A Divina Comédia, de Dante, apresenta, entre um sem-número de suplícios aos pecadores no Inferno, dois lugares que merecem atenção como uma introdução ao assunto deste artigo. O sexto círculo do Inferno é reservado aos hereges, que passam a eternidade trancados em túmulos de fogo vale lembrar que este círculo está dentro da cidade de Dite, que separa os pecados cometidos sem intenção (nos círculos mais externos) daqueles cometidos dolosamente. E o rio Cocito forma o nono, último e mais central círculo infernal: é o dos traidores, que passam a eternidade submersos na água congelada.
Essa pequena descrição serve de introdução a algumas palavras sobre o estado lastimável em que se encontra parte do clero brasileiro, que voltou à mídia recentemente graças ao encerramento do Encontro Nacional de Presbíteros. Após o evento, foi divulgada uma carta, endereçada a todos os padres do Brasil. Como se isso não fosse suficiente, o novo presidente do Conselho Nacional de Presbíteros (o que eles têm contra a palavra “sacerdote”?) foi à imprensa anunciar que um documento, atualmente em preparação, será levado a Roma pedindo flexibilização nas regras do celibato, entre outras coisas.
Primeiro, vejamos a carta aos sacerdotes (link: http://www.cnbb.org.br/index.php?op=noticia&subop=17324 ):
Curiosamente, qualquer um que dê um control-F no texto e procurar pelas palavras “missa”, “eucaristia” ou “sacramentos” não vai encontrar absolutamente nada. Isso apesar de essas três palavras representarem basicamente a essência do ministéro sacerdotal: celebrar o Santo Sacrifício da Missa, trazendo Cristo a nós pela Eucaristia, e administrando os sacramentos. No início do ENP, dom Claudio Hummes havia inclusive afirmado que “o padre vive da Eucaristia”, parafraseando João Paulo II. No entanto, essa dimensão essencial da atividade do padre é totalmente ignorada pelos presbíteros reunidos em Itaici.
A carta segue com uma “análise” que, além de ser um samba do crioulo doido, pode muito bem ser publicada em qualquer jornal de Partido Comunista por aí: fala de “sociedade capitalista e globalizada”, segue com preocupações ecológicas e termina criticando “estruturas pesadas” na Igreja, que teriam dificuldade em ser fiéis à “dinâmica” de Jesus e ao projeto do Reino de Deus. Não é necessário ser especialista para saber a quem os presbíteros se referem ao falar de “estruturas pesadas”: é uma crítica a Roma, que mantém a Igreja nos eixos pois, se a obra de Cristo fosse deixada sob o comando dos padres do ENP, o caos já teria se instalado rapidamente. Os padres do ENP querem que a Igreja se adapte ao mundo e imaginam que a doutrina deve se amoldar às convicções pessoais; Bento XVI e seus colaboradores querem transformar o mundo por meio da conversão individual. A diferença é gritante.
Curiosamente, um trecho da carta diz que os presbíteros devem ser “apaixonados por Jesus”. Que Jesus? Será o “Jesus histórico” que andam divulgando por aí, um Jesus que não fez milagre nenhum (“são apenas metáforas”), que é apenas mais um “líder espiritual” como Buda ou Gandhi, que teria pregado um “amor” que se resume a passar a mão na cabeça das pessoas, uma espécie de “contestador político” que morreu por “desafiar os poderosos”? Ou o Filho de Deus, aquele que disse à adúltera “vá e não peques mais”, que se entregou em sacrifício pelos nossos pecados, que dizia palavras duras que às vezes não eram compreendidas, mas eram palavras de vida eterna, como Pedro afirmou?
Será que algum desses presbíteros do ENP tem na biblioteca (nem pergunto se chegaram a ler) o Jesus de Nazaré, de Bento XVI?
Em seguida, vemos a exaltação de algumas figuras da Igreja brasileira.
Curiosamente, todos ligados à Teologia da Libertação. Vemos os elogios rasgados a dom Pedro Casaldáliga, o mesmo que comparou Bento XVI a Pilatos; e a dom Cappio, o bispo que colocou a vida em risco, desobedecendo a pedidos do próprio Papa, por uma questão meramente política. Os verdadeiros grandes nomes da nossa Igreja, como Dom Eugênio Sales, dom José Cardoso Sobrinho, dom Manoel Pestana, esses são ignorados pela carta do ENP.
Por fim, há um pedido para que os presbíteros vivam “o jeito CEBs de ser Igreja”. Curiosamente, é um movimento suicida, pois uma das características das nefastas CEBs é dispensar a presença do padre ou considerá-lo apenas um igual, retirando-lhe a dignidade que lhe foi conferida pela imposição das mãos episcopais. Essas mesmas CEBs que são fruto da Teologia da Libertação, repetidamente condenada por Roma.
A carta já é um escândalo em si, mas os padres do ENP não estavam satisfeitos. Segundo reportagem publicada em O Estado de S. Paulo no dia 20 de fevereiro, o Conselho Nacional de Presbíteros encaminhará à Congregação para o Clero, em Roma, vários pedidos: um deles é a busca de alternativas para o celibato; outro é a adoção de “orientações mais seguras e definidas sobre o acompanhamento pastoral de casais de segunda união”.
Vamos por partes. É verdade que o celibato é uma questão disciplinar, e não dogmática, dentro da Igreja, tanto que ele não é obrigatório nas igrejas de rito oriental. Mas isso não significa que se possa criticar livremente o celibato e pedir abertamente a sua revogação, pois o Vaticano já solicitou que o debate sobre o assunto seja suspenso. Além do mais, para quem acredita que o fim do celibato será uma panacéia que acabará com o problema de falta de vocações, o último Sínodo dos Bispos traz uma ducha de água fria:
Sobre a questão do celibato sacerdotal _ tema que suscitou diversos pronunciamentos na Sala do Sínodo _ o Bispo ucraniano Sofron Stefan Mudry, ilustrou o cenário de seu país, referindo as “graves dificuldades sociais” e os problemas práticos que devem afrontar os homens casados ordenados sacerdotes, desde a carência de moradia à impossibilidade, por vezes, de deslocar-se de uma paróquia para outra, por causa, por exemplo, dos filhos em idade escolar. Situações que contrastam com a dedicação que o ministério requer.
A propósito da ordenação sacerdotal de homens casados como meio de solucionar a crise vocacional, eis o que disse o Cardeal Íñiguez: “É um problema, não uma solução. Vocês sabem que, nas Igrejas orientais católicas existem sacerdotes casados; três ou quatro padres dessas Igrejas se pronunciaram, dizendo que, apesar de ser previsto o matrimônio dos sacerdotes, existe igualmente a crise vocacional. Os sacerdotes não têm tempo para estudar, devem trabalhar muito, para manter a esposa e os filhos; por vezes se divorciam, por vezes pedem que o bispo mantenha o sacerdote, a esposa e os filhos…” (http://www.radiovaticana.org/bra/Articolo.asp?c=52197).
Além do mais, especificamente no Brasil, a quem interessa a abolição do celibato, permitindo o retorno de vários padres que largaram a batina (se algum dia usaram uma) para “se casar”? São, por acaso, pessoas ortodoxas, fiéis à doutrina da Igreja? Não são mais agentes da Teologia da Libertação. Melhor que não voltem aos púlpitos (se é que as igrejas ainda os têm); que sejam mantidos longe dos fiéis, pois são lobos travestidos de ovelhas.
Por último, os padres pedem “orientações mais seguras e definidas sobre o acompanhamento pastoral de casais de segunda união”. Ora, essas orientações já existem e são claríssimas: um matrimônio válido nunca poderá ser desfeito, pois a Igreja não tem esse poder.
Divorciados que se unem a outras pessoas no civil cometem adultério e por isso não podem receber a Eucaristia por estarem em pecado mortal.
Impossível ser mais claro que isso. Na verdade, o que os presbíteros querem ao insinuar que as orientações da Igreja não são “seguras e definidas” o suficiente, é abrir brechas para a comunhão dos recasados, agredindo dois sacramentos numa tacada só: desmentindo a indissolubilidade do matrimônio, e oferecendo a Eucaristia a quem não pode recebê-la, um sacrilégio.
E, expostas as intenções diabólicas do Encontro Nacional de Presbíteros, podemos voltar àquela introdução sobre o Inferno de Dante. É claro que rezamos pela conversão destes padres, porque mais que nunca precisamos de bons pastores. Mas, caso eles não se emendem, ficaria difícil escolher um círculo para colocar certas almas. Pois, se por um lado são hereges, adeptos da Teologia da Libertação, condenada várias vezes pelo Vaticano, por outro lado (que na verdade é o mesmo) são traidores: prometeram servir a Cristo, mas O renegaram para servir à revolução socialista travestida de caridade cristã e trabalham pela destruição da obra que Jesus iniciou.