Não apenas as catedrais de Notre Dame de Paris e de Sevilha têm demônios esculpidos na fachada. Todas as catedrais medievais os trazem. E não só na fachada, mas também no interior, esculpidos, pintados ou nos vitrais. E não apenas as catedrais : as igrejas dos Séculos XI ao XIV os representam em múltiplas formas e aspectos. Era um hábito muito salutar dos construtores das igrejas de então. Por que?
Naquele tempo os livros eram raros. A Santa Igreja utilizava seus edifícios sagrados para instruir os fiéis a respeito das verdades da Fé. Assim, as fachadas são cheias de cenas bíblicas, de símbolos históricos, de personagens de legenda. Nelas se vêm fatos quotidianos referentes à vida profissional, à vida de família, religiosa ou guerreira – a Igreja com isso ensinava os comportamentos virtuosos e condenava os maus hábitos. Vêm-se os eleitos entrando na glória eterna e os condenados sendo lançados no fogo eterno, bem como alegorias evocando virtudes e vícios. Entre as evocações dos vícios estão os demônios.
Na igreja que freqüento em Paris – Saint Julien le Pauvre – vê-se, no interior, um demônio no alto da ogiva, exatamente sobre o altar do celebrante. Como um gato, pronto a dar um bote, com cara de esperto e aliciador, o demônio encara o público. É o demônio da distração. Aqueles que não assistem à Santa Missa atentamente põem-se ao alcance de seu bote. E é incrível : quando nos distraímos durante a celebração e o olhar perdido vagueia pela igreja, os olhos caem invariavelmente sobre ele. Não há então quem não se corrija, voltando a atenção à celebração. Sabedoria da Igreja. Em Notre Dame os demônios mais famosos são em forma de gárgulas ; isto é ; terminais das canaletas que lançam na rua a água de chuva, escorrida dos telhados. São medonhos. Neste momento a França se encontra sob fortes chuvas.
A Bretanha foi inundada, os rios transbordam. Outro dia, mostrava a catedral a amigos brasileiros e chovia. Do lado de fora esses demônios despejavam água sobre as calçadas, espirrando em todos, impedindo-nos assim de contemplar os belos detalhes das fachadas laterais. Se não fossem esses demônios, as canaletas levariam as águas até os esgotos, e nós tranqüilamente terminaríamos a visita. O demônio só atrapalha. Fizemos um ato de detestação a ele : é o que a Igreja deseja. Seu objetivo, colocando ali aquelas figuras monstruosas estava alcançado : escapar de satanás e de suas tentações. Mais uma vez, sabedoria da Igreja.
O clero do tempo da catedrais tinha bem presente uma verdade hoje esquecida: a maior esperteza do demônio consiste em fazer crer que ele não existe. Recentemente ouvi um sermão dizendo que, se o Inferno existe, deve estar vazio. Veja como o sentimentalismo mole daqueles que não quererem se compenetrar de que esta vida é um combate, conduz a clamorosos erros contra a Fé. Isso se dá até mesmo com personagens que deveriam ensinar a verdade inteira. E esses demônios são hediondos. Nada têm dos demoninhos engraçadinhos, do tipo Brasinha, que se vêm com frequencia por aí, fazendo gracinhas. Os tempos de fé não mascaravam a hediondez dos infernos.
Traduzido por Nelson Barreto.