Como provar que os anjos caídos não podem se arrepender?

O autor do texto citado no assunto disse: “Uma característica singular dos seres espirituais angelicais, é que estes foram dotados de uma inteligência muito mais aperfeiçoada do que a da espécie humana. Sendo assim, quando esses “anjos maus” soltaram o terrível grito “Não Servirei!”, o fizeram com uma clareza tal que podiam muito bem avaliar os efeitos desta decisão e suas consequências totais, diferentemente da espécie humana.”

Pergunto: baseado em que ele afirma tal coisa? Se Deus criou seres mais inteligentes do que outros, onde a justiça?  Qual a prova de que os anjos maus não podem se arrepender nunca? Como pode o que é perfeito se tornar imperfeito? Ou é perfeito ou não é!

Sendo Deus onisciente e onipotente e totalmente justo e bom, como poderia o criador criar seres que, futuramente, iria se rebelar e ser uma potência contra Ele, arrebanhando as ovelhas de seu aprisco e arrastando-as para o inferno? Se Deus, sabendo disso, cria mesmo assim esses seres Ele não é totalmente bom. Por outro lado, se DEus cria os espíritos simples e ignorantes e esses escolhem o mal é melhor compreensível. Mas mesmo os maus um dia se arrependerão e evoluirão. Se existe penas eternas não existe progresso. Qual o propósito de se manter seres sofrendo eternamente? Se nem os nossos tribunais, que são imperfeitos, fazem isso com os seus presos como imaginar Deus, que é soberanamente justo e bom, fazendo tal coisa? Com que finalidade?

Um abraço a todos.

Olá caríssimo Marlus, a Paz de Cristo! Agradecemos o vosso contato ao nosso humilde apostolado, servo da Igreja e das almas, e pedimos desculpas pelo atraso em vossa resposta. Infelizmente somos poucos e com limitado tempo para nos dedicarmos a esta obra, pois não passamos de gente simples, com encargos e obrigações profissionais e familiares.

Quanto a vossa indagação. Deus criou cada ser vivente dotado de uma dignidade específica, sem no entanto denegrir a nenhuma delas em sua diversidade criadora, de modo que não há injustiça alguma nos desígnios de Deus e no ordenamento da criação. Se os anjos são também nossos protetores e padrinhos espirituais, é bom e sábio que sejam melhores do que nós. Quem deseja um protetor mais fraco e incapaz do que a sí próprio?

Sabemos que os anjos são seres puramente espirituais e por não estarem sob o jugo do pecado e dos sentidos corporais possuem evidentemente uma clareza e uma ciência muito maior do que a do homem. Mas mesmo originariamente, quer dizer, quando o homem não havia ainda pecado (se rebelado), sabemos também pelas Escrituras que Deus fez o homem numa natureza inferior ao dos anjos: “Criastes o homem pouco inferior ao anjos” (Sl 8, 6). Pela narração de Daniel, no capítulo 10, versículos de 9 a 12, vemos que sua glória e sua perfeição superam todas as criaturas visíveis e invisíveis.

Os anjos sendo substâncias puramente simples, são como que formas que não são limitadas e determinadas por qualquer matéria, mas possuem, pela sua única natureza específica, todas as suas determinações substanciais” (São Tomás de Aquino, De Unitate Intelectus). São Tomás ensina mais sobre a natureza desses seres: “O intelecto angélico é um verdadeiro quadro pintado ou melhor ainda, um espelho vivo que o anjo precisa apenas contemplar para conhecer as coisas naturais deste mundo” (De Veritate, questão 8, e 9); e ainda na questão LXI da Suma Teológica:

1 – Os anjos não são a causa da sua própria existência; foram criados (Art.1);

2 – O anjo não foi criado desde toda a eternidade (Art. 2);

3 – Os anjos foram criados simultaneamente com a natureza corpórea (Art. 3).

Os anjos fazem parte da Criação como um todo, não constituindo um universo à parte, mas concorrendo conjuntamente com a natureza corpórea para a constituição do próprio universo criado. De fato, a ordem das coisas entre si visa a Glória de Deus, e, secundariamente o bem e a perfeição relativa do Universo. Ora, nenhuma parte é perfeita separada do todo. Logo, não é provável que Deus, cujas obras são perfeitas, como diz a Escritura, tivesse criado a criatura angélica separadamente, antes das outras criaturas.” (Art. 3).

Não há nenhum paradoxo entre os anjos terem sido criados com perfeição e terem posteriormente se corrompidos, pois dentro da própria perfeição está presente o componente da liberdade e do amor. Ora, Deus não criou nem os anjos e nem os homens sem que estes pudessem fazer um ato livre de amor e submissão ao seu Criador. Deus não criou seres programados para O amar privados de liberdade própria, não criou robôs. A existência do mal não significa que Deus criou o mal, mas que a liberdade que Deus dotou as suas criaturas, como componente da perfeição, escolheu corromper o bem presente em sí mesmo. Veja o que diz o famoso escritor inglês C.S. Lewis, contemporânero e amigo de J.R.R. Tolkien:

Para ser mau, o Poder mau precisa existir e ter inteligência e vontade. Mas a existência, a inteligência e a vontade são coisas boas em sí mesmas. Portanto, tem que recebê-las do Poder Bom; até para ser mau, tem que tomar emprestadas ou roubar essas coisas ao seu adversário. Será que começamos agora a compreender por que o cristianismo sempre afirmou que o demônio não passa de um anjo caído? Não é nenhuma história para crianças: é um reconhecimento objetivo de que o mal sempre é parasitário, nunca original” (Mero Cristianismo, Ed. Quadrante, pg. 55).

É verdade que Deus na sua onisciência sempre soube que algumas de suas criaturas iriam escolher a sí mesmas, mas Ele mesmo não provocou tais rebeliões. Deus previu, mas não provocou. E isso não faz de Deus mal ou injusto de forma alguma, pelo contrário, incrementa ainda mais seu amor, sua bondade e sua justiça para aqueles que já sabia que iriam usar da liberdade corretamente e lhes deu a chance mesmo assim.

É preciso entender também que para os seres espirituais não existe tempo, e qualquer decisão fora do espaço/tempo é eterna, não há volta. Como disse São João Damasceno: “Não existe arrependimento para eles depois da queda, como não existe arrependimento para os homens após a morte” (Patrol. Grega, 94,877C). Deus não deu ao homem a chance da conversão porque o criou ignorante, mas porque o criou dentro do espaço/tempo, e portanto confere ao homem infinitas chances de optar pela verdade e pelo bem até o término de sua vida terrena, por amor. Mas depois não há volta. O Catecismo da Igreja é claro: “É o caráter irrevogável da sua opção, e não uma deficiência da infinita misericórdia divina, que faz com que o pecado dos anjos não possa ser perdoado” (§ 393).

Sabemos também que tal decisão contrária a Deus por parte dos anjos caídos é eterna e irrevogável porque primeiro tais anjos não desejam voltar atrás em suas decisões; Deus não os perdoa porque estes querem permanecer no pecado, não querem perdão como bem ensinou João Paulo II:

“4. A Igreja, no Concílio Lateranense IV (1215), ensina que o diabo, ou (satanás) e os outros demônios “foram criados bons por DEUS, mas tornaram-se maus por sua própria vontade”. De fato, lemos na carta de São Judas: “Os anjos que não souberam conservar a sua dignidade, mas abandonaram a própria morada, Ele os guardou para o julgamento do grande dia, em prisões eternas e no fundo das trevas” (Jd 6). De modo idêntico na Segunda Carta de São Pedro fala-se de “anjos que pecaram e que Deus “não poupou… e os precipitou nos abismos tenebrosos do inferno, para serem reservados para o Juízo” (2Pd 2,4). É claro que se Deus “não perdoa” o pecado dos anjos fá-lo porque eles permanecem no seu pecado, porque estão eternamente “nas prisões” daquela escolha que fizeram no início, rejeitando Deus, sendo contra a verdade do Bem supremo e definitivo que é Deus mesmo. Neste sentido São João escreve que “o demônio peca desde o principio” (I Jo 3,8). E foi assassino “desde o principio” (I Jo 8,44), e “não se manteve na verdade, porque nele não há verdade” (Jo 8,44).

5. Estes textos ajudam-nos a compreender a natureza e a dimensão do pecado de satanás, consciente na rejeição da verdade acerca de Deus, conhecido à luz da inteligência e da revelação como Bem infinito, Amor e Santidade subsistente. O pecado foi tanto maior quanto maior era a perfeição espiritual e a perspicácia cognoscitiva do intelecto angélico, quanto maior era a sua liberdade e a proximidade de Deus. Rejeitando a verdade conhecida acerca de Deus com um ato da própria vontade livre, satanás torna-se “mentiroso”, cósmico e “pai da mentira” (Jo 8,44). Por isso ele vive na radical e irreversível negação de Deus e procura impor a criação aos outros seres criados à imagem de Deus, que satanás (sob forma de serpente) tenta transmitir aos primeiros representantes do gênero humano: Deus seria cioso das suas prerrogativas e imporia, portanto, limitações ao homem (cf. Gn 3,5). Satanás convida o homem a libertar-se da imposição deste jugo, tornando-se como “Deus”.” (Catequeses de João Paulo II Sobre os Anjos).

Vale enfatizar que as penas eternas não são uma criação de Deus que castiga aqueles que o rejeitaram, mas são simplesmente a ausência d”Ele mesmo, a ausência da verdade, da bondade, da felicidade e de todas as virtudes. O inferno é a ausência completa de Deus, ou a presença total do mal, do vício, da dor e do sofrimento, como o frio é a ausência do calor, da luz.

Ainda alguns pontos importantes sobre os anjos, segundo São Tomás de Aquino na questão LXII da sua Suma Teológica:

2 – “Os anjos necessitaram da Graça para se “converterem” a Deus (e possuírem definitivamente a Deus) (Art. II).

3 – “Para alcançarem a Glória, os anjos necessitaram da Graça.” (Art. III)

4 – “O anjo, antes de ser bem-aventurado, isto é, antes de alcançar a Glória, a visão de Deus, possuiu a Graça, em virtude da qual, veio a possuir a bem-aventurança.” (Art. IV)

5 – “O anjo, tão logo realizou o primeiro ato de caridade (amor a Deus), mereceu a bem-aventurança e tornou-se imediatamente bem-aventurado”. (Art. V)

6 – “É razoável supor-se que os anjos receberam os dons da Graça e a perfeição da bem-aventurança, de acordo com o grau de sua perfeição natural”. (Art.VI )

7 -“Nos anjos bem-aventurados, permanece o conhecimento e o amor natural. (Art. VII)

8 – “Os anjos bem-aventurados não podem pecar” (Art. VIII)

9 – “Os anjos bem-aventurados não podem aumentar o merecimento nem progredir, quando já na bem-aventurança.” (Art.IX)

Gostaríamos de indicar ainda o ótimo livro do Prof. Felipe Aquino, “Os Anjos” (2a. edição, 2002, Editora Cleofas, www.cleofas.com.br) e uma excelente catequese do saudoso João Paulo II sobre essas questões pelo sr. levantadas no caso de outras eventuais dúvidas sobre o tema. Agradecemos ao leitor Luis Felipe de Medeiros Carvalho pela indicação da referência: http://www.paroquiadesantana.com.br/catdou.html

Gratos pela atenção, esperamos ter ajudado a sanar vossas dúvidas.

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