam de figura. Estamos falando de um país ocidental, criado nas bases que sustentam toda nossa civilização, erguido sobre valores e princípios cristãos, e nascido com um espírito de Liberdade por meio de Simão Bolívar que, diferentemente do que pintam, não tinha ideais coletivistas e igualitaristas, até porque se tratava de um aristocrata e maçom, ou seja, submerso nas novas tendências filosóficas que, por sua vez, passavam longe de um cripto-socialismo. Dessa modo percebemos desde já que a perseguição a religião em terras venezuelanas não se aplica do mesmo modo como na China, diferentemente da ortodoxia, ou da tentativa de ortodoxia, do maoísmo, o chavismo se esforça para aliciar a Igreja, força que se corrompida, por criar e sustentar um discurso, se torna instrumento de ampla ideologização e doutrinação.

A Igreja Católica Reformada da Venezuela é a fusão do anglicanismo, catolicismo e modernismo. Ironicamente, a nova denominação não defende o casamento homossexual nem ordena mulheres, mas, por andar lado a lado com o relativismo, é apenas uma questão de tempo para que o arcabouço doutrinal se adapte as novas “necessidades”. Outra coisa interessante é que a Igreja Católica Reformada recebeu um taxativo não da Comunhão Anglicana ao pedido de reconhecimento, mais interessante ainda é que teve o apoio da Igreja Anglicana Conservadora da América do Norte, comandada do Texas, que surgiu por se recusar a se submeter ao liberalismo reinante na Igreja Episcopal que, inclusive, ordenou um gay.

De fato, a Igreja Reformada da Venezuela não é oficial nem oficialmente representante da crença do líder máximo do país. Entretanto se diz solidária e sensível aos projetos e reformas do Presidente, compartilhando dos planos socialistas e revolucionários de Chávez, como deixou claro Enrique Albornoz, um ex-ministro luterano que é o principal bispo, o líder, da Igreja Católica Reformada. E vejam que engraçado; Alvarado, que era um Padre católico, celebrou seu próprio casamento com sua ex-assistente. Certo estava D Jorge Cardeal Urosa, Arcebispo de Caracas, ao dizer que essa igreja era “uma espécie de canja de galinha, uma salada verde, algo que não terá qualquer coerência interna”.

Percebam que o objetivo da Igreja Reformada da Venezuela é minar o catolicismo internamente através da corrupção do clero, da difusão de um espírito relativista e liberalizante. Desse modo, adotando um discurso populista e socialista, em plena comunhão com os métodos panfletários de Chávez e sua poderosa máquina totalitária e publicitária, que inventa um paraíso bem diferente da fome e das filas tão comuns no país, essa denominação pega carona no tal “sucesso” do chavismo. Como disse D. Roberto Luckert, Vice-presidente da Conferência Episcopal Venezuelana, “Eles se vestem como padres, ministram batismos e crismas – tudo pago pelo governo – enquanto as pessoas passam fome” e “O que eles querem fazer é colocar um fim à Igreja Católica, mas não tiveram sucesso”. Sem o catolicismo, sem a vivência do verdadeiro Evangelho, sem a defesa da Liberdade, o aspirante a sumo ditador tem o caminho livre para instaurar o regime de terror.

Enfim, percebemos a total incongruência entre o marxismo e a religião, compreendemos como os ideais de Marx, assim como as diversas correntes que posteriormente surgiram, tendem a destruir e minar a fé ou, no máximo, torná-la uma ferramenta de luta de classes, um instrumento muito valioso na corrupção das bases fundamentais da nossa Civilização. Exterminar a religião cristã no Ocidente é corromper e derrubar o pilar mais seguro que mantém uma história de séculos e séculos, é acender um fogo que transformará em pó um legado de milênios. A demolição das pilastras abrirá as portas do inferno no mundo, portas essas que jamais irão prevalecer sobre a Igreja.

[1] MARX, Karl, Manuscritos Econômicos e Filosóficos p. 162
[2] MARX, Karl, Manuscritos Econômicos e Filosófico, p. 97
[3] MARX, Karl, Manuscritos Econômicos e Filosóficos p. 93
[4] STACCONE, Giuseppe, Filosofia da Religião O Pensamento do homem ocidental e o problema de Deus, p. 137
[5] MARX, Karl, Prefácio à Introdução à Contribuição para a Crítica da Economia Política

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