Os “irmãos” de Jesus: Maria teve outros filhos?

Por Alessandro Lima

O objetivo desta matéria é demonstrar que Maria que não teve outros filhos além de Jesus, tendo permanecido virgem, mesmo após o nascimento de Jesus. Para tanto, lancei mão de textos que colecionei de várias fontes, tais como os exuberantes sites do Agnus Dei e do Veritatis Splendor, além de escritos de Dom Estevão Bettencourt, debates na lista de discussão do Veritatis Splendor e algumas observações minhas.

Parte I: Textos que Comprovam que Jesus era Filho Único

1. A Bíblia só chama a Jesus de Filho de Maria

Em nenhuma passagem da Bíblia, ninguém é chamado de “filho de Maria”, a não ser Jesus. E, ainda, de ninguém Maria é chamada “Mãe”, a não ser de Jesus. Em Mc 6,3 é dito: “o filho de Maria” (com artigo, dando idéia de unicidade). A expressão grega implica que Ele era seu único filho. O Evangelho nunca diz “a mãe de Jesus com seus filhos”, embora isso fosse natural, especialmente em Mc 3,31 e At 1,14, se ela tivesse outros filhos.

2. Maria fez Voto de Virgindade

Em Lc 1,34 Maria pergunta: “Como se fará isso, pois eu não conheço varão?”.

A pergunta que Maria fez seria inadimissível em uma jovem desposada no momento em que lhe anunciavam o nascimento de um filho futuro. Esta pergunta só tem sentido se considerarmos que ela fizera voto de virgindade, uma vez que, embora estivesse desposada, ela afirma: “eu não conheço varão”. O anjo, porém, não a libera do voto, mas diz que se tratará de uma conceição milagrosa.

O voto de virgindade feito por Maria é também insinuado num apócrifo: o Protoevangelho de Tiago (120 dC).

3. Jesus Entregou Maria ao Discípulo João

Era costume judeu que os filhos cuidassem da mãe. Ao morrer o irmão mais velho, caberia aos demais filhos o cuidado da mãe. Porém, Jesus pede que o discípulo João, membro de outra família, cuidasse de sua mãe (Jo 19,26-27). Não haveria necessidade de tal preocupação e tal atitude seria inadmissível se Jesus tivesse outros irmãos.

4. Aos 12 Anos, não há Indícios de Irmãos na Festa da Páscoa

Quando Jesus foi a festa da Páscoa em Jerusalém, com a idade de 12 anos (Lc 2,41-51), não se menciona a existência de outros filhos, embora toda a família tivesse peregrinado junto durante uns 15 dias. Ora, Maria e José não poderiam ter deixado em casa, por tanto tempo, filhos tão pequenos.

5. O Testemunho da Sagrada Tradição

A Sagrada Tradição da Igreja sempre ensinou a Virgindade perpétua da mãe de Nosso Senhor. Eis alguns testemunhos dos primórdios do cristianismo:

Santo Inácio de Antioquia ( Século I ): “E permaneceram ocultos ao príncipe desse mundo a virgindade de Maria e seu parto, bem como a morte do Senhor: três mistérios de clamor, realizados no silêncio de Deus” (Carta aos Efésios, PG. V, 644 ss.)

Santo Irineu (130 a 203 dC): “Era justo e necessário que Adão fosse restaurado em Cristo, e que Eva fosse restaurada em Maria, a fim de que uma virgem feita advogada de uma virgem, apagasse e abolisse por sua obediência virginal a desobediência de uma virgem”. (Contra as Heresias)

Santo Atanásio (295 a 386 dC): “Jesus tomou carne da SEMPRE virgem Maria”.

Dídimo (386 dC): “Nada fez Maria, que é honrada e louvada acima de todas as outras: não se relacionou com ninguém, nem jamais foi Mãe de qualquer outro filho; mas, mesmo após o nascimento do seu filho [único], ela permaneceu sempre e para sempre uma virgem imaculada”. (“A Trindade 3,4”)

São Jerônimo (340-420 dC): “Cristo virgem e Maria virgem consagraram os princípios da virgindade em ambos os sexos”.

Santo Agostinho (354 a 430 dC): “Então, o Senhor tem irmãos? Será que Maria teve ainda outros filhos? Não! De modo algum! (…) Qual é, pois, a razão de ser da expressão “irmãos do Senhor”? Irmãos do Senhor eram os parentes de Maria”. (Comentário do Evangelho de São João, X, 2)

Santo Agostinho: “Concebeu-O [a Cristo Jesus] sem concupiscência, uma Virgem; como Virgem deu-lhe à luz, Virgem permaneceu”. (Sermão sobre a Ressurreição de Cristo, segundo São Marcos, PL XXXVIII, 1104-1107)

6. A Fé dos Reformadores Protestantes

Martinho Lutero:

Sobre Mt 1,25: “Destas palavras não se pode concluir que após o parto, Maria tenha tido consórcio conjugal. Não se deve crer nem dizer isso.” (Obras de Lutero Ed. Weimar, Tomo 11, p.323)

No fim de sua Vida: “Virgem antes, no, e depois do parto, que está grávida e dá a luz. Este artigo da fé é milagre divino.” (Sermão Natal 1540: WA 49,182)

João Calvino:

“Jesus é dito primogênito unicamente para que saibamos que Ele nasceu da Virgem” (CO 45,645)

“Certas pessoas têm desejado sugerir desta passagem [Mt 1,25] que a Virgem Maria teve outros filhos além do Filho de Deus, e que José teve relacionamento íntimo com ela depois. Mas que estupidez! O escritor do evangelho não desejava registrar o que poderia acontecer mais tarde; ele simplesmente queria deixar bem clara a obediência de José e também desejava mostrar que José tinha sido bom e verdadeiramente acreditava que Deus enviara seu anjo a Maria. Portanto, ele jamais teve relações com Maria, mas somente compartilhou de sua companhia… Além disso, N.Sr. Jesus Cristo é chamado o primogênito. Isto não é porque teria que haver um segundo ou terceiro [filho], mas porque o escritor do Evangelho está se referindo à precedência. Assim, a Escritura está falando sobre a titularidade do primogênito e não sobre a questão de ter havido qualquer segundo [filho]” (Sermão sobre Mateus, 1562).

Zvínglio:

“Creio firmemente que, segundo o Evangelho, Maria, como Virgem pura, gerou o Filho de Deus e no parto e após o parto permaneceu para sempre Virgem pura e íntegra.” (Zvínglio Opera 1,424)

“Os irmãos do Senhor eram os amigos do Senhor” (ZO 1,401)

Parte II: Respondendo às Objeções Protestantes

7. Quem Seriam os “Irmãos” de Jesus?

Há vários textos no NT que mencionam os “irmãos de Jesus”: Mt 12,46-50; 13,55; Mc 3,31-35; Lc 8,19-21; Jo 2,12; 7,2-10; At 1,14; Gl 1,19; 1Cor 9,5. Vejamos, por exemplo, Mc 6,3:

“Não é este o carpinteiro, o filho de Maria, irmão de Tiago, José, Judas e Simão? E as suas irmãs não estão aqui entre nós?”

O que dizer?

A expressão “irmãos de Jesus” foi concebida, não em ambiente grego, mas no mundo semita, onde a língua falada era o aramaico. Ora, em aramaico (e também em hebraico), a palavra “irmãos” (se escreve “ah”), designa não somente os filhos dos mesmos pais, mas também, os primos ou até parentes mais remotos. No AT há 20 passagens que atestam o amplo significado da palavra “irmão”. Vejamos alguns exemplos:

Primeiro Exemplo:

Gn 11,27: “Taré gerou Abrão, Nacor e Arã. Arã gerou Ló.”

Logo, Ló é sobrinho de Abrão, como confirma Gn 12,5: “Abrão tomou sua mulher Sarai, seu sobrinho Ló, …”. Vejamos agora o que diz Gn 13,8:

“Abrão disse a Ló: Que não haja discórdia entre mim e ti, … , pois somos IRMÃOS.”

Segundo Exemplo:

1Cr 23,21-23: “Os filhos de Merari foram Moholo e Musi. Os filhos de Moholi foram Eleázaro e Cis. Eleázaro morreu sem ter filhos, mas apenas filhas. Os filhos de Cis, SEUS IRMÃOS, as tomaram por mulheres.”

Ora, como Eleázaro e Cis eram verdadeiros irmãos, então os filhos de Cis não eram irmãos das filhas de Eleázaro, mas sim primos. No entanto, a Bíblia utiliza o conceito amplo da palavra “ah” para chamá-los de irmãos, embora fossem primos.

Terceiro Exemplo:

Gn 29,15: “Então Labão disse a Jacó: Por seres meu IRMÃO, irás servir-me de graça?”

Seria Labão irmão de Jacó? Não! Era seu tio. Confira:

Gn 29,10: “Logo que Jacó viu Raquel, filha de Labão, irmão de sua mãe, aproximou-se…”

Leia também: 1Cr 15,4-10.

Em conclusão, o uso dos termos “irmãos e irmãs” de Jesus, na verdade, designam simplesmente que se trata de parentes de Jesus, pois o termo hebraico “ah” (traduzido por “irmão”) possui este sentido amplo. Portanto, não eram filhos de Maria, mas sim parentes de Jesus, provavelmente seus primos ou filhos do viúvo José.

8. Mas o NT foi Escrito em Grego e não em Aramaico. E aí?

Em grego existem palavras definidas para irmão (ADELPHOS) e primo (ANEPSIOS). Paulo conhecia muito bem o grego pois chegou a discursar com muita eloquência num aerópago grego. Certamente, os autores sagrados conheciam muito bem as palavras ADELPHOS e ANEPSIOS. Inclusive, Paulo chegou a usar o termo ANEPSIOS (primo) em Cl 4,10:

“Saúda-vos Aristarco, meu companheiro de prisão, e Marcos, o PRIMO de Barnabé”

E ainda: “Saudai a Herodião, meu PARENTE” (Rm 16,11)

O mesmo se pode dizer do livro de Tobias, escrito em grego: “Como este jovem é parecido com meu PRIMO” (Tb 7,2)

Portanto, se os “irmão do Senhor” fossem primos de Jesus, ao escrever o NT em grego, os autores sagrados usariam a palavra ANEPSIOS (primo), e não ADELPHOS (irmão). Porém, o NT sempre se refere aos “irmãos do Senhor” usando o termo ADELPHOS (irmão) e nunca ANEPSIOS (primo).

O que dizer?

Ocorre que os escritores sagrados quiseram preservar o sabor semítico da palavra aramaica “ah” (“irmão” para qualquer grau de parentesco próximo) ao fazer a tradução para o grego. A expressão semita “irmãos do Senhor” já era muito usual entre os cristãos (como demonstra as várias inserções no NT) e os apóstolos quiseram preservá-la, pois “ah” é diretamente traduzido para o grego por “ADELPHOS”. Um contexto, portanto, bem diferente das passagens de Paulo e Tobias acima citadas, pois nestes casos Paulo e Tobias não estavam traduzindo um termo hebraico para o grego. Esta preservação do aramaico ou do sabor semita na tradução para o grego ocorre também em outras passagens do NT. Vejamos algumas:

– Pedro, em algumas passagens é chamado pelo nome CEFAS (pedra em aramaico), preservando assim o sabor semita com que os discípulos se acostumaram a chamar Pedro.

Lc 14,26: “Se alguém vem a mim e não ODEIA seu pai, sua mãe, sua mulher, seus filhos, seus irmãos, suas irmãs, sim, até a própria vida, não pode ser meu discípulos”

Teria Jesus pregado o odio? Óbvio que não! Ocorre que o aramaico não tem estruturas de comparação, tipo “amar mais” ou “amar menos”. Jesus, portanto, usou o vocábulo aramaico que traz a idéia de “amar menos” (ou seja, o mesmo que é traduzido por “odiar”), e que foi traduzido para o grego mantendo o sabor semita. Lucas podia usar a estrutura grega correspondente a “amar menos”, mas tal como no caso dos “irmãos do Senhor”, optou por manter o sabor semita do ensinamento, embora houvesse no grego termos mais apropriados.

– São Paulo cita Ml 1,2-3: “Eu amei Jacó e ODIEI Esaú” (Rm 9,13).

Obviamente, a tradução correta seria: “Eu amei mais a Jacó do que a Esaú”. Porém, Paulo mantêm o semitismo, embora o grego em que escreveu lhe proporcionasse termos mais adequados.

– Em várias passagens, São Paulo frequentemente faz uso do termo grego “dikaiosyne” não na forma estrita utilizada pelo sentido grego, mas na forma ampla do sentido hebraico de “sedaqah”.

– Lucas utiliza com frequencia o aditivo “kai” (“e”, em português), que reflete o aditivo hebraico “wau”. Ex: Lc 5,1 “… E ele se encontrava de pé …”. A palavra “e” poderia existir no hebraico, mas não no grego, nem mesmo no aramaico. Lucas nos diz que tomou grande cuidado, conversou com testemunhas oculares e checou relatos escritos sobre Jesus. Estes relatos escritos poderiam estar em grego, hebraico ou aramaico. Estas estranhas estruturas usada por Lucas em alguns pontos parece demonstrar que ele usou, em certos momentos, documentos hebraicos e os traduziu com extremo cuidado, tão extremo a ponto de manter a estrutura hebraica no texto grego. Lucas sabia como escrever em grego culto, como demonstra certas passagens. Mas por que escreveu assim? Certamente por causa de seu extremo cuidado, para ser fiel aos textos originais que usava.

Há muitos outros lugares no NT onde devemos considerar o fundamento hebraico para obter o sentido correto do grego. Demos apenas alguns exemplos que são suficientes para mostrar como os escritores do NT escreveram em grego mantendo o sabor semita das expressões, embora o grego tivesse estruturas e vocábulos mais apropriados, tais como “primos” em lugar de “irmãos”.

Em acréscimo, podemos observar que quando o AT foi traduzido para o grego (versão dos Setenta), alguns séculos antes de Cristo, o termo aramaico “ah” sempre foi traduzido para o grego ADELPHOS (irmão), mesmo quando era evidente que não se tratava de filhos da mesma mãe, mas sim de parentes próximos. Por exemplo, conforme visto acima, em Gn 13,8 “ah” deveria ser traduzido para o grego correspondente a “parentes” (tio e sobrinho), mas preservou-se o sabor semita “irmãos”. Portanto, não se deve admirar o fato do hagiógrafo do NT manter o sabor semita do vocábulo “ah” referente aos parentes, pois este também foi o critério usado na tradução do AT, alguns séculos antes de Cristo nascer. O linguajar grego da Versão dos Setenta, que conservava seu fundo semita, influiu profundamente na linguagem dos escritores do NT, familiarizados que estavam com a tradução dos Setenta. E quando se traduz a Bíblia para as línguas modernas, português, inglês, etc., o termo correspondente a “irmão” também é mantido mesmo nos casos onde é evidente que não se tratam de filhos dos mesmos pais, mas sim de parentes.

9. Mas o Profético Salmo 68 Afirma: “os filhos de sua mãe”!

O Salmo 68 é um salmo profético, pois o versículo 10 é aplicado à Jesus pelos discípulos em Jo 2,17: “O zelo pela tua casa me consumiu”. Dessa forma, se o versículo 10 foi aplicado a Jesus, muitos sugerem que o versículo 9 também deve ser aplicado, pois está adjacente ao versículo 10. Vejamos o que diz o versículo 9:

“Tornei-me um estranho para meus irmãos, um desconhecido para os filhos de minha mãe.”

Observe: “para os filhos de minha mãe”! Daí muitos concluem que Maria teve outros filhos além de Jesus.

O que dizer?

Ocorre, porém, que dado um contexto que contenha um versículo profético, se é verdade que todos os versículos deste contexto sejam todos igualmente proféticos, então o versículo 6 deste Salmo também deveria ser profético e aplicado a Jesus, pois pertence ao mesmo contexto dos versículos 9 e 10. Mas o que diz o versículo 6 ?

“Vós conheceis, ó Deus, a minha insipiência, e minhas faltas não vos são ocultas.” (Sl 68,6)

No salmo 68, o sujeito dos versículos 9 e 10 é o mesmo sujeito do versículo 6. Se o versículo 9 deve ser aplicado a Jesus porque o versículo 10 foi, então o versículo 6 também teria que ser, pois pertencem ao mesmo contexto. Mas o versículo 6 é a confissão de um sujeito insipiente e pecador. Porém, o NT nos garante que Jesus jamais cometeu um pecado (Jo 8,46; Hb 4,15; 1Pd 2,22; Is 53,9; 1Jo 3,5). Logo, concluímos que se um versículo do At for aplicável a Jesus (ou a alguém ou a algum fato do NT) não significa que todo os versículos adjacentes a ele (ou todo o contexto onde ele está inserido), também sejam obrigatoriamente proféticos e igualmente aplicáveis. No caso citado, o versículo 10 é aplicado a Jesus, mas os versículos 6 e 9, não.

Em acréscimo, observe o versículo 22 deste mesmo salmo. Ele também é profético e aplicado a Jesus (Mt 27,34; Jo 19,29). Igualmente os versículos 23, 24 e 26 são todos proféticos. Porém, enquanto o 23 e 24 são aplicado a Israel (Rm 11,9s), o versículo 26 é aplicado a Judas (At 1,20). Isto também comprova que os versículos são aplicados a sujeitos distintos sem qualquer vínculo com o contexto onde se encontra. E ainda, neste mesmo contexto, observe como os versículos 25, 28 e 29 destoam profundamente de Lc 23,34. Novamente observamos que não é porque alguns versículos são proféticos e aplicáveis ao NT que todos os versículos adjacentes o devem ser. Portanto, o versículo do Sl 68,9 não garante que Maria tenha tido outros filhos.

Parte III: Ainda Respondendo às Objeções Protestantes

10. A Bíblia diz: “Até que…” (Mt 1,25)

“José não conheceu Maria (= não teve relações com Maria) ATÉ QUE ela desse à luz um filho (Jesus)”.

Significa isto que, depois de ter dado à luz a Jesus, Maria teve relações conjugais com José?

Não necessariamente. A expressão “até que” corresponde ao grego “heos hou” e ao hebraico “ad ki”. Esta partícula designa apenas o que se deu (ou não se deu) no passado, sem indicação do que havia de acontecer no futuro. Ou seja, a passagem quer afirmar que Jesus nasceu sem que José e Maria tivessem relações. O termo grego “heos hou” (“até que”) nada insinua se depois que Jesus nasceu houve ou não relação entre Maria e José, mas simplesmente relata algo que ocorreu no passado, no caso, Mateus quis relatar o fato extraordinário de que Jesus nasceu estando sua mãe virgem. Vejamos diversos casos semelhantes:

2Sm 6,23: “Micol, filha de Saul, não teve filhos ATÉ a morte.” Não significa que, após morrer, tenha tido filhos.

Sl 109,1: Deus Pai convida o Messias a sentar-se à sua direita ATÉ QUE Ele faça dos seus inimigos o escabêlo dos seus pés. Isto não significa que, após vencidos os inimigos, o Messias deixará de se assentar à direita do Pai.

Gn 28,15: “Diz o Senhor a Jacó: Não te abandonarei ATÉ QUE eu tenha realizado o que te prometi.” Certamente Deus não abandonou Jacó depois de cumprir as suas promessas.

Dt 34,6: Moisés foi enterrado “e ATÉ hoje ninguém sabe onde se encontra sua sepultura”. Isto era verdade no dia em que o autor do Deuteronômio relatou o fato; e continua sendo verdade ainda hoje.

1Tm 4,13: O Apóstolo pede para que Timóteo se devote à leitura, exortação e ensinamento “ATÉ eu (Paulo) chegar”. Isso não quer dizer que Timóteo deveria parar de fazer tais coisas após a chegada de Paulo.

Mt 13,33: “O reino dos céus é semelhante ao fermento, que uma mulher toma e introduz em três medidas de farinha, até que [heos hou] tudo esteja levedado.” Isso não quer dizer que depois que levedou ja não havia mais 3 medidas de farinha.

Mt 26,36: “Então chegou Jesus com eles a um lugar chamado Getsêmani, e disse a seus discípulos: Assentai-vos aqui, enquanto [heos hou] vou além orar.” Observe que Jesus ordena para que os discípulos esperem sentados. Isto não significa que, ao retornar da oração, eles deveriam novamente se levantar. Não! Quando Jesus voltasse, eles poderiam permanecer sentados conversando, ou irem durmir ou se levantarem. Observe como o HEOS HOU nada nos informa sobre o estado futuro.

Lc 24,49: “E eis que sobre vós envio a promessa de meu Pai; ficai, porém, na cidade de Jerusalém, até que [heos hou] do alto sejais revestidos de poder.” Quer dizer que, após Pentecostes, todos os apóstolos saíram de Jerusalém? De modo algum. Observe como HEOS HOU refere-se apenas ao passado, sem nada indicar sobre o futuro. A ordem de Jesus era para que antes de Pentecostes não saíssem de Jerusalém de modo algum. Depois, pouco lhe importa se permaneceriam ou se sairiam dali.

Alguns protestantes, porém, ainda contra-argumentam afirmando que no período entre 100 AC e 100 DC (época em que o NT foi escrito), a partícula “até que” (HEOS HOU, em grego) não era usada sem fazer referências ao futuro. Este argumento também é falso. Podemos citar, por exemplo, um escrito da época citada que diz:

“E Aseneth foi deixada com as sete virgens, e continuou a ser oprimida e a chorar ATÉ (HEOS HOU) o sol se pôr. E não comeu pão nem bebeu água. E a noite veio, e todos da casa dormiram, e somente ela estava acordada, continuando a se desesperar e a chorar.”

Fonte: História “Joseph e Aneseth” de C. Burchard, que pode ser encontrada em Old Testament Pseudepigrapha. Vol. 2, Expansions of the Old Testament and Legends, Wisdom and Philosophical Literature, Prayers, Psalms, and Odes, Fragments of Lost Judeo-Hellenistic Works, ed. James H.Charlesworth, p. 215. New York: Doubleday, 1985.

Notamos pelo contexto que Aneseth chorou até o pôr do sol, mas que ela continuou a chorar pela noite. Eis um caso clássico, da época de Cristo, onde “heos hou” não implica em mudança de ação futura, pois o próprio contexto não dá margem a qualquer outra possibilidade. Portanto, ou “heos hou” termina o ato, ou o continua. Neste exemplo ele certamente não terminou o ato, senão é fato que Aneseth deveria ter parado de chorar, e não continuado, depois que o sol se pôs.

Todos esses exemplos são casos em que se faz referência ao passado, sem referências do futuro. Essa locução era frequente entre os semitas e foi usada em Mt 1,25. A tradução mais clara deste versículo seria “Sem que José tivesse tido relações com Maria, ela deu à luz um filho”.

11. Se Jesus era o Primogênito, então foi o Primeiro de outros Filhos

Lc 2,7: “Maria deu à luz o seu filho primogênito”

Literalmente, “primogênito” é o primeiro filho, independente de haver ou não um segundo filho. Em hebrico “bekor” (primogênito) podia designar simplesmente “o bem-amado”, pois o primogênito é certamente aquele dos filhos no qual durante certo tempo se concentra todo o amor dos pais. Além disto, os hebreus julgavam o primogênito como alvo de especial amor de Deus, pois devia ser consagrado ao Senhor (Lc 2,22; Ex 13,2; 34,19).

A palavra “primogênito” podia mesmo ser sinônima de “unigênito” (único filho), pois um e outro vocábulos na mentalidade semita designam “o bem-amado”. Veja, por exemplo, Zc 12,10:

“Quanto àquele que transpassaram, irão chorá-lo como se chora um filho unigênito; irão chorá-lo amargamente como se chora um primogênito”

Da mesma forma, Maquir que é o único filho de Manassés é chamado de “primogênito” em Jos 17,1. A descendência de Manassés é descrita em Nm 26,29-34.

Observe como “primogênito” refere-se apenas a condição do primeiro filho, sem nada afirmar sobre outros filhos:

Ex 13,2: “Consagra-me todo primogênito, todo o que abre o útero materno entre os filhos de Israel. Homem ou animal será meu.”

Ex 34,19: “Todo o que sair por primeiro do seio materno será meu: Todo macho, todo primogênito das tuas ovelhas e do teu gado.”

Lc 2,23: “Todo macho que abre o útero será consagrado ao Senhor”

Numa inscrição sepulcral judaica datada de 5 AC e descoberta em Tell-el-Yedouhieh (Egito), em 1922, lê-se que uma jovem chamada Arsinoé MORREU “nas dores do parto do seu filho primogênito”. Ora, se ela morreu, então não teve outros filhos além do filho dito “primogênito”. E mais ainda: no apócrifo “Antiguidades Bíblicas”, a filha de Jefté (Jz 11,29-39) ora é dita primogênita (primeira filha), ora é dita unigênita (única filha). Portanto, embora fosse a única filha, também era chamada de primogênita.

E para confirmar definitivamente que o primogênito não necessariamente têm outros irmãos, São Jerônimo apresenta Lc 2,22-24 que diz:

“Concluídos os dias da sua purificação, de acordo com a lei de Moisés, eles o levaram a Jerusalém para apresentá-lo ao Senhor [como está prescrito na lei do Senhor, todo macho que abre o útero deve ser consagrado ao Senhor] e para oferecer em sacrifício de acordo com o que é prescrito na lei do Senhor, um par de rolinhas ou duas pombas novas”

Como não havia tempo suficiente, até o dia da sua purificação, para Maria conceber novamente, é certo que Jesus foi consagrado ao Senhor (lei da primogenitura) antes de ter qualquer irmão. Ora, se o primogênito fosse restrito àqueles que possuem irmãos, ninguém estaria sujeito a lei da primogenitura, enquanto não nascesse seu irmão. Mas visto que, o primeiro filho (que ainda não tem irmãos mais novos), poucos dias depois de nascer já é sujeito à lei da primogênitura, deduzimos que é chamado primogênito aquele que abre o útero da mãe e que não foi precedido por ninguém, e não aquele cujo nascimento foi seguido por outro de irmão mais novo.

Vimos, portanto, que o primeiro filho homem será consagrado a Deus. Este é o primogênito. Mesmo que não seja o primeiro filho, mas se for o primeiro filho homem, ele é o primogênito. E, se for o único filho, ele também é o primogênito porque foi o primeiro e único. Enfim, o termo “primogênito” possui o mesmo modo de falar de Mt 1,25: “primogênito” vem a ser apenas o filho antes do qual não houve outro, não necessariamente aquele após o qual houve outros.

12. Se Maria fez voto de virgindade, como pode ter desposado José?

Santo Agostinho explica:

“O que tornou a virgindade de Maria tão santa e agradável a Deus não foi porque a concepção de Cristo a preservou, impedindo que sua virgindade fosse violada por um esposo, mas porque antes mesmo de conceber ela já a tinha dedicado a Deus e merecido, assim, ser escolhida, para trazer Cristo ao mundo.

É o que indicam as palavras de Maria em resposta ao anjo que lhe anunciava a maternidade: “Como é que vai ser isso, se eu não conheço homem algum?” (Lc 1,34). Por certo, ela não teria falado assim, se não houvesse consagrado anteriormente sua virgindade a Deus. Mas como esse voto ainda não tinha entrado nos costumes dos judeus, ela fora dada em casamento a um varão justo o qual, longe de lhe tirar o que ela já havia consagrado a Deus, seria ao contrário o seu fiel guardião. Ainda que ela apenas tivesse dito: “Como é que vai ser isso”, sem acrescentar: “se eu não conheço homem algum”, não ignorava que, como mulher, não precisaria perguntar como daria à luz esse filho prometido, no caso de estar casada para ter filhos.

Poderia também ter recebido uma ordem do céu de permanecer virgem, a fim de que o Filho de Deus tomasse nela a forma de escravo por algum grande milagre. Mas por estar destinada a servir de modelo às futuras virgens consagradas, era preciso não deixar parecer que unicamente ela deveria ser virgem, ela que merecera conceber fora do leito nupcial.

Assim, consagrou sua virgindade a Deus, enquanto ainda ignorava de quem havia sido chamada a ser mãe. Desse modo, ela ensinava, às outras, a possibilidade de imitação da vida do céu, em um corpo terrestre e mortal, em virtude de um voto e não de um preceito, e realizando-o por opção toda de amor, não por necessidade de obedecer. Cristo, assim, nascendo de uma virgem que, antes mesmo de saber de quem seria mãe, já tinha resolvido permanecer virgem, esse Cristo preferiu aprovar a santa virgindade a impô-la. Dessa maneira, mesmo na mulher da qual haveria de receber a forma de servo, ele quis que a virgindade fosse o efeito da vontade livre.” (A Santa Virgindade – Santo Agostinho)

Vejamos, agora, o que nos diz o Papa João Paulo II:

“No momento da anunciação, Maria encontra-se então na situação de noiva. Podemos perguntar-nos porque ela tinha aceito o noivado, dado que havia feito o propósito de permanecer virgem para sempre. (…) Pode-se supor que entre José e Maria, no momento do noivado, houvesse um entendimento sobre o projeto de vida virginal.

De resto, o Espírito Santo, que tinha inspirado Maria à escolha da virgindade em vista do mistério da Encarnação, e queria que esta acontecesse num contexto familiar idôneo ao crescimento do Menino, pôde suscitar também em José o ideal da virgindade.” (João Paulo II – Catequese – 17 a 24/08/1996)

Em acréscimo, lembro também que na cultura judaica uma mulher sem marido não era bem vista (veja, por exemplo, 1Cor 7,36). Desposando de José, homem justo, Maria não passaria por tal constrangimento e ainda cumpriria o voto de virgindade. Uma segunda observação, é que quando o Papa fala no ideal de virgindade de José, este ideal pode ter sido suscitado após sua viuvez, uma vez que existem relatos de que José teria tido filhos em seu primeiro casamento.

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