“Alegra-te, Cheia de Graça” (Lucas 1,28)

Autor: Estêvão Tavares Bettencourt

Os fiéis católicos têm por hábito saudar a Virgem Maria com as palavras do anjo – Chãire Kecharitoméne (Lucas 1,28) – que são geralmente traduzidas por “Ave Maria, cheia de graça”. Todavia o texto grego diz literalmente “Alegra-te…” e não “Ave” ou “Salve”. A diferença de traduções é importante, pois o convite à alegria dirigido a Maria faz eco ao mesmo convite dirigido frequentemente, no Antigo Testamento, à Filha de Sion ou ao povo de Israel: cf. Isaías 12,6; 44,23; 49,13; 54,1. O motivo da alegria proposta é a vinda do Messias e da salvação a ser realizada por Ele. A Filha de Sion assim interpelada é tida como a Mãe que dará à luz o Messias (Jeremias 4,31; Miqueias 4,10). De modo especial vem ao caso o texto de Sofonias 3,14-18 como pano de fundo do anúncio do anjo a Maria:

Sofonias 3,14-18
“Alegra-te,
Filha de Sion
O Senhor está no meio de ti
Não temas, Sion
O Senhor teu Deus está em teu seio[*] Como Salvador,
O Senhor Deus de Israel”
Lucas 1,28-33
“Alegra-te,
Cheia de graça
O Senhor está contigo..
Não temas, Maria
Conceberás em teu seio
E o chamarás Jesus (Salvador),
E reinará”

Recolocando, pois, a saudação do anjo sobre o seu fundo de Antigo Testamento verifica-se algo de muito profundo: Maria, interpelada por Gabriel, vem a ser a representante, por excelência, da Filha de Sion; é a autêntica Mãe do Messias. Daí a exortação à alegria, que São Lucas tanto recomenda em seu Evangelho (cf. Lucas 1,14.28.41.44.58; 2,0; 10,17-23; 15,6.9.10.23.32; 24,21.54…). Desponta a aurora da salvação, não há por que temer (observação também feita aos pastores em Lucas 2,10). Maria, grávida, vai ter com Isabel, cujo filho “exulta de alegria no seio materno” (Lucas 1,41 44).

Assim toda a história do Antigo Testamento conflui para Maria Santíssima. Ela é o ponto final que compendia em si a expectativa dos Patriarcas, as angústias dos justos à espera do Messias, a paciência do povo de Deus. E ela responde ao Senhor que lhe fala, com as palavras Génoitó moi (“Faça-se em mim…”), verbo no modo optativo, que significa: “Oxalá realize o Senhor em mim a sua obra conforme a palavra do anjo” (Lucas 1,38). Esta resposta exprime ardente desejo ou prece e plena disponibilidade para o serviço do Senhor, ainda que apresentado misteriosamente Diante do inédito, Maria se curva, porque “para Deus nada é impossível” (Lucas 1,37). Aliás, já no Antigo Testamento, o Senhor Deus revelou que a salvação do homem é possível, mesmo quando parece inexequível; (cf Gênesis 18,14; Jr 32,21).

É, pois, com razão que a Igreja se volta para Maria no mês de maio, venerando-a em sua grandeza humilde e pedindo-lhe que continue a exercer o seu papel de Mãe do Messias, pois Este tem um Corpo prolongado, que é a comunidade dos fiéis, ou seja, cada cristão congregado na Comunhão dos Santos.

“Alegra-te, Filha de Sion, cheia de graça…!”


NOTA:

(*) O texto hebraico diz “No teu seio…” – o que é mais significativo do que no “meio de ti”

  • Fonte: “Pergunte e Responderemos” – maio de 1997.
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