Basicamente, diabos são anjos e têm as mesmas faculdades preternaturais que os anjos de Deus. Eles, assim, têm a chamada “inteligência angélica”, sendo capazes de perceber, de *saber* diretamente, sem necessidade de sentidos (que não têm).
Assim, um anjo ou um demônio *sabe* o que cada um é, em ato e em potência, em cada instante, e conhece e age sobre as ditas leis da natureza. Isto faz com que eles possam operar prodígios, mas não milagres. Um anjo pode fazer com que algo que teria pequena chance de ocorrer ocorra (o que fazem os demônios em “cirurgias espíritas”, por exemplo, quando o endemoniado corta fora um tumor com
uma tesoura suja e não há infecção nem hemorragia), mas não pode fazer acontecer algo que não poderia acontecer (por isso não é possível, por exemplo, curar cirrose hepática ou fazer crescer um órgão perdido com tratamento espírita).
Assim, o anjo da guarda pode evitar que a peça desgastada do carro quebre quando o estamos dirigindo rapidamente, por exemplo, e um demônio pode fazer com que ela quebre; nenhum dos dois pode fazer com que ela se remende sozinha, contudo.
No caso do conhecimento angélico de nossos pensamentos, ele ocorre de forma direta; não importa muito se fazemos cara disso ou daquilo, pois anjos, caídos ou não, não vêem como nós (nós só conhecemos as coisas indiretamente, através do influxo dos sentidos; a luz refletida pelo objeto é percebida pelo olho, transmitida para o cérebro, interpretada inconscientemente, comparada com o que já conhecemos, e só aí chegamos a reconhecer um objeto. Um anjo conhece o objeto diretamente, já sabendo o que ele é, foi e pode vir a ser). Não há hipocrisia
possível diante de um anjo, pois o que ele “vê”, ou melhor, o que ele conhece e sabe, é quem aquela pessoa *é*, em ato e em potência.
Deste modo, um anjo pode sim saber aquilo que escondemos até de nós mesmos; se aquilo existe, o anjo sabe. O modo como ele sabe, porém, é radicalmente diferente do nosso modo de conhecer. Não há “imagens”, não é nada como nossas memórias (temporalmente orientadas, constando principalmente de recapitulações de estímulos sensoriais, etc.). Deste modo, é possível que ele saiba algo que não saibamos (o que um demônio pode usar para nos tentar) e que nós saibamos algo que ele não saiba – por exemplo, a memória de um pecado mortal confessado, que está fora do conhecimento de um demônio mas dentro do nosso; se um pecado é confessado (não apenas perdoado, mas confessado; se honestamente esquecermos de confessar aquele pecado ele é perdoado quando recebemos a absolvição dos que confessarmos, mas ele não foi confessado) o demônio não mais é capaz de percebê-lo, mas nós ainda temos a memória dele.
Um anjo, assim, pode perceber tanto aquilo que escondemos quanto o processo que usamos para esconder, e mesmo os falsos raciocínios que usamos para nos convencer de que o que fizemos não é tão mau assim. Tudo o que somos é percebido por um anjo instantaneamente, sem um antes e um depois na percepção, sem mediação sensorial. Ele, contudo, não exatamente “perscruta os nossos corações”;
ele apenas sabe o que somos. Assim, por exemplo, um demônio percebe a sede de infinito que nós temos, mas é forçado a apelar para a tentativa-e-erro na hora de inventar falsas “águas” para aplacar momentaneamente esta sede e nos afastar da Água Viva. Em alguns casos ele consegue acertar a medida, oferecendo
riquezas, prazeres, etc. Em outros a coisa fica mais difícil, e ele se vê forçado a apelar para coisas mais sutis: o orgulho de não pecar, por exemplo…
Ele não sabe, contudo, algo que qualquer ser humano mais perceptivo que convivesse com a vítima saberia: ela é tentada por isso ou aquilo, ela procura saciar sua sede de Ser nisto ou naquilo.
Deus, contudo, sabe não apenas o que o anjo sabe, o que uma pessoa perceptiva perceba e o que a própria pessoa examinada sabe: Ele realmente perscruta os corações, percebendo não apenas o que ele é (como os anjos), o que ele exibe (como os homens) e o que ele quer (como a própria pessoa): Deus sabe do que ela precisa, Deus percebe e conhece precisamente não apenas o que a pessoa é, mas também o que ela não é e o que ela deveria ser. O conhecimento de Deus é total e completo; nada em nós Lhe é desconhecido. Lembremo-nos que só existimos por participação no Ser de Deus, e não é possível haver existência, ato ou potência
sem conhecimento perfeito por parte de Deus.