Sentenças dos Padres do Deserto

PAI ABRAÃO

Pai Abraão disse de um homem de Scete que era escriba e não comia pão: “Um irmão veio a ele para copiar um livro. O velho homem cujo espírito estava absorto em contemplação, escreveu, porém, omitindo algumas frases e sem pontuação. O irmão, tomando o livro e desejando pontuá-lo, notou que faltavam palavras. Então disse ao ancião: ‘Pai, faltam algumas palavras’. O ancião disse a ele: ‘Vá e pratique primeiro o que está escrito, depois volte e eu escreverei o restante’.”

Aconteceu um dia que os anciãos se dirigiram ao abade Abraão, o profeta da região. Interrogaram-no a respeito do abade Banê: “Estivemos conversando com o abade Banê a respeito da clausura na qual ele agora se encontra; ele nos disse estas graves palavras: ele julga que toda a ascese e todas as esmolas que fez no passado foram uma profanação”. E o santo velho Abraão respondeu-lhes e disse: “Falou corretamente”. Os anciäos, pelo caminho, lamentaram sua vida, que também fora daquele modo. Mas o abade Abraão lhes disse: “Por que vos afligis? De fato, durante o tempo em que o abade Banê distribuía as esmolas, talvez tenha conseguido alimentar uma vila, uma cidade, um povoado. Mas, agora, é possível a Banê levantar as duas mãos a fim de que o trigo cresça com abundância pelo mundo inteiro. Agora já lhe é possível pedir a Deus que perdoe os pecados de toda essa geração”. E os anciãos, após tê-lo ouvido, se alegraram por existir um suplicante que intercedia por eles.

PAI AGATÃO

Era dito do Pai Agatão que alguns monges vieram procurá-lo, tendo ouvido falar de seu grande discernimento. Desejando ver se ele perdia a paciência disseram-lhe: “Você não é aquele do qual dizem ser um grande fornicador e um homem orgulhoso?” – “Sim, é verdade”, ele respondeu. Eles continuaram, “Você não é aquele Agatão que está sempre dizendo bobagens?” – “Sou eu”. Novamente, ele disseram: “Você não é Agatão, o herético?” Ao que ele replicou: “Eu não sou um herético”. Então eles perguntaram-lhe: “Diga-nos: por que você aceitou tudo que atiramos sobre você, mas repudiou este último insulto?” Ele replicou: “As primeiras acusações tomei para mim, pois é bom para minha alma. Mas heresia é separação de Deus. Vejam: eu nada tenho para ser separado de Deus”. A este dito, eles ficaram surpresos pelo seu discernimento e retornaram, edificados.

Freqüentemente o abade Agatão dava este conselho ao seu discípulo: “Nunca pegues para ti algo que não gostarias de imediatamente dar a alguém”.

Um dia perguntou-se ao abade Agatão: “O que é melhor: a ascese corporal ou a custódia da mente?”. Respondeu: “Os homens são como as árvores; o trabalho corporal é a folhagem e a custódia da mente é o fruto: ora, todas as árvores que não dão fruto – está escrito – serão cortadas e lançadas ao fogo. Com relação aos frutos, portanto, deve-se vigiar o que nos acontece, isto é, guardar nossa mente. Também temos necessidade da sombra e da beleza da folhagem, que representam a ascese corporal”. De resto, o abade Agatão era muito dedicado e infatigável no trabalho; sustentava-se sozinho; assíduo no trabalho manual, contentava-se com pouco alimento e roupas simples.

PAI ALÔNIO

“Se o homem não fala a seu coração: ‘Deus e eu estamos sozinhos no mundo’, nunca encontrará descanso”, dizia o abade Alônio.

PAI AMMOES

Dizia-se do Pai Ammoes que quando ele ia à igreja, não permitia que seu discípulo caminhasse ao seu lado mas a uma certa distância; e se esse último viesse lhe perguntar sobre seus pensamentos, ele se afastava dele logo após responder-lhe: “É por receio que, após tão edificantes palavras, sobrevenham conversas irrelevantes, que eu não permito que caminhes comigo”.

Foi dito de Pai Ammoes, que ele possuía cinqüenta medidas de trigo para seu uso e as colocara para fora, ao sol. Antes que elas estivessem devidamente secas, ele viu algo naquele lugar que lhe pareceu perigoso, então disse aos seus empregados: “Vamo-nos embora deste lugar”. Porém, eles pareceram aflitos com isso. Vendo seu desalento, ele lhes disse: “É por causa dos pães que vocês estão tão tristes? Na verdade, tenho visto monges fugindo, deixando suas celas lavadas e também seus pergaminhos e eles nem fecharam as janelas, mas deixaram-nas abertas”.

PAI AMMONAS

Perguntaram ao Pai Ammonas: “Qual é o caminho estreito e apertado?” (Mt. 7,14). Ele respondeu: “O caminho estreito e apertado é este: controlar seus pensamentos e despojar-se de sua própria vontade por amor de Deus. Também isto é o significado da sentença: ‘Senhor, eis que deixamos tudo e te seguimos'” (Mt 19, 27).

Paísio, o irmão do abade Pastor, contraiu uma amizade particular com um monge de fora. O abade Pastor não aceitava isso; levantou-se e correu a dizer ao abade Amona: “Meu irmão Paisio tem uma amizade particular com um e isso não me dá sossego”. “Abade Pastor, tu ainda estás vivo!”, respondeu Amona, “retorna à tua cela e convence-te no coração de que já estás na sepultura há um ano”.

PAI AMON

Disse o abade Amon: “Suporta todo homem assim como Deus te suporta”.

PAI ANTÔNIO

O abade Antônio profetizou ao abade Amon: “Tu terás muito progresso no temor de Deus”. Depois o conduziu para fora da cela e mostrou-lhe uma pedra: “Põe-te a injuriar esta pedra”, disse-lhe, “maltrata-a sem parar”. Quando Amon parou, santo Antônio perguntou-lhe se a pedra respondera alguma coisa. “Não”, disse Amon. “Pois bem! Também tu”, acrescentou o ancião, “deves alcançar esta perfeição e imaginar que ninguém te ofende”.

Alguns irmãos de Scete quiseram ver o abade Antônio. Subiram numa barca e nela encontraram um ancião que também queria procurar Antônio, mas os irmãos não sabiam de nada. Sentados na barca, conversavam a respeito dos apotegmas dos pais, das Escrituras e de seus trabalhos manuais. O ancião, por sua vez, permanecia em silêncio. Chegados ao porto, ficaram sabendo que também o ancião se diriga ao abade. Tendo chegado junto a Antônio, ele lhes disse: “Vocês encontraram nesse ancião um bom companheiro de viagem. E tu, Pai, estiveste junto de bons irmãos!”. Respondeu o ancião: “É verdade, mas a casa deles não tem portas: entra quem quer na estalagem e solta o burro!”. Falava assim porque os irmãos diziam tudo o que lhes vinha à cabeça.

O abade Antônio disse ao abade Pastor: “A grande obra do homem é atirar a culpa sobre si mesmo diante de Deus e esperar a tentação até o último sopro de sua vida”.

O abade Antônio perscrutava a profundidade dos julgamentos de Deus; e perguntou: “Senhor, por que alguns morrem após uma breve existência e outros chegam à velhince? Por que para alguns falta tudo e para outros há extrema abundância de bens? Por que os malvados são ricos e os bons são atirados na pobreza?” Uma voz respondeu-lhe: “Antônio, cuida de ti mesmo: estes são os julgamentos de Deus e nada te serve entendê-los”.

PAI APOLO

Havia nas celas um velho homem chamado Apolo. Se aparecia alguém chamando-o para ajudar em alguma tarefa, ele ia alegremente, dizendo: “Vou trabalhar com Cristo hoje, pela salvação de minha alma, pois esta é a recompensa que Ele dá”.

PAI ARSÊNIO

Diziam dele que havia como que uma depressão escavada em seu peito, pelas lágrimas que caíram de seus olhos durante toda sua vida, enquanto ele fazia seu trabalho manual. Quando Pai Poemen viu que ele estava morto, disse chorando: “Verdadeiramente você é abençoado, Pai Arsênio, pois você chorou por si mesmo nesse mundo! Quem não chora por si mesmo aqui embaixo, chorará eternamente então; por isso é impossível não chorar, voluntariamente ou quando obrigado pelo sofrimento”. (i.é, o sofrimento derradeiro no inferno).

Também era dito dele que nas noites de sábado, preparando-se para a glória do domingo, ele virava-se de costas para o sol e elevava suas mãos em oração em direção ao céu, até que o sol novamente brilhasse em sua face. Então ele se sentava.

Um dia Pai Arsênio consultou um velho monge egípcio sobre seus próprios pensamentos. Alguém notou e disse a ele: “Abbá Arsênio, como é que o senhor com uma educação tão aprimorada em Grego e Latim, pergunta a um camponês sobre seus pensamentos?” Ele replicou: “Realmente aprendi Grego e Latim, mas não sei nem ao menos o alfabeto desse camponês”.

Quando o abade Arsênio residia em Canope, veio de Roma para vê-lo uma virgem de família senatorial, muito rica e temente a Deus. Acolhida pelo arcebispo Teófilo, ela lhe pediu para que insistisse junto ao ancião a fim de que a recebesse. O arcebispo dirigiu-se ao ancião e lhe disse: “Uma senhora de família senatorial vem de Roma e deseja ver-te”. Mas o ancião não quis vê-la. Quando soube da resposta, a senhora fez selar sua cavalgadura e disse: “Tenho fé que Deus me permitirá vê-lo, pois não vim para ver um homem: deles existem muitos em nossa cidade. Vim para ver um profeta”. Quando ela chegou perto da cela do ancião, por uma divina disposição ele se encontrava na soleira. Vendo-o, a mulher prostrou-se a seus pés. Indignado, ele a ergueu e fixando-a, falou-lhe: “Pois bem, se queres ver meu rosto, olha!”. Ela, porém, confusa, não o olhou. Acrescentou o velhinho: “Não querias falar de minhas obras? A elas tu deves prestar atenção! Por que ousaste fazer uma viagem semelhante? Não sabes que és uma mulher e que não deves andar por aí? Retornarás agora a Roma, para contar que viste Arsênio e para fazer do mar uma estrada para a vinda de outras mulheres?”. “Se é vontade de Deus que eu retorne a Roma”, respondeu-lhe ela, “não permitirei a nenhuma mulher que venha aqui. Reza por mim e lembra-te sempre de mim”. Ele respondeu: “Peço a Deus que cancele tua lembrança de meu coração”. A estas palavras, ela ficou perturbada. E, na viagem de retorno a Roma, adoeceu. Advertido, o arcebispo foi consolá-la e se informar sobre sua doença. “Ah”, disse-lhe ela, “como seria melhor se eu não tivesse estado lá! Eu disse ao velhinho: ‘Lembra-te de mim’, e ele me respondeu: ‘Peço a Deus de cancelar tua lembrança de meu coração!’ Morro de dor”. “Não sabes que és uma mulher”, falou-lhe o arcebispo, “e que o inimigo combate os santos por meio da mulher? Por isso o velhinho falou-te assim. Mas ele sempre rezará por tua alma”. Assim ela teve o coração curado e voltou para casa feliz.

O abade Arsênio, quando ainda estava no palácio imperial, rezou assim: “Senhor, mostra-me a estrada que conduz à salvação”. Então ouviu uma voz que lhe disse: “Arsênio, foge do mundo e serás salvo”. Depois de ingressar na vida monástica, rezou ainda do mesmo modo e ouviu a voz dizer: “Arsênio, foge do mundo, cala e pratica a hesychia. Estas são as raízes do não-pecar”.

O arcebispo Teófilo, de feliz memória, num dia, acompanhado por um magistrado, visitou Arsênio. O arcebispo pediu-lhe uma palavra. O ancião ficou um tempo calado e depois falou: “Se lhes disser uma palavra, vocês a observarão?” Prometeram que sim. Então falou o ancião: “Se escutarem dizer: lá está Arsênio, não o procurem!”.

Num dia, o abade Arsênio chegou perto de um caniço agitado pelo vento. O ancião disse aos irmãos: “O que é isso que se move assim?” “São os caniços”, responderam. “Na verdade, se alguém permanece na paz e ouve o grito de um passarinho, o seu coração não possui a paz. Pior ainda sois vós, que sois agitados como esses caniços”.

Um irmão perguntou ao abade Arsênio: “O que devo fazer, Pai? Um pensamento me angustia: como não consigo nem jejuar nem trabalhar, devo ao menos visitar os doentes. Isso merece recompensa”. O ancião viu aí a semente do diabo: “Adiante”, repondeu-lhe, “come, bebe, dorme; apenas não sai de tua cela”. Pois sabia que a fidelidade à cela torna o monge tal como deve ser. Três dias depois, o irmão foi atingido pela indolência. Tendo encontrado alguma pequena palma, quebrou-a, e no dia seguinte começou a fazer uma corda. Quando teve fome, disse: “Eis mais alguma pequena palma: vou terminá-la e depois comerei”. Isso feito, disse ainda: “Quero ler um pouco, e depois comerei”. E, depois de ter lido: “Recitemos ainda algum salmo breve, e depois comeremos sem escrúpulos”. E deste modo, com o auxílio de Deus, pouco a pouco progredia, até tornar-se aquilo que devia ser, e dominando seus maus pensamentos, venceu-os.

PAI ATANÁSIO, BISPO DE ALEXANDRIA

Perguntou-se ao nosso santo pai Atanásio, arcebispo de Alexandria: “De que modo o Filho é igual ao Pai?” Respondeu: “Como a visão nos dois olhos”.

PAI CIRO

Perguntaram a Pai Ciro da Alexandria, sobre a tentação da fornicação e ele replicou: “Se vocês não pensarem sobre isso, vocês não têm esperança, pois se vocês não estiverem pensando nisso, estão fazendo isso. Quer dizer, aquele que não luta contra o pecado e resiste a ele em seu espírito vai pecar fisicamente. É bem verdade que aquele que está fornicando não está preocupado pensando nisso”.

PAI COPRES

Pai Copres disse: “Abençoado aquele que sofre aflições com ação de graças.”

Um dia, os habitantes de Scete reuniram-se para discutir Melquisedeque e se esqueceram de convidar Pai Copres. Mais tarde o chamaram e perguntaram-lhe sobre aquele assunto. Batendo em sua boca três vezes, ele disse: “Infelizmente, para você, Copres! Pois aquilo que Deus manda, você faz, você foi posto de lado e você deseja aprender algo que não lhe foi requerido saber”. Quando ouviram estas palavras, os irmãos fugiram para suas celas.

PAI DANIEL

Isto é o que disse Pai Daniel, o Faranita: “Nosso Pai Arsênio nos contou sobre um habitante de Scetis, de vida digna e fé simples; pela sua ingenuidade, ele foi enganado e disse: ‘O pão que recebemos não é verdadeiramente o Corpo de Cristo, mas um símbolo’. Dois anciãos souberam que ele dissera aquilo, conhecendo seu modo de vida correto acreditaram que ele não falara por malícia, mas por simplicidade. Então, vieram a ele e disseram: ‘Pai, ouvimos da parte de alguém uma proposição contrária à fé, que disse que o pão que recebemos não é verdadeiramente o corpo de Cristo, mas um símbolo’. O ancião disse: ‘Fui eu quem disse isso’. Então os outros dois o exortaram dizendo: ‘Não mantenha essa crença, Pai, mas aquela em conformidade com o que a Igreja Católica nos deu. Acreditamos, de nossa parte, que o pão por si mesmo é o Corpo de Cristo, como no início, Deus formou o homem à sua imagem, tomando do pó da terra, sem que ninguém possa dizer que ele não é a imagem de Deus, mesmo que não pareça. Do mesmo modo, com o pão do qual ele disse: “este é meu corpo”, assim nós cremos que é verdadeiramente o Corpo de Cristo’. O ancião disse-lhes: ‘Enquanto eu não for convencido pela coisa em si, não estarei completamente convicto’. Então eles disseram: ‘Vamos rezar a Deus sobre este mistério por toda a semana e acreditamos que Deus vai nos revelar isto’. O ancião ouviu isso com alegria e rezou nessas palavras: ‘Senhor, vós sabeis que não é por malícia que eu não creio, e, de maneira que eu não erre por ignorância, revele isto a mim, Senhor Jesus Cristo’. Os dois homens voltaram a suas celas e rezaram também a Deus, dizendo: ‘Senhor Jesus Cristo, revele esse mistério a esse homem de modo que ele creia e não perca sua recompensa’. Deus ouviu suas preces. Ao final da semana eles vieram à igreja no domingo e se sentaram todos os três no mesmo tapete, o ancião no meio. Em seguida seus olhos se abriram e quando o pão foi colocado na mesa sagrada, aparecia-lhes uma criança pequena, sozinha. E quando o sacerdote estendeu a mão para partir o pão, viram um anjo descer do céu com uma espada e servir o sangue da criança no cálice. Quando o padre partiu o pão em pedacinhos, o anjo também cortou a criança em pedaços. Quando se aproximaram para receber os sagrados elementos o ancião sozinho recebeu um pedaço da carne sangrenta. Vendo isto, ficou com medo e gritou: ‘Senhor, eu creio que isto é vosso corpo e este cálice vosso sangue’. Imediatamente a carne que ele segurava em suas mãos se tornou pão, de acordo com o mistério e ele o tomou dando graças a Deus. Em seguida os dois homens lhe disseram: ‘Deus conhece a natureza humana e sabe que o homem não pode comer carne crua e é por isso que ele mudou seu corpo em pão e seu sangue em vinho, para aqueles que o recebem na fé’. Em seguida, deram graças a Deus pelo ancião, porque Ele não permitiu que o mesmo perdesse a recompensa pelo seu trabalho. Então, todos os três retornaram com alegria para suas celas”.

PAI DOULAS

Pai Doulas, discípulo de Pai Bessarião disse: “Um dia, quando estávamos caminhando ao longo da praia, eu estava sedento e disse ao Pai Bessarião: ‘Pai, estou com sede’. Ele rezou e disse-me: ‘Beba um pouco da água do mar’. A água estava doce e eu bebi. Cheguei a pegar um pouco numa garrafa de couro, pois tive medo de ficar sedento mais tarde. Vendo isto, o velho homem perguntou-me porque eu estava levando água. Eu disse a ele: “Perdoe-me, é por medo de ficar com sede mais tarde’. E o ancião disse: ‘Deus está aqui, Deus está em todo lugar'”.

PAI ELIAS

Pai Elias, o ministro, disse: “O que pode o pecado onde há penitência? E de que adianta o amor onde há orgulho?”.

Perguntou-se ao abade Elias: “Como nos salvaremos nestes tempos?”. Ele respondeu: “Nos salvaremos pelo fato de não nos darmos valor”.

PAI EPIFÂNIO

Dizia o abade Epifânio: “Conhece-te a ti mesmo e nunca cairás. Dá trabalho à tua alma, isto é, a oração contínua e o amor de Deus, antes que alguém a leve a maus pensamentos; e reza para que o espírito do erro se afaste de ti”.

Pai Epifânio acrescentou: “Um homem que recebe algo de outro por causa de sua pobreza ou sua necessidade tem aí sua recompensa e porque ele se envergonha, quando ele paga, ele o faz em segredo. Mas o oposto faz Deus; Ele recebe em segredo, mas paga na presença dos anjos, dos arcanjos e dos justos”.

PAI EVÁGRIO

Disse o abade Evágrio: “O início da salvação é condenar-se a si mesmo”.

Pai Evágrio disse: “Retirem-se as tentações e ninguém será salvo”.

Dizia abade Evágrio: “Se te foge a coragem, reza. Reza com temor e tremor, com ardor, sobriedade e vigilância. Assim deve-se rezar, sobretudo por causa dos nossos inimigos invisíveis que são malvados e especialistas no mal; e exatamente neste ponto nos armarão ciladas”.

PAI GERONTE

O abade Geronte de Petra disse: “Muitos daqueles que são tentados pelos caprichos do corpo não pecam com o corpo, mas cometem impurezas com o pensamento. E, mesmo conservando a virgindade do corpo, cometem impureza com sua alma. Portanto, amados meus, fazei como está escrito: “Cada um guarde seu coração com cuidadosa vigilância” (Prov. 4,23).

PAI GREGÓRIO

Gregório disse: “Que a tua obra seja pura pela presença do Senhor e não pela exibição”.

PAI HELÁDIO

 

PAI HILARIÃO

Da Palestina, Pai Hilarião foi à montanha onde estava Pai Antônio. Pai Antônio disse-lhe: “Você é bem-vindo, tocha que acorda o dia”. Pai Hilarião retrucou: “Paz a você, pilar da luz, dando luz ao mundo”.

PAI ISAÍAS

Pai Isaías disse a aqueles que começavam bem, colocando-se sob a direção dos santos Padres: “Como a coloração roxa, a primeira tintura nunca se perde”. E: “Do mesmo modo que galhos jovens são facilmente envergados para trás e curvados, também é com os iniciantes que vivem em submissão”.

Pai Isaías também contou que houve uma ceia e os irmãos estavam comendo na igreja e falando uns com os outros. O padre de Pelúsia os repreendeu com estas palavras: “Irmãos, aquietem-se. Pois vi um irmão comendo com vocês e bebendo tanto quanto vocês e sua oração subia até a presença de Deus como fogo”.

Pai Isaías também disse: “Quando Deus deseja apiedar-se de uma alma e ela se rebela, não suportando nada e fazendo sua própria vontade, Ele então permite que ela sofra o que não quer, de modo que volte a procurá-Lo novamente”.

O abade Isaías disse: “Prefere calar a falar, pois o silêncio entesoura e o falar dispersa”.

PAI IPERÉQUIO

Disse o abade Iperéquio: “Conserva sempre o Reino dos Céus no espírito, e logo o receberás em herança”.

PAI ISIDORO

Pai Isidoro disse: “Quando eu era mais jovem e permanecia em minha cela eu não punha limites à oração; a noite era para mim tempo de oração tanto quanto o dia”.

Pai Isidoro foi um dia ver Pai Teófilo, arcebispo de Alexandria e quando retornou a Scetis, os irmãos perguntaram a ele: “O que há de novo na cidade?” Mas ele lhes disse: “Verdadeiramente irmãos, não vi a face de ninguém, exceto a do arcebispo”. Ouvindo isso ficaram muito ansiosos e disseram: “Houve algum desastre lá então, Pai?” Ele disse: “Não, de modo algum, mas o pensamento de olhar para quem quer que fosse não me atraiu”. A essas palavras eles se encheram de admiração e se fortaleceram em sua intenção de guardarem seus olhos de toda distração.

Pai Isidoro de Pelúsia disse: “Prezem as virtudes e não sejam escravos da glória; pois as primeiras são imortais enquanto que as últimas logo se desvanecem”.

Ele também disse: “As alturas da humildade são grandes e também as profundezas da vanglória; aconselho-os a atenderem à primeira e não caírem na segunda”.

Pai Isidoro, o sacerdote, disse: “Se você jejua regularmente, não se encha de orgulho, mas se você se vangloria por causa disso, então é melhor que coma carne. É melhor para um homem comer carne do que se inflar com orgulho e gloriar-se de si mesmo”.

PAI ISQUIRIÃO

Os santos Padres estavam fazendo previsões sobre as últimas gerações. Eles disseram: “O que fizemos?” Um deles, o grande Pai Isquirião, replicou: “Nós cumprimos os mandamentos de Deus”. Os outros replicaram: “E aqueles que vierem depois de nós, o que farão?” Ele disse: “Eles lutarão para conseguir a metade do que conseguimos”. Então disseram: “E aqueles que virão após estes, o que lhes sucederá?” Ele disse: “Os homens dessa geração não realizarão nenhuma obra e a tentação cairá sobre eles. E aqueles que forem achados dignos, naquele dia, serão maiores até mesmo do que nós e nossos pais”.

PAI JACÓ

O abade Jacó disse [a um irmão]: “Força teu coração a ir ao Senhor”. E o irmão disse: “Como, meu pai?” E respondeu-lhe o ancião: “Como Jesus forçou seus discípulos a entrarem na barca, do mesmo modo força o teu coração a ir ao Senhor”.

PAI JOÃO, O ANÃO

Foi dito de Pai João, o Anão, que ele se retirou para viver no deserto de Scete com um ancião de Tebas. Seu Pai, pegando um pedaço seco de madeira plantou-o e disse a ele: “Mmolhe-o todos os dias com uma garrafa de água, até que dê fruto”. A água ficava muito distante e ele tinha que sair à noite e retornar pela manhã seguinte. Ao final de três anos a madeira reviveu e deu fruto. Então o ancião pegou alguns frutos e levou-os à igreja, dizendo aos irmãos: “Peguem e comam o fruto da obediência”.

Dizia-se de Pai João, o Anão, que um dia ele disse ao seu irmão mais velho: “Gostaria de ser livre de todos os cuidados, como os anjos, que não trabalham, mas prestam culto a Deus incessantemente”. Então, ele retirou seu manto e foi para o deserto. Depois de uma semana ele voltou ao seu irmão. Quando bateu à porta ouviu seu irmão dizer, antes de abrir: “Quem é você?” Ele disse: “Sou João, seu irmão”. Ao que o outro retrucou: “João se tornou um anjo e dessa maneira não mais se encontra entre os homens”. O outro pediu para entrar, dizendo: “Sou eu”. Contudo, seu irmão não o deixou entrar, mas o deixou lá fora, aflito, até de manhã. Então, abrindo a porta, disse-lhe: “Você é um homem e deve novamente trabalhar para poder comer”. Então João se prostrou diante dele, dizendo: “Perdoe-me”.

Um dia, quando ele estava sentado em frente à igreja, os irmãos foram consultá-lo sobre seus pensamentos. Um dos anciãos viu e tornando-se presa do ciúme disse a ele: “João, seu vaso está cheio de veneno”. Pai João respondeu-lhe: “Isto é bem verdade, Pai; e você disse isso vendo apenas o lado de fora, mas se fosse capaz de ver o interior também, o que diria, então?”.

Alguns irmãos vieram um dia para testá-lo, para ver se ele deixaria seus pensamentos se dissiparem e falasse das coisas desse mundo. Disseram-lhe então: “Damos graças a Deus, pois este ano tem chovido muito e as palmeiras puderam beber e suas folhas cresceram e os irmãos encontraram trabalho manual”. Pai João disse-lhes: “Então, é quando o Espírito Santo desce aos corações dos homens, eles se renovam e produzem folhas por temor a Deus”.

Era dito de Pai João, o Anão, que um dia ele estava tecendo corda para duas cestas, mas sem perceber, ele fez apenas uma, até que chegasse ao teto, pois seu espírito estava absorto em contemplação.

Pai João disse: “Sou como um homem sentado debaixo de uma grande árvore, que vê bestas selvagens e serpentes, vindo contra ele em grande número. Quando não pode mais, ele corre e sobe na árvore e se salva. É a mesma coisa comigo; sento-me em minha cela e estou consciente de pensamentos maus vindo contra mim e quando não tenho mais forças contra eles, busco refúgio em Deus pela oração e sou salvo do inimigo”.

Pai Poemen disse de Pai John, o Anão, que ele tinha rezado a Deus para que retirasse para longe dele as paixões, de modo que ele ficasse livre de preocupações. Então ele foi contar ao ancião isto: “Encontro-me em paz, sem nenhum inimigo”. O ancião lhe disse: “Vá, implore a Deus que lhe envie as lutas de modo que você recupere a aflição e humildade que você possuía, pois é pela luta que as almas progridem”. Então, ele implorou a Deus e quando as batalhas vieram ele não mais rezou que elas fossem afastadas, mas disse: “Senhor, dai-me força para a luta”.

Pai João disse: “Pusemos a carga leve de um lado, que é a auto-acusação, e nos carregamos com um grande peso que é a auto-justificação”.

Ele também disse: “Humildade e temor de Deus estão acima de todas as virtudes”.

Pai João deu este conselho: “Vigiar significa sentar-se na cela e estar sempre presente a Deus. Isto é o que significa o dizer: ‘eu vigiava e Deus veio até mim'”.

Um dos Padres disse dele: “Quem é esse João, que pela sua humildade tem toda cidade de Scete pendurada no seu dedo mínimo?”

Pai João, o Anão, disse: “Havia um homem muito espiritual que vivia uma vida reclusa. Ele era muito considerado na cidade e gozava de grande reputação. Disseram-lhe que um ancião, à beira da morte o chamava para abraçá-lo antes de adormecer. Ele pensou consigo: se eu for com a luz do dia, homens acorrerão atrás de mim, dando-me grande honra e não ficarei em paz com tudo isso. Então, irei à noite, na escuridão, e passarei despercebido. Mas vejam só: dois anjos foram enviados por Deus com luzeiros para dar-lhe luz. Então a cidade inteira veio para fora para ver sua glória. Quanto mais ele desejava correr da glória, mais glorificado ele era. Nisso se cumpriu o que está escrito: ‘aquele que se humilha será exaltado'” (Lc 14,11).

Pai João, o Anão, disse: “Uma casa não é construída do topo para baixo. Deve-se começar com a fundação para alcançar o topo”. Eles lhe disseram: “O que isso significa?” Ele respondeu: “A fundação é nosso próximo, a quem devemos ganhar, e este é o lugar para começar. Pois todos os mandamentos de Cristo dependem desse um”.

Pai Poemen disse que Pai João teria dito que os santos são como um grupo de árvores, cada uma produzindo um fruto diferente, mas irrigadas com a mesma fonte. As práticas de um santo diferem das do outro, mas é o mesmo Espírito que trabalha em todos eles.

Pai João disse ao seu irmão: “Mesmo que sejamos completamente desprezados aos olhos dos homens, alegremo-nos, pois somos honrados aos olhos de Deus”.

O ancião [João], disse: “Vocês sabem que o primeiro sopro do demônio sobre Jó, foi através de suas possessões; e aquele viu que não o pôde afligir nem o separar de Deus. Com o segundo sopro, ele tocou sua carne, mas também nisso, o bravo atleta não pecou por palavra alguma que viesse de sua boca. De fato, ele tinha dentro do seu coração aquilo que é de Deus e recorria àquela fonte incessantemente”.

Um ancião veio à cela de Pai João e encontrou-o adormecido com um anjo por detrás dele, abanando-o. Vendo isto ele se retirou. Quando Pai João se levantou, ele disse ao seu discípulo: “Veio alguém enquanto eu estava dormindo?” Ele retrucou: “Sim, um ancião”. Então, Pai João soube que esse ancião era seu igual e que ele tinha visto o anjo.

Disse o abade João: “Esta palavra está escrita no Evangelho: Quando Jesus chamou Lázaro para fora do sepulcro, suas mãos e pés estavam amarrados e seu rosto envolvido num pano; Jesus o desatou e o despediu. Nós, portanto, temos as mãos e os pés amarrados e nosso rosto está coberto com um pano, obra das mãos do inimigo. Se, portanto, escutamos Jesus, ele nos livrará de tudo isso e nos libertará da escravidão de todos esses maus pensamentos. Então seremos filhos do Senhor, receberemos em herança as promessas e seremos filhos do Reino Eterno”.

PAI JOÃO DAS CELAS

Pai João das Celas nos contou esta estória: “Havia no Egito uma bela cortesã, muito rica, a quem muitos nobres e poderosos acorriam. Um dia, estando ela perto de uma igreja desejou entrar. O subdiácono, que estava às portas não o permitiu, dizendo: ‘Você não é digna de entrar na casa de Deus, pois está impura’. O bispo, ouvindo o barulho de sua discussão veio para fora. Então a cortesã lhe disse: ‘Ele não me deixa entrar na igreja’. E o bispo também disse a ela: ‘Você não pode entrar pois você não está pura’. Ela ficou tomada de arrependimento e disse a ele: ‘Então, não mais cometerei fornicação’. O bispo respondeu-lhe: ‘Se você trouxer suas riquezas aqui, acreditarei que você não mais cometerá fornicação’. Ela trouxe toda sua fortuna e o bispo, ateando fogo, queimou-a completamente. Então ela entrou na igreja, chorando e dizendo: ‘Se isto aconteceu comigo aqui embaixo, o que sofreria depois, lá em cima?’ Então se converteu e se tornou um vaso de eleição”.

PAI JOÃO, O PERSA

Conta-se de Pai João, o persa, que quando alguns malfeitores vieram a ele, ele pegou uma bacia e desejou lavar-lhes os pés. Mas eles se encheram de confusão e começaram a fazer penitência.

PAI JOSÉ

Pai Lot foi ver Pai José e lhe disse: “Pai, tanto quanto posso, rezo um pouco meu Ofício, jejuo um pouco, rezo, medito, vivo em paz e tanto quanto posso, purifico meus pensamentos. Que mais posso fazer?” O ancião levantou-se, estendeu suas mãos em direção ao céu. Seus dedos eram como dez lâmpadas de fogo e então disse-lhe: “Por que não tornar-se o próprio fogo, então?”.

PAI LÚCIO

Alguns dos monges que são chamados Euchites, foram a Enaton para ver Pai Lúcio. O ancião perguntou-lhes: “Qual é o seu trabalho manual?” Replicaram: “Não fazemos trabalho manual, pois como o Apóstolo diz, rezamos incessantemente”. O ancião perguntou-lhes se eles comiam e eles responderam que sim. Então ele lhes disse: “Quando vocês estão comendo, quem reza então no seu lugar?” Então perguntou-lhes se eles não dormiam e responderam-lhe que sim. E ele lhes falou: “Quando vocês dormem quem reza no seu lugar?” Eles não conseguiram encontrar nenhuma resposta para dar-lhe. Ele lhes disse: “Perdoem-me, mas vocês não agem como falam. Vou lhes mostrar como, enquanto faço meu trabalho manual rezo sem interrupção. Sento-me com Deus, pondo meu junco de molho e trançando minhas cordas e digo: ‘Deus, tenha compaixão de mim, de acordo com vossa grande bondade e de acordo com vossa infinita misericórdia, livra-me de meus pecados'” Então lhes perguntou se isto não era oração e disseram que sim. Então lhes falou: “Então, quando devo passar o dia todo trabalhando e rezando, ganhando treze moedas de dinheiro, mais ou menos, coloco duas moedas fora da porta e pago minha comida com o resto do dinheiro. Aquele que pega as duas moedas reza para mim quando estou comendo e quando estou dormindo; então, pela graça de Deus, eu cumpro o preceito de orar sem cessar”.

PAI MACÁRIO

Contaram que Pai Macário, o grande, como está escrito, tornou-se um “deus” sobre a face da terra, pois, assim como Deus protege o mundo, assim também Pai Macário cobria as faltas que ele via, como se não as visse; e aquelas que ouvia, como se não as ouvisse.

O mesmo Pai Macário, quando no Egito, descobriu um homem que possuía uma besta de carga ocupada em saquear as provisões de Macário. Então ele foi ao ladrão como se fosse um estrangeiro e o ajudou a carregar o animal. Despediu-o com grande paz na alma, dizendo: “Não trouxemos nada para este mundo, e não podemos levar nada para fora dele” (1Tim, 6,7). “O Senhor deu e o Senhor tirou; louvado seja o nome do Senhor” (Jó, 1,21).

Perguntaram a Pai Macário: “Como devemos rezar?” O ancião disse: “Não é necessário fazer grandes discursos; é suficiente erguer as mãos e dizer: ‘Senhor, como desejas e como conheces, tenha piedade’. E se o conflito crescer, digam: ‘Senhor, ajuda!’ Ele sabe muito bem o que precisamos e Ele nos mostra sua misericórdia”.

Dizia o abade Macário: “Essas três coisas são capitais e é bom tê-las presente sem descanso: em todo momento devemos nos recordar da morte, morrer para todo homem e o pensamento deve estar constantemente unido a Nosso Senhor. De fato, se a todo momento não se tem presente a própria morte não se será capaz de morrer para todo homem; e se não se é capaz de morrer para todo homem, não se será capaz de estar constantemente diante de Deus”.

Dizia ainda o abade Macário: “Luta por todas as mortes. Pela morte do corpo, isso significa que, se não tens a morte do espírito, luta pela morte do corpo. E então a morte do espírito te será dada como lucro. E aquela morte te fará morrer para todo homem e, em seguida, poderás adquirir a capacidade de estar constantemente vivente com Deus no silêncio”.

Disse o abade João, discípulo do abade Giacomo: “Meu irmão Macário me disse enquanto morria: ‘Duas coisas que fiz neste mundo me atormentam: comprei uma esteira para um irmão e exigi-lhe energicamente o pagamento e, tecendo, fiz dois pares de lenços com uma medida um pouco inferior, porque me faltava um pouco de fio'”.

PAI MATOES

Um irmão foi ao Pai Matoes e lhe disse: “Como se explica que os monges de Scete fazem mais do que as Escrituras pedem, amando seus inimigos mais do que a si mesmos?” Pai Matoes respondeu-lhes: “Eu por mim, ainda não consegui amar aqueles que me amam, como eu me amo a mim mesmo”.

PAI MIOS

Dizia o abade Mios: “Obediência traz obediência. Se alguém obedece a Deus, Deus lhe obedece”.

PAI MOISÉS

Um dia Pai Moisés disse ao irmão Zacarias: “Diga-me o que devo fazer?” A estas palavras o último jogou-se no chão aos pés do ancião e disse: “Você está me perguntando, Pai?” O velho homem disse a ele: “Creia-me, Zacarias, meu filho: eu vi o Espírito Santo descer sobre você e desde então sinto-me inclinado a lhe perguntar”. Então Zacharias arrancou o gorro de sua cabeça, jogou-o ao chão e pisoteou-o, dizendo: “O homem que não se deixa tratar assim não pode se tornar um monge”.

O abade Moisés afirmou: “É inútil tudo o que um homem pode pensar a respeito do que existe debaixo do céu. Somente quem persevera na recordação de Jesus está na verdade”.

Num dia em que os irmãos estavam reunidos em Scete, alguns anciãos quiseram provar o abade Moisés. Com ar de desprezo perguntaram-lhe: “Por que esta espécie de etíope vem morar no meio de nós?”. O pai calou-se, ouvindo estas palavras. Retornando à assembléia, aqueles que o tinham injuriado perguntaram: “Não estás perturbado?”. Ele respondeu: “Estou, mas não falo nada”.

PAI MÔNIO

“Se um homem realmente quisesse, um dia apenas, do amanhecer ao anoitecer, lhe seria suficiente para alcançar a medida da divindade”, dizia o abade Monio.

PAI OLÍMPIO

O abade Olímpio, de Scete, era escravo. A cada ano descia a Alexandria para levar seu ganho aos patrões. Esses vinham ao seu encontro para saudá-lo, mas o ancião colocava água numa pequena bacia e a apresentava para lavar-lhes os pés. “Não, Pai, não te incomodes!”, diziam seus patrões. “Eu sei que sou vosso escravo”, respondia, “e vos agradeço por me deixarem livre para servir a Deus. Em troca, lavarei vossos pés e recebereis aquilo que lucrei”. Os outros insistiam e, como não queriam ceder, Olímpio disse-lhes: “Crede-me: se não quereis receber o meu dinheiro, fico aqui para servir-vos”. Deste modo os patrões, cheios de deferência, deixaram-no fazer o que queria; e, à sua partida, acompanhavam-no com honra e davam-lhe o necessário para que em seu lugar distribuísse esmolas. Tudo isso o tornou célebre em Scete.

PAI PACÔMIO

O anjo, quando deu as regras do monasticismo a São Pacômio, disse-lhe: “… Ele declarou que no curso do dia, eles devem fazer doze orações , e ao acender as lâmpadas, doze, e nas vigílias noturnas, doze, e pela nona hora, três. Quando forem comer, ele decretou que um salmo seja cantado antes de cada prece”. E Pacômio objetou ao anjo que as orações eram muito poucas…

PAI PAMBO

O verdadeiro Pai Teófilo, o arcebispo, veio um dia a Scete. Os irmãos que estavam reunidos disseram a Pai Pambo: “Fale algo ao arcebispo, de modo que ele fique edificado” O ancião disse a eles: “Se ele não estiver edificado pelo meu silêncio, não ficará edificado pela minha fala”.

PAI PASTOR

Os sacerdotes da região visitaram as celas dos monges das redondezas. Num deles habitava Pastor. O abade Anub se apresentou e disse: “Convidamos esses sacerdotes para hoje aceitarem, aqui, os dons de Deus, preparando um ágape”. Pastor, que estava em pé, assim permaneceu por longo tempo, sem responder. O abade Anub retirou-se, entristecido. Aqueles que estavam sentados ao lado dele, perguntaram-lhe porque não tinha respondido. “Isso não me pertence”, respondeu-lhes, “porque já estou morto; um morto não fala. Por isso, não me considerai como se estivesse no meio de vós”.

O abade Pastor dizia: “Quaisquer que sejam teus sofrimentos, a vitória sobre eles está no silêncio”.

Um irmão disse ao abade Pastor: “Segundo teu parecer, se vejo alguma coisa posso comentá-la?”. Respondeu o ancião: “Quem responde antes de ouvir, comete uma bobagem e cai na confusão. Portanto, fala se te perguntam; de outro modo, cala”.

O abade Pastor disse: “O homem deve incessantemente respirar a humildade e o temor de Deus do mesmo modo que inala e expele o ar através das narinas”.

Disse o abade Pastor: “Prostrar-se diante de Deus, não dar-se nenhuma importância, jogar fora a própria vontade: eis os instrumentos com os quais a alma pode trabalhar”.

Disse o abade Pastor: “Não dês importância a ti mesmo, mas permanece ligado a quem se comporta bem”.

Disse o abade Pastor: “Um irmão perguntou ao abade Alônio o que significava desprezar-se a si mesmo. Respondeu o ancião: ‘Consiste em rebaixar-se abaixo dos animais e saber que eles não serão condenados'”.

Disse o abade Pastor: “A humildade é a terra que o Senhor requisitou para realizar o sacrifício”.

Também o abade José interrogou o abade Pastor a respeito de pensamentos impuros. Respondeu-lhe o abade Pastor: “Se prendemos uma serpente ou um escorpião num vaso e depois o tapamos, após certo tempo serão sufocados. A mesma coisa acontece com os maus pensamentos que o demônio faz germinar em nós: pouco a pouco serão sufocados pela paciência de quem os teve”.

Um irmão visitou o abade Pastor e lhe disse: “Vêm-me muitos pensamentos e me põem em perigo”. Então o ancião levou-o a céu aberto e lhe disse: “Estende teu hábito e dentro dele prende o vento!” O irmão respondeu: “Não posso fazer isso!”. “Portanto”, respondeu o ancião, “se não podes fazer isso, muito menos podes impedir o surgimento desses pensamentos; mas, o que podes fazer é resistir-lhes”.

Quando o abade Pastor se preparava para ir ao Ofício, primeiro se sentava, à parte, por uma meia hora, para desvencilhar-se dos pensamentos. Depois saía.

O abade Amon interrogou o abade Pastor a respeito de pensamentos impuros e vãos desejos do coração humano. Respondeu o abade: “Um machado pode gloriar-se de alguma coisa sem aquele que o usa para cortar? Pois bem: não cultives esses pensamentos e ficarão sem efeito em ti”.

PAI POEMEN

Um irmão perguntou ao Pai Poemen desta maneira: “Meus pensamentos me atormentam, fazendo com que eu deixe de lado meus pecados e me preocupe com as faltas de meus irmãos”. O ancião contou-lhe a seguinte estória sobre Pai Dióscoro (o monge): “Na sua cela ele chorava por si mesmo, enquanto seu discípulo se sentava em outra cela. Quando este último veio ver o ancião perguntou-lhe: ‘Pai, por que choras?’ ‘Estou chorando pelos meus pecados’, respondeu-lhe o velho homem. Ao que o discípulo disse: ‘Você não tem nenhum pecado, Pai’. O ancião replicou: ‘É verdade, meu filho, se eu pudesse ver meus pecados, três ou quatro homens não seriam suficientes para chorar por eles'”.

Pai Poemen disse de Pai Nestério que ele era como a serpente de bronze que Moisés fez para curar o povo; ele possuía toda virtude e sem falar, curava a todos.

Pai Poemen disse: “O início do mal é não ouvir.”

Um irmão perguntou ao abade Poemen se era melhor viver sozinho ou com o próximo. O velho respondeu: “Aquele que lamenta sempre e somente a si mesmo, pode viver em qualquer lugar. Mas, se se glorifica, então não se dará bem em lugar algum”.

Disse o abade Poemen: “A alma não alcança a humildade em nada se tu não lhe racionares o pão, isto é, se tu não a reduzires a alimentar-se apenas do necessário”.

PAI SILVANO

Dizia-se de Pai Silvanus que em Scetis ele tinha um discípulo chamado Marcos, cuja obediência era grande. Ele era um escriba. O ancião o amava por causa de sua obediência. Ele tinha outros onze discípulos que ficaram magoados porque ele o amava mais que a eles. Quando ficaram sabendo disso, os mais velhos ficaram sentidos e um dia vieram reprovar-lhe sobre isso. Tomando-os consigo, ele foi bater em cada cela, dizendo: “Irmão fulano, venha aqui; preciso de você”, mas nenhum deles veio imediatamente. Chegando à cela de Marcos, ele bateu e disse: “Marcos”. Ouvindo a voz do ancião, ele pulou imediatamente e o ancião o mandou ir servir e então disse: “Pai, onde estão os outros irmãos?” Então eles foram à cela de Marcos e pegaram seu livro e notaram que ele tinha começado a escrever a letra “Omega” (“w”) mas quando ele ouviu o ancião, ele não terminou de escrever. Então os anciãos disseram: “Verdadeiramente, Pai, aquele que você ama, nós amamos também e Deus também o ama”.

PAI SISOÉ

Um irmão interrogou o abade Sisoé: “Vejo, examinando-me, que a recordação de Deus nunca me abandona”. Disse-lhe o ancião: “Não é grande coisa que a tua alma esteja com Deus. Seria grande se tu tomasses consciência de que és inferior a todas as criaturas. Este pensamento, unido ao trabalho físico: eis o que corrige e conduz à humildade”.

Disse o abade Sisoé: “Quem trabalha e pensa que fez alguma coisa, recebe aqui sua recompensa”.

Dizia o abade Sisoé: “Corrige as inclinações de teu corpo e nada será exigido de teu coração”.

Um irmão disse ao abade Sisoé: “Por que as minhas paixões não vão embora?”. “Os instrumentos das paixões estão contigo”, respondeu-lhe, “mas se lhes pagares a fiança, irão embora”.

PAI TEODORO

Pai Teodoro disse: “Se você é amigo de alguém que cai na tentação da fornicação, ofereça-lhe sua mão, se puder e tire-o disso. Mas se ele cair na heresia e você não puder persuadi-lo de sair dela, saia de sua companhia rapidamente, para evitar que no caso de você demorar, você também seja jogado nesse poço”.

Um irmão veio procurar Pai Teodoro e começou a conversar com ele sobre coisas que nunca tinha posto em prática. Então o ancião lhe disse: “Você ainda não encontrou um navio nem colocou sua carga a bordo e antes mesmo de ter navegado, já regressou à cidade. Faça seu trabalho primeiro, depois atinja a velocidade que você está fazendo agora”.

Pai Teodoro de Ferme disse: “O homem que permanece de pé quando se arrepende, não guardou o mandamento”.

Um irmão disse a Pai Teodoro: “Desejo cumprir os mandamentos”. O velho homem contou-lhe o que Pai Teonas lhe tinha dito: “‘Eu quero encher meu espírito de Deus’. Pegando farinha da padaria fez pães que deu aos pobres que lhe pediram; outros lhe pediram mais e ele lhes deu as cestas, em seguida o manto que usava e então, retornou à sua cela com seu dorso cingido por uma capa. Depois ele voltou ao trabalho dizendo a si mesmo, que ainda não tinha cumprido o mandamento de Deus”.

Foi dito de Pai Teodoro, que ele foi feito diácono de Scete e recusou exercer o cargo, tendo fugido para muitos lugares por isso. A cada vez, os anciãos o traziam de volta, dizendo: “Não deixe seu diaconato”. Pai Teodoro disse-lhes: “Deixem-me rezar a Deus de modo que Ele me diga, com certeza, se eu devo tomar parte na liturgia”. Então rezou a Deus desse modo: “Se é Tua vontade que eu aceite essa posição, dá-me a certeza disso”. Então lhe apareceu uma coluna de fogo, que ia da terra ao céu e uma voz lhe disse: “Se você puder se tornar como essa coluna, então seja um diácono”. Ao ouvir isso ele decidiu nunca aceitar o encargo. Quando voltou à igreja os irmãos se inclinaram diante dele, dizendo: “Se você não quer ser um diácono, pelo menos segure o cálice”. Mas ele recusou, dizendo: “Se vocês não me deixarem sozinho, deixarei este lugar”. Então o deixaram em paz.

Pai Teodoro de Scetis disse: “Um pensamento me perturba, não me deixa livre; embora não seja capaz de levar-me a agir, ele simplesmente me impede de progredir na virtude; mas um homem vigilante o lançaria fora e se levantaria para rezar”.

Pai Teodoro dizia: “A privação de alimento mortifica o corpo do monge”. Outro Pai completou: “As vigílias mortificam ainda mais”.

Certa vez, o abade Teodoro comia com os irmãos. Erguiam os copos com respeito e sem dizer nada, nem mesmo o costumeiro “Perdoai-me”. Então o abade Teodoro disse: “Os monges perderam seu título de nobreza: a palavra ‘Perdoai-me'”.

PAI TIAGO

Pai Tiago disse: “Tal como uma lâmpada ilumina um quarto escuro, o temor de Deus quando penetra o coração de um homem, o ilumina, ensinando-lhe todas as virtudes e mandamentos de Deus”.

E acrescentou: “Não precisamos apenas de palavras, pois no momento presente existem muitas palavras entre os homens, mas precisamos de atos, pois isto é o necessário e não apenas palavras que não produzem fruto”.

PAI XANTHIAS

Pai Xanthias disse: “O ladrão estava na cruz e ele foi justificado por uma simples palavra; e Judas que era contado no número dos apóstolos perdeu todo seu labor em apenas uma noite e desceu do céu para o inferno. Então, que ninguém se gabe por seus atos bons, pois todos aqueles que confiam em si mesmos, caem”.

PAI ZENO

Um irmão egípcio veio ao Pai Zeno, na Síria, e se acusou diante do ancião sobre suas tentações. Cheio de admiração Zeno disse: “Os egípcios escondem as virtudes que possuem e acusam-se sem cessar de faltas que eles não tem, enquanto que os sírios e gregos fingem ter virtudes que não possuem e escondem as faltas das quais são culpados”.

Numa vila, dizia-se que havia um homem que jejuava tanto que era chamado de “o jejuador”. Pai Zeno ouviu falar dele e mandou chamá-lo. Ele veio alegremente. Rezaram e se sentaram. O ancião começou a trabalhar em silêncio. Não conseguindo falar com Pai Zeno, o jejuador começou a se aborrecer. Então ele disse a Pai Zeno: “Reze por mim, Pai, porque desejo ir”. O ancião perguntou: “Por que?” O outro retrucou: “Porque meu coração está como se estivesse em fogo e eu não sei o que pode ser isso. Pois em verdade, quando eu estava na vila e jejuava até a noite, nada disso me acontecia”. O velho homem lhe disse: “Na vila você alimentava-se através de seus ouvidos. Mas vá embora e de agora em diante coma pela nona hora e o que quer que faças, faça-o em segredo”. Tão logo ele começou a seguir o conselho, o jejuador achou difícil esperar até a nona hora. E aqueles que o conheceram diziam: “O jejuador está possuído pelo diabo”. Então ele foi contar isso ao ancião que disse a ele: “Este caminho está de acordo com Deus”.

Pai Zeno disse: “Se um homem deseja ser ouvido por Deus rapidamente, antes de rezar por qualquer coisa, mesmo por sua própria alma, quando se elevar e estender suas mãos em direção a Deus, deve rezar de todo coração por seus inimigos. Através dessa ação Deus atenderá qualquer coisa que ele pedir.”

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