10 perguntas sobre a imortalidade da alma

Um leitor católico nos enviou, há alguns dias, uma lista de dez perguntas elaboradas por um adventista e a submeteu à nossa apreciação. Esta lista visa provar a inexistência de uma alma imortal no homem, doutrina seguida pelos adventistas e por alguns outros grupos. Abaixo, em azul, seguem nossas considerações.

Caro Luiz,

Ao ler as dez perguntas de teu amigo protestante sobre a imortalidade da alma, lembrei-me de um episódio que, julgo, é conveniente que eu exponha.

Um dia (quando eu ainda tinha paciência para isto) eu assistia um programa protestante na televisão, capitaneado pela Sra. Valnice Milhomens (razoavelmente conhecida). Ela afirmava (sabe-se lá com que embasamento) que, no paraíso, Deus visitava Adão durante a "viração do dia", isto é, no exato momento em que terminava o dia antigo e começava o novo. É por isto que (sempre segundo ela) o homem, ao pôr-do-sol, sente uma nostalgia, resultante da saudade que sentimos das visitas do Criador.

Seguindo nesta linha de raciocínio, ela afirmou, categoricamente, que Jesus Cristo ressuscitou, igualmente na "viração" do dia. A idéia aceita pela maioria de que a ressurreição ocorreu de madrugada, segundo ela, é fruto de uma interpretação "romanística" da Bíblia. Este erro foi criado pela Igreja Católica (claro, por quem mais seria?), que, sempre segundo a Sra. Milhomens, "gosta de trevas".

A idéia subjacente a este discurso é a seguinte: o demônio, por meio de Roma, deturpou a verdadeira mensagem bíblica (no caso: Jesus ressuscitou durante a viração do dia) e a substituiu por um erro (no caso: Jesus ressuscitou de madrugada); a imensa maioria dos protestantes aceitou este engodo, mas a "unção" do Espírito Santo é tão potente na Sra. Milhomens que o demônio não conseguiu enganá-la.

E, no entanto, diz o Evangelho de São Marcos: "tendo Jesus ressuscitado de madrugada no primeiro dia da semana, apareceu primeiramente à Maria Madalena (…)." (Mc 16, 9)

Simples. Direto. Devastador. Basta este pequeno versículo para derrubar a tese da pastora. E, no entanto, ela seguirá dizendo que Jesus ressuscitou na "viração" do dia, e que tudo o mais é engodo vindo de Roma.

Por que razão eu narrei este episódio? Porque ele ilustra, muito bem, o que ocorre na imensa maioria das teses absurdas defendidas por protestantes de todos os naipes. Um belo dia, um "ungido" descobre uma doutrina absurda (no teu caso, a de que a alma imortal não existe), afirma que Roma inventou doutrinas antibíblicas e que mesmo os demais protestantes estão se deixando levar pelo erro. Menos o ungido em questão, é claro.

E, no entanto, quase sempre (e no teu caso não foi diferente) esta doutrina é desmentida por textos bíblicos diretos, simples e devastadores, como eu mostrarei. Segue abaixo uma lista de evidências absolutamente contundentes, e pinçadas diretamente da bíblia mutilada dos protestantes. Como um bom católico, você sabe que os deuterocanônicos são muito claros acerca deste ponto. Isto, por si só, já deve ser o suficiente para te convencer.

1. A evidência negativa.

Caro Luiz, releia atentamente as perguntas enviadas por teu amigo adventista. Perceba que ele, em nenhum momento, citou qualquer versículo bíblico que, diretamente, afirme a inexistência de uma alma imortal. Não há um sequer. Tudo o que ele consegue, num evidente esforço à mingüa de um versículo mais claro, é citar versículos que falem de sono do mortos, de uma suposta inconsciência de quem já se foi, da esperança na ressurreição, etc.. Tais versículos somente sustentam a doutrina adventista quando são lidos de forma enviesada.

Portanto, meu caro amigo, o fato inconcusso (e difícil de ser engolido pelos adventistas) é que não há um versículo que, claramente, afirme algo do tipo: "lembrai-vos de que não existe uma alma imortal". Para um adepto do sola scriptura, tal é um desempenho pífio. E, para um adepto do livre exame, tal gera um problema insuperável, visto que eu, ao ler estas passagens, não encontro nelas qualquer indício de negação de uma alma imortal (e, diga-se de passagem, a imensa maioria das pessoas também não). Como, dentro da autofagia protestante, toda leitura bíblica é válida, a minha é tão válida quanto a dele.

É verdade que uma evidência negativa não prova o equívoco do teu amigo adventista. No entanto, ela é um forte indício. Principalmente pelo fato de que, se realmente inexistisse uma alma imortal, tal crença seria um forte motivo de distinção do cristianismo para com todas as demais religiões do mundo. Todas acreditam na existência desta alma (muito embora o conceito do que venha a ser uma "alma" possa variar). Esta crença é a mais universal de todas. Como, então, pode-se explicar que crença tão exclusivamente cristã não conte com um único versículo bíblico que a afirme diretamente?

O fato é tão mais grave que os próprios judeus da época de Jesus criam na existência de uma alma imortal. Esta crença constava, expressamente, da Septuaginta, versão bíblica utilizada por Jesus e, depois, por seus apóstolos. E, no entanto, não há qualquer afirmação, seja do Senhor, seja dos escritores sagrados, que a conteste. Nenhuma censura direta. Nenhum senão à versão do Septuaginta.

Tal é agravado por que o cristianismo, na era apostólica, difundiu-se principalmente pelos povos de origem indo-européia, nos quais a crença numa alma imortal era tão profunda que em torno da mesma é que estes povos se organizaram. Romanos, Coríntios, Efésios, Gálatas, Filipenses, Colossenses, Tessaloniscenses, todos são povos em que esta crença era marcante, e todos foram agraciados com epístolas paulinas. E, em nenhuma destas epístolas, existe a advertência de São Paulo acerca de tão grande heresia.

Pergunto: será quem ninguém se preocupou em deixar uma linha inequívoca sequer acerca deste ponto tão importante?

Enfim, esta absoluta falta de um versículo (um único!) atestando, claramente, a inexistência de uma alma imortal é bastante significativa, principalmente para alguém que se diz adepto do sola scriptura.

Passemos, agora, à evidências positivas. Como você verá, os textos bíblicos que falam da existência de uma alma imortal são diretos e contundentes. Se, para provar que inexiste a alma, é necessário muita boa vontade para com os textos que o teu amigo apontou, para negar a existência desta alma será necessário muita má-vontade para com os textos que eu vou apontar.

A diferença qualitativa é gritante.

2. A Aparição de Samuel.

Caro Luiz, convido-te a ler com atenção o trecho bíblico abaixo, retirado de 1 Sm 28, 7ss. Nele, o Rei Saul, querendo saber do futuro, consulta uma necromante, o que era proibido pela Torá. Advirto que os grifos são meus (como em todos os trechos bíblicos e patrísticos citados neste trabalho):

 "O rei disse aos seus servos: 'Procurai-me uma necromante para que eu a consulte'. 'Há uma em Endor', responderam-lhe. Saul disfarçou-se, tomou outras vestes e pôs-se a caminho com dois homens. Chegaram à noite à casa da mulher. Saul disse-lhe: 'Predize-me o futuro, evocando um morto; faze-me vir aquele que eu te designar'. Respondeu-lhe a mulher: 'Tu bem sabes o que fez Saul, como expulsou da terra os necromantes e os adivinhos. Por que me armas ciladas para matar-me?' Saul, porém, jurou-lhe pelo Senhor: 'Por Deus, disse ele, não te acontecerá mal algum por causa disso'.  Disse-lhe então a mulher: 'A quem evocarei?' 'Evoca-me Samuel'. E a mulher, tendo visto Samuel, soltou um grande grito: 'Por que me enganaste?', disse ela ao rei. 'Tu és Saul!' E o rei: 'Não temas! Que vês?' A mulher: 'Vejo um deus que sobe da terra'. 'Qual é o seu aspecto?' 'É um ancião, envolto num manto'. Saul compreendeu que era Samuel, e prostrou-se com o rosto por terra.  Samuel disse ao rei: 'Por que me incomodaste, fazendo-me subir aqui?' 'Estou em grande angústia', disse o rei. 'Os filisteus atacam-me e Deus se retirou de mim, não me respondendo mais, nem por profetas, nem por sonhos. Chamei-te para que me indiques o que devo fazer.'
Samuel disse-lhe: 'Por que me consultas, uma vez que o Senhor se retirou de ti, tornando-se teu adversário? Fez o Senhor como tinha anunciado pela minha boca: ele tira a realeza de tua mão para dá-la a outro, a Davi. Não obedeceste à voz do Senhor e não fizeste sentir a Amalec o fogo de sua cólera; eis por que o Senhor te trata hoje assim. E mais: o Senhor vai entregar Israel, juntamente contigo, nas mãos dos filisteus. Amanhã, tu e teus filhos estareis comigo, e o Senhor entregará aos filisteus o acampamento de Israel."

 

Neste trecho, vemos claramente que a alma do profeta Samuel (já morto) volta do Sheol e aparece para o Rei Saul. A palavra utilizada pela necromante e traduzida acima por "deus" era utilizada para indicar um ser espiritual, sem corpo físico. Pois bem, este "deus" era Samuel, o que indica que, embora seu corpo já tivesse perecido, seu espírito seguia vivo. E, que se tratava de um espírito, é evidente, visto que este ser "subia da terra".

Eu gostaria de ver de que forma o teu amigo adventista explicaria este trecho bíblico! Uma vez que ele não aceita a existência de uma alma imortal, e uma vez que o trecho diz, expressamente, que um morto apareceu a Saul, a conclusão a que se chegaria (se os adventistas tivessem qualquer razão neste ponto) é que Samuel foi premiado com uma espécie de "ressurreição relâmpago". Ou, melhor dizendo, uma ressurreição ad hoc. Ressuscitou para aparecer, conversar um pouquinho com Saul e tornar a morrer.

Não bastasse isto, e restaria uma questão: a ressurreição ad hoc de Samuel foi conforme a ressurreição de Lázaro ou conforme à de Cristo? Se conforme a de Lázaro, como explicar que Samuel subia da terra, num evidente desrespeito às leis da física? Se conforme à de Cristo, então Samuel é o verdadeiro ?primogênito dos mortos?, tendo sido o primeiro a vencer a morte, o que invalidaria a missão salvívica de Cristo.

Quero ver o teu amigo defender tal heresia…

3. As Aparições de Moisés e Elias.

Caro Luiz, veja, igualmente, o trecho abaixo:

"Seis dias depois, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, seu irmão, e conduziu-os à parte a uma alta montanha.  Lá se transfigurou na presença deles: seu rosto brilhou como o sol, suas vestes tornaram-se resplandecentes de brancura. E eis que apareceram Moisés e Elias conversando com ele. Pedro tomou então a palavra e disse-lhe: Senhor, é bom estarmos aqui. Se queres, farei aqui três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias. Falava ele ainda, quando veio uma nuvem luminosa e os envolveu. E daquela nuvem fez-se ouvir uma voz que dizia: Eis o meu Filho muito amado, em quem pus toda minha afeição; ouvi-o. Ouvindo esta voz, os discípulos caíram com a face por terra e tiveram medo. Mas Jesus aproximou-se deles e tocou-os, dizendo:  levantai-vos e não temais. Eles levantaram os olhos e não viram mais ninguém, senão unicamente Jesus." (Mt 17, 1ss)

Novamente, estamos diante de um texto bíblico que, de maneira expressa e insofismável, afirma que dois homens já mortos apareceram aos vivos, no caso, Moisés e Elias. Como ficamos? Estamos diante de uma nova "ressurreição ad hoc"? O que teria, então acontecido com os corpos de Moisés e Elias, que, depois de seus donos ressuscitarem, baterem um papinho e voltarem a morrer, não estavam mais ali? Afinal, o texto diz, expressamente, que, de um momento para o outro, os discípulos encontravam-se só com Jesus.

4. A Parábola do Pobre Lázaro.

Esta parábola, ao meu ver, é, por si só, suficiente para provar o grande equívoco do teu amigo adventista. Afinal, insofismavelmente, ela foi contada por Jesus, e, nela, o Mestre afirma, sem qualquer dúvida, que existe uma alma imortal e que os mortos não se encontram numa situação de inconsciência. Veja o texto inteiro (Lc 16, 19 – 31):

"Havia um homem rico que se vestia de púrpura e linho finíssimo, e que todos os dias se banqueteava e se regalava. Havia também um mendigo, por nome Lázaro, todo coberto de chagas, que estava deitado à porta do rico. Ele avidamente desejava matar a fome com as migalhas que caíam da mesa do rico… Até os cães iam lamber-lhe as chagas. Ora, aconteceu morrer o mendigo e ser levado pelos anjos ao seio de Abraão. Morreu também o rico e foi sepultado. E estando ele nos tormentos do inferno, levantou os olhos e viu, ao longe, Abraão e Lázaro no seu seio.. Gritou, então: – Pai Abraão, compadece-te de mim e manda Lázaro que molhe em água a ponta de seu dedo, a fim de me refrescar a língua, pois sou cruelmente atormentado nestas chamas. Abraão, porém, replicou: – Filho, lembra-te de que recebeste teus bens em vida, mas Lázaro, males; por isso ele agora aqui é consolado, mas tu estás em tormento. Além de tudo, há entre nós e vós um grande abismo, de maneira que, os que querem passar daqui para vós, não o podem, nem os de lá passar para cá. O rico disse: – Rogo-te então, pai, que mandes Lázaro à casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos, para lhes testemunhar, que não aconteça virem também eles parar neste lugar de tormentos. Abraão respondeu: – Eles lá têm Moisés e os profetas; ouçam-nos! O rico replicou: – Não, pai Abraão; mas se for a eles algum dos mortos, arrepender-se-ão. Abraão respondeu-lhe: – Se não ouvirem a Moisés e aos profetas, tampouco se deixarão convencer, ainda que ressuscite algum dos mortos.

Em primeiro lugar, afirma-se que Lázaro, após morrer, foi levado pelos anjos ao Seio de Abraão. Ele não entrou na inexistência, esperando uma ressurreição no dia do julgamento final. O mesmo aconteceu com o rico, que, estando morto, em tormentos no inferno, mantém um diálogo com Abraão (também já falecido), tendo Lázaro ao seu lado. Abraão diz, claramente, que eles estão mortos ("recebestes os bens em vida (…) por isto (…) agora (…) tu estás em tormento). Diz, ainda, que, enquanto se passava este diálogo, os irmãos do rico estavam, ainda vivos. Portanto, enquanto nossa vida, aqui, segue em frente, os mortos conversam no outro mundo e antes do Dia do Juízo Final.

Além disto, o rico avarento pede que Abraão envie o espírito de Lázaro aos seus irmãos ("se for a eles algum dos mortos"), não sugerindo uma "ressurreição ad hoc", que talvez seria tão ao gosto de teu amigo adventista. Por fim, o próprio Abraão afirma que Lázaro ainda estava morto, isto é, que este diálogo não se travou entre seres ressuscitados após o juízo final. E o faz dizendo que "ainda que ressuscitasse algum dos mortos", os irmãos do rico avarento não se convenceriam. Portanto, Lázaro ainda não ressuscitara.

A evidência é tão avassaladora que é até difícil comentá-la.

5. A Descida de Cristo aos Infernos.

Posso te fazer uma pergunta, meu caro Luiz? O que aconteceu com Jesus Cristo entre o momento de Sua morte e o de Sua ressurreição? Teria Ele entrado na inexistência? Teria Seu espírito adormecido, aguardando a ressurreição? É fé cristã, desde o primeiro século, que o Espírito de Jesus, desprendido de Seu Corpo, foi ao sheol pregar para os que lá estavam aguardando a Redenção a ser operada pelo Messias. Com isto, Jesus Cristo regatou da morte aqueles que haviam morrido anteriormente à Sua redenção. Esta crença (que, no Símbolo dos Apóstolos se encontra expressa com a fórmula "desceu à Mansão dos Mortos") está atestada na Bíblia:

"Pois também Cristo morreu uma vez pelos nossos pecados – o Justo pelos injustos – para nos conduzir a Deus. Padeceu a morte em sua carne, mas foi vivificado quanto ao espírito. É neste mesmo espírito que ele foi pregar aos espíritos que eram detidos no cárcere, àqueles que outrora, nos dias de Noé, tinham sido rebeldes, quando Deus aguardava com paciência, enquanto se edificava a arca, na qual poucas pessoas, isto é, apenas oito se salvaram através da água." (1 Pe 3,18ss)

"Pois para isto foi o Evangelho pregado também aos mortos; para que, embora sejam condenados em sua humanidade de carne, vivam segundo Deus quanto ao espírito." (1 Pe 4, 6)

Como se vê, caro Luiz, a crença de que as almas dos mortos aguardavam sua libertação no sheol (o que, por óbvio, pressupõe a crença na existência de uma alma imortal) está atestada no texto sagrado. Se Jesus Cristo foi pregar aos mortos, é porque existe uma alma imortal, que, por sua vez, não pode estar num estado de inconsciência.

6. A Esperança de São Paulo.

Podemos nos perguntar: São Paulo acreditava na existência de uma alma imortal? A resposta é afirmativa, havendo, pelo menos, dois trechos bíblicos que comprovam isto de forma clara (sem falar dos que o confirmariam de forma indireta…). O primeiro é tirado de 2 Co 5, 6ss: "Por isso, estamos sempre cheios de confiança. Sabemos que todo o tempo que passamos no corpo é um exílio longe do Senhor. Andamos na fé e não na visão. Estamos, repito, cheios de confiança, preferindo ausentar-nos deste corpo para ir habitar junto do Senhor. É também por isso que, vivos ou mortos, nos esforçamos por agradar-lhe. Porque teremos de comparecer diante do tribunal de Cristo. Ali cada um receberá o que mereceu, conforme o bem ou o mal que tiver feito enquanto estava no corpo."

Como você percebe, os textos que falam de uma alma imortal são muito diretos. É necessário um enorme esforço exegético para não enxergar, no trecho acima, uma alusão clara e cristalina da existência da mesma. São Paulo afirma que o corpo nada mais é do que a morada desta alma, e, enquanto a alma nele se encontra, não pode unir-se perfeitamente a Cristo. É por isto que ele anseia em morrer, para estar o mais rápido possível com o Senhor (o que não teria sentido se seu encontro com Cristo viesse a se dar apenas por ocasião do juízo final). Afirma, ainda, que nossa alma já é recompensada ou penalizada de acordo com aquilo que tiver feito enquanto ainda vivemos. Ou seja, os mortos já gozam de recompensa ou de penas, o que implica em consciência (ninguém é penalizado ou recompensado se estiver incapaz de sofrer com a pena ou de gozar da recompensa)

Veja, ainda, este outro texto: "Porque para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro. Mas, se o viver no corpo é útil para o meu trabalho, não sei então o que devo preferir. Sinto-me pressionado dos dois lados: por uma parte, desejaria desprender-me para estar com Cristo – o que seria imensamente melhor; mas, de outra parte, continuar a viver é mais necessário, por causa de vós."(Fl 1, 21ss)

Novamente, e com a mesma clareza, repete-se a idéia acima. Eu gostaria de ver quais os subterfúgios de que seu amigo adventista se valerá para explicar doutrina tão claramente exposta. Ora, se não existisse uma alma imortal, por que São Paulo vivia um dilema? Por que morrer lhe seria um lucro? Afinal de contas, morrendo, ele entraria na inexistência (ou na inconsciência) e seu encontro com o Senhor se daria (quer morresse logo, quer tardasse a morrer) apenas e tão-somente no dia do juízo final. 

Há outras evidências bíblicas acerca da existência das almas. Limito-me, contudo a estas. Passo, agora, a responder às dez perguntas de teu amigo. Elas seguem em preto, com nossas respostas em azul.

 

DEZ PERGUNTAS PARA RESPOSTA OU SÉRIA REFLEXÃO DOS QUE CRÊEM NA IMORTALIDADE DA ALMA

1o. – Por que Jesus diz a Seus seguidores que iria subir para lhes preparar moradas", mas dá ênfase à ocupação delas quando do reencontro com eles ao retornar para os receber, e não quando morressem e suas almas fossem para o céu para as irem ocupando (João 14:1-3)?

OBS: O pensamento popular é de que na morte a alma do indivíduo parte para o céu, onde encontrará a Cristo e todos os demais que já para lá foram. Mas é estranho que Jesus não diga nada sobre essas moradas estarem disponíveis antes do tempo de Seu retorno, deixando implícito que só então levará os Seus consigo para ocuparem ditas moradas.

O equívoco de teu amigo protestante neste ponto é entender o retorno de Jesus Cristo como sendo a parusia final, quando, na verdade, o retorno a que Jesus se refere é a Sua Ressurreição. Jesus morreria, justamente, para abrir as portas do Céu. Tanto estas moradas estão "disponíveis" antes da parusia que São Paulo (como eu já disse acima) ansiava por morrer e estar com Cristo. Tanto estas moradas já estão "disponíveis" antes da parusia que Jesus disse ao Bom Ladrão: "ainda hoje estarás comigo no Paraíso".

E olhe que este "hoje" já aconteceu há quase vinte séculos…

Quer mais uma evidência de que os mortos em Cristo já se encontram na glória de Deus? Eu a dou. Veja Ap 7, 2-17:

 "Vi ainda outro anjo subir do oriente; trazia o selo de Deus vivo, e pôs-se a clamar com voz retumbante aos quatro Anjos, aos quais fora dado danificar a terra e o mar, dizendo: Não danifiqueis a terra, nem o mar, nem as árvores, até que tenhamos assinalado os servos de nosso Deus em suas frontes. Ouvi então o número dos assinalados: cento e quarenta e quatro mil assinalados, de toda tribo dos filhos de Israel (…). Depois disso, vi uma grande multidão que ninguém podia contar, de toda nação, tribo, povo e língua: conservavam-se em pé diante do trono e diante do Cordeiro, de vestes brancas e palmas na mão, e bradavam em alta voz: A salvação é obra de nosso Deus, que está assentado no trono, e do Cordeiro. E todos os Anjos estavam ao redor do trono, dos Anciãos e dos quatro Animais; prostravam-se de face em terra diante do trono e adoravam a Deus, dizendo: Amém, louvor, glória, sabedoria, ação de graças, honra, poder e força ao nosso Deus pelos séculos dos séculos! Amém. Então um dos Anciãos falou comigo e perguntou-me: Esses, que estão revestidos de vestes brancas, quem são e de onde vêm? Respondi-lhe: Meu Senhor, tu o sabes. E ele me disse: Esses são os sobreviventes da grande tribulação; lavaram as suas vestes e as alvejaram no sangue do Cordeiro. Por isso, estão diante do trono de Deus e o servem, dia e noite, no seu templo. Aquele que está sentado no trono os abrigará em sua tenda. Já não terão fome, nem sede, nem o sol ou calor algum os abrasará, porque o Cordeiro, que está no meio do trono, será o seu pastor e os levará às fontes das águas vivas; e Deus enxugará toda lágrima de seus olhos."

Estes "sobreviventes da grande tribulação" são, evidentemente, os mártires cristãos. E eles já se encontram no céu, diante do trono de Deus, sendo por Ele consolados. O episódio acima se passa muito antes do Juízo Final, antes que a terra, o mar e as árvores fossem danificados. E, no entanto, mesmo antes deste dia, já existem aqueles que estão no céu, demonstrando o equívoco do teu amigo em supor que os mortos esperarão até o último dia para serem resgatados da inexistência.

Há, ainda, um outro texto bastante interessante, tirado do Evangelho de São Lucas: ?Eu vos digo: fazei-vos amigos com o dinheiro de vossa iniqüidade, para que, no dia em que ela vos faltar, eles vos recebam nos tabernáculos eternos.? (Lc 16, 9).

O entendimento acerca da primeira parte deste versículo é controverso. Quem são estes ?amigos?, e o que, exatamente seja ?dinheiro da iniqüidade? é passível de discussão. Uma antiga interpretação da igreja fala que Jesus nos ensina a gastarmos nosso dinheiro com os pobres que, no céu, orarão por nós, precedendo-nos. Lá, eles nos receberiam.

Independentemente disso, a segunda parte do versículo (aquela que nos interessa neste momento) não é controversa. O fato é que podemos ter amigos que nos precederão e nos receberão no céu. Isto seria rigorosamente impossível se, conforme advogam os adventistas, todos entrassem juntos no céu por ocasião da segunda vinda de Cristo.

Se todos vão juntos, ninguém recebe ninguém. Se há quem nos receba, é porque há os que nos precedem. E se há os que nos precedem, é porque à medida que se morre já se pode entrar no céu.

 

 2o. – Por que Cristo e Paulo acentuam que os mortos ressuscitarão ao ouvirem a voz do arcanjo e a trombeta divina, "despertando" do sono da morte (Mateus 24:30; 1 Tessalonicenses 4:16), quando suas almas viriam do céu, inferno, purgatório para reincorporarem, estando já bem despertas? OBS.: A metáfora do sono é constante, tanto no Velho quanto no Novo Testamento, representando a morte. Diante de claras passagens que tratam da inconsciência dos mortos (que "não louvam o Senhor"-Salmo 115:17) percebe-se por que se dá o uso de tal metáfora, como no Salmo 13:3-"o sono da morte"; em Daniel 12:2, "dormem no pó da terra"; João 11:11, "Lázaro adormeceu"; 1 Tes. 4:13, "os que dormem"; 1 Cor. 15:18, "os que dormiram em Cristo"-transmitindo a noção de que na morte prevalece uma condição de INCONSCIÊNCIA para aqueles que morreram. Eis outras passagens que claramente apresentam a morte como um sono: Salmo 146:4 ("perecem os seus  pensamentos"); Eclesiastes 9:5, 10 ("sua memória jaz no esquecimento"); Isaías 38:18, 19 (os mortos não louvam a Deus, só os vivos); 1 Reis 2:10 Davi dormiu no Senhor); 1 Reis 11:43 ("dormiu com os seus pais"); Jeremias 51:39 ("durmam sono eterno, e não acordem").

Repare aquilo que eu disse acima: para tentar provar que inexiste uma alma imortal, teu amigo cita textos que comparam a morte ao sono. E por quê? Porque ele não dispõem de um único versículo que afirme, expressamente, a doutrina que ele advoga.

Faço uma pergunta: alguma vez os textos de Mt 24, 30 e 1 Ts 4, 16 (supondo que você já os conhecia) te passaram a impressão de negarem a existência de uma alma imortal? Posso prever que não. E por quê? Porque apenas uma leitura enviesada dos mesmos é que levariam à semelhante conclusão.

A morte sempre foi comparada ao sono pelo simples fato de que  naquela o corpo parece repousar. E até hoje, nós nos referimos à morte como um sono ou como um repouso, sem que isto comprometa nossa crença numa alma imortal. É apenas uma comparação representando o fim de nossa militância, não a inconsciência de nosso ser.

Por fim, repare que, para sustentar sua doutrina da "inconsciência dos mortos" ele recorreu apenas a textos do Antigo Testamento. Novamente pergunto: por quê? Porque o AT é bastante confuso acerca do destino dos homens após a morte, o que apenas se tornou claro no NT, que está repleto de menção à consciência dos mortos (veja os textos que eu citei na primeira parte desta resposta).

Mas, meu caro Luiz, a situação é tão absurda que o teu amigo protestante não conta, sequer, com um trecho bíblico que afirme, claramente, a inconsciência dos mortos. Os textos usados pelos adventistas (exceção feita a Ecl 9, 5) para tal referem-se, apenas, à situação dos mortos no AT que estavam privados do culto a Deus.

Em outras palavras: os textos afirmam que os mortos não louvam a Deus; não afirmam que eles se encontram inconscientes. A palavra utilizada em todos eles (o hebraico yadah) é a mesma que o AT utiliza-se para se referir ao culto público de Yahweh. Obviamente, tal privação não permanece após a morte de Jesus, pois, como eu já mostrei acima, os mártires encontram-se, desde já, diante do trono de Deus em permanente adoração (Ap 7, 2-17).

Convenhamos: existe uma diferença abismal entre ?não louvar a Deus? e ?estar inconsciente?. Desculpe-me por bater na mesma tecla, mas estamos, novamente, diante de uma leitura enviesada por parte de teu amigo.

E o que dizer de Ecl 9, 5-10? Vejamos todo o contexto, começando do versículo 2:

?Apliquei então meu espírito ao esclarecimento de tudo isso: os justos, os sábios e seus atos estão na mão de Deus. O homem ignora se isso será amor ou ódio. Tudo é possível. Um mesmo destino para todos: há uma sorte idêntica para o justo e para o ímpio, para aquele que é bom como para aquele que é impuro, para o que oferece sacrifícios como para o que deles se abstém. O homem bom é tratado como o pecador e o perjuro como o que respeita seu juramento. Entre tudo que se faz debaixo do sol, é uma desgraça só existir para todos um mesmo destino: por isso o espírito dos homens transborda de malícia, a loucura ocupa o coração deles durante a vida, depois da qual vão para a casa dos mortos. Porque, enquanto um homem permanece entre os vivos, há esperança; mais vale um cão vivo que um leão morto. Com efeito, os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não sabem mais nada; para eles não há mais recompensa, porque sua lembrança está esquecida. Amor, ódio, ciúme, tudo já pereceu; não terão mais parte alguma, para o futuro, no que se faz debaixo do sol. Ora, pois, come alegremente teu pão e bebe contente teu vinho, porque Deus já apreciou teus trabalhos. Traja sempre vestes brancas e haja sempre azeite (perfumado) em tua cabeça. Desfruta da vida com a mulher que amas, durante todos os dias da fugitiva e vã existência que Deus te concede debaixo do sol. Esta é tua parte na vida, o prêmio do labor a que te entregas debaixo do sol. Tudo que tua mão encontra para fazer, faze-o com todas as tuas faculdades, pois que na região dos mortos, para onde vais, não há mais trabalho, nem ciência, nem inteligência, nem sabedoria.

Leu com atenção, Luiz? Se o fez, então terá percebido a incoerência dos adventistas em se utilizar do Livro de Eclesiastes para daí retirarem sua doutrina da inconsciência dos mortos. Neste livro, fica patente o quão sem sentido é a existência humana sem Deus, o quão mesquinha e pequena é esta vida. O ensinamento claro para os cristãos é o seguinte: não vale a pena nos ocuparmos com esta existência efêmera, mas devemos ter os olhos fixos na vida eterna.

O pessimismo em Eclesiastes é tão vertiginoso que, se realmente fôssemos considerar este livro para extrairmos uma doutrina da vida após a morte, seríamos obrigados a aceitar que os maus e os bons encontram-se na mesma situação. Não existe diferença entre pecar ou não pecar; entre amar a Deus e não amá-lo. Como diz o texto acima, só existe um destino para todos.

Aliás, tomado ao pé da letra, o trecho acima negaria não apenas a alma imortal, mas, igualmente a ressurreição. O texto afirma, claramente, que, para além da morte, nada se deveria esperar; não há mais esperanças, recompensas ou punições. Grande é o infortúnio do homem sobre a terra!

Por que razão, então, os adventistas não negam, baseados em Ecl 9, a Ressurreição?

Como você vê, há muitos mistérios insondáveis entre os protestantes…

O fato é que o estado de desânimo do autor de Eclesiastes se justificava, pois os mortos, habitantes do sheol, jaziam sem esperança. Estavam incapazes de sair da morte, vencidos por este inimigo. Sequer a ressurreição fazia parte da crença judaica de então, sendo uma concepção bastante tardia. Segundo estudiosos bíblicos, apenas no período pós-exílio da Babilônia é que os judeus desenvolveram, sob a inspiração divina, a crença na ressurreição dos mortos.

Compare, agora, este desânimo de Eclesiastes, com o júbilo e a alegria dos cristãos:

?A morte foi tragada pela vitória . Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?? (1 Co 15, 55)

"Por isso, estamos sempre cheios de confiança. Sabemos que todo o tempo que passamos no corpo é um exílio longe do Senhor. Andamos na fé e não na visão. Estamos, repito, cheios de confiança, preferindo ausentar-nos deste corpo para ir habitar junto do Senhor. É também por isso que, vivos ou mortos, nos esforçamos por agradar-lhe. Porque teremos de comparecer diante do tribunal de Cristo. Ali cada um receberá o que mereceu, conforme o bem ou o mal que tiver feito enquanto estava no corpo."

"Porque para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro. Mas, se o viver no corpo é útil para o meu trabalho, não sei então o que devo preferir. Sinto-me pressionado dos dois lados: por uma parte, desejaria desprender-me para estar com Cristo – o que seria imensamente melhor; mas, de outra parte, continuar a viver é mais necessário, por causa de vós."(Fl 1, 21ss)

?Quanto a mim, estou a ponto de ser imolado e o instante da minha libertação se aproxima. Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. Resta-me agora receber a coroa da justiça, que o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia, e não somente a mim, mas a todos aqueles que aguardam com amor a sua aparição.? (2 Tm 4, 6-8)

Ou seja, a visão do que seja a morte mudou completamente do AT para o NT. São Paulo proclama que a morte já está vencida para sempre (enquanto que o autor do Eclesiastes ainda lamentava que ela haveria de engolir todos os seres humanos). Veja, caro Luiz, que,se o teu amigo adventista tivesse qualquer razão, São Paulo diria que a morte seria vencida apenas quando do retorno de Cristo. Até lá, ela continuaria a nos engolir.

São Paulo ansiava por morrer, entendendo que apenas assim é que ele se uniria totalmente a Cristo. Morrer passou a ser um lucro, uma libertação (algo incompreensível dentro da doutrina adventista de inconsciência dos mortos), enquanto que, em Eclesiastes, a morte era vista como um infortúnio e uma desgraça.

Por fim, São Paulo ansiava pelas recompensas que teria após a sua partida. Em Eclesiastes, contudo, afirmava-se, claramente, não haver qualquer recompensa para os que já morreram.

O erro do teu amigo, portanto, é apegar-se a um versículo periférico de um livro do AT (quando a visão das últimas coisas era bastante obscurecida) referente à falta de sentido na existência humana sem Deus (sem qualquer pretensão de estabelecer doutrinas acerca da vida além da morte), desprezando, totalmente, a revelação clara e inconteste do NT a respeito deste assunto.

E, como não poderia deixar de ser, ele ainda por cima, apega-se apenas aos versículos que lhe interessa, deixando tudo o mais de lado.

 

 3o. – Por que Jesus, quando confortava as irmãs do falecido Lázaro, além de ter empregado antes a metáfora do sono-"Nosso amigo Lázaro está dormindo. . ."-não lhes indicou que o falecido estava na glória celestial, mas referiu-lhes a esperança da ressurreição (João 11:17-27)? OBS.: Entre as pessoas religiosas é tão comum consolarem-se os enlutados falando de como seus falecidos estão bem, felizes por terem trocado este mundo de sofrimento e dor pela habitação nos "páramos da glória. . .". Contudo, não é este o quadro do diálogo do evento da morte de Lázaro, tanto da parte de Cristo quanto das enlutadas irmãs de Lázaro. O tema da conversação entre eles não é o suposto destino celestial do fiel seguidor de Cristo ao morrer, mas a FUTURA ressurreição dos mortos.

Esta pergunta revela o completo desconhecimento de teu amigo adventista acerca dos novíssimos. Jesus não afirmou que Lázaro encontrava-se na glória celestial porque o mesmo lá não se encontrava! Aliás, não se encontrava nem no céu, nem no purgatório, nem no inferno. Antes da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo, todos os mortos encontravam-se no sheol, estado temporário das almas à espera do Messias, conforme eu já indiquei acima.

 4o. – Quando Cristo ressuscitou a Lázaro, após estar o seu amigo morto por quatro dias, tirou-o do céu, do inferno ou do purgatório? Se foi do céu fez-lhe uma maldade trazendo-o de volta para sofrer nesta Terra. Se foi do inferno (pouco provável, pois ele era um seguidor do Mestre), concedeu-lhe uma segunda oportunidade de salvação, o que é antibíblico OBS.: Esta pergunta dispensa maiores comentários. A lógica é inescapável: Lázaro ressuscitou e não trouxe nenhuma informação do mundo do além. Se tivesse algo a contar, sem dúvida o evangelista João teria o maior interesse e prazer em reproduzir suas palavras e testemunho no seu evangelho.

Como já expliquei acima, Jesus não tirou Lázaro nem do céu, nem do inferno, nem do purgatório, mas do sheol, provavelmente do chamado "seio de Abraão". Portanto, não lhe fez nenhuma maldade resgatando-o de lá, visto que, ainda que lá já houvesse consolação para os justos, a vida neste mundo é melhor, pois os mesmos não podiam louvar a Deus.

Com relação à suposição de teu amigo de que São João "teria interesse" em reproduzir o testemunho de Lázaro acerca da vida no outro mundo, devo tecer alguns comentários. Em primeiro lugar, jamais saberemos se São João não teve, realmente, este "interesse". Ele (e qualquer outro discípulo) pode ter, realmente, entrevistado Lázaro a este respeito. É possível que Lázaro estivesse proibido de falar; é possível que Lázaro não tivesse palavras para descrever o sheol; por fim, é possível que São João, simplesmente, ainda que obtido este testemunho de Lázaro, não tivesse interesse em reproduzi-lo em seus escritos.

Por fim, é notável como este teu amigo usa de dois pesos e de duas medidas. Ele estranha que São João não tenha escrito o testemunho de Lázaro acerca do sheol, mas não estranha que ele não tenha descrito o testemunho de Jesus Cristo acerca do céu! Afinal de contas, o teu amigo acredita no céu e acredita que Jesus, tendo saído do Pai, conhecia o paraíso muito bem. Pergunte para ele o porquê de São João jamais ter questionado Jesus a respeito…

5o. – Onde é dito que o lago de fogo, que acontece sobre a superfície da Terra (Apocalipse 20: 9, 14, 15) se transfere para alguma outra parte do universo após realizar sua obra de "segunda morte" e ali continua queimando, quando o contexto imediato diz que logo em seguida à segunda morte o profeta viu "novo céu e nova terra . . . e o mar já não existe" (Apocalipse 21:1)? OBS.: Esta é outra pergunta que dispensa maiores comentários e já foi discutida acima em detalhe. Não há saída para os que acreditam num inferno eternamente a arder, pois o lago de fogo desaparece de cena após cumprir sua missão de efetuar a "segunda morte" dos condenados.

Esta pergunta foge do tema, e defende uma tese que, embora co-relata à tese da inexistência de uma alma imortal, com a mesma não se confunde. Trata-se da tese do aniquilacionismo, e, sobre isto, eu sugiro a leitura do texto "O Aniquilacionismo é Bíblico?", na secção de apologética de nosso site.

 6o. – Por que Paulo, ao discutir específica e detalhadamente em 1 Tessalonicenses 4:13-18 e, especialmente, no capítulo 15 de 1 Coríntios, como será o reencontro final de todos os salvos com o Salvador em parte  alguma fala de almas vindas do céu, ou seja de onde for, para reincorporarem? OBS.: Tal como no início da história do homem não consta qualquer "alma imortal" sendo introduzida no ser original, nada consta sobre almas vindas do céu, inferno ou purgatório para reincorporarem quando do surgimento dos que se foram na ressurreição-nada no começo, nada no fim.

O teu amigo encontra-se em um enorme engano acerca das últimas coisas. As almas não vão se "reincorporar", pelo simples motivo de que a maioria dos corpos dos que se foram já não mais existem. Não há incorporação possível num corpo que, literalmente, já virou pó e se dispersou.

Assim, a ressurreição é um mistério. As almas serão revestidas do mesmo corpo que tiveram (e não da mesma matéria, pois isto é impossível), agora transformados em corpos espirituais, à imagem da ressurreição de Jesus Cristo.

 7o. – Paulo diz claramente que sem a ressurreição dos mortos-confirmada e garantida pela do próprio Cristo-"os que dormiram em Cristo pereceram" (1Coríntios 15:16 a 18). Por que pereceram, já que deviam estar garantidos com suas almas no céu? OBS.: O tema dominante do capítulo é a ressurreição dos mortos, assim a lógica da pergunta também é inescapável: a ressurreição é o único meio de se ter vida após a morte.

A exegese do teu amigo adventista acerca do texto acima é, no mínimo, pífia. São Paulo está pregando para gregos que, como todos os gregos, acreditavam numa alma imortal, pensando (grosso modo como pensam os espíritas), que as almas viveriam, eternamente, separadas de seus corpos. Paulo, diante deste engano, vai reafirmar a doutrina da ressurreição final dos mortos, onde o homem (corpo e espírito) viverá eternamente completo.

É óbvio que, se o seu amigo estivesse certo, São Paulo começaria sua pregação afirmando que o erro fundamental dos coríntios era o de crer numa alma imortal. E, no entanto, não o diz, o que já é, por si só, um forte indicativo do equívoco em que se encontra o teu amigo.

São Paulo defende a ressurreição sem negar a existência da alma imortal. Exatamente como a Igreja Católica faz até hoje!

Vejamos, agora, como São Paulo o faz. Ele afirma que, se os gregos estivessem certos, e inexistisse a ressurreição, então, logicamente, Jesus Cristo não teria ressuscitado. E, se Cristo não ressuscitou, então, tendo morrido na Cruz, Ele não venceu a Morte, sendo derrotado por ela. Se Ele foi derrotado pela Morte, então, ele não era Deus coisíssima nenhuma, visto que Deus, o Todo-Poderoso, jamais seria derrotado por que quer que fosse. E, não sendo Ele Deus, então, Sua morte na Cruz não foi uma morte redentora, pelo que aqueles que morreram em Cristo morreram em vão, sendo vã a nossa esperança.

Portanto, com o texto acima, São Paulo nem de longe está afirmando a inexistência de uma alma imortal. Ele está demonstrando, por meio de uma lógica bastante refinada, que a negação da ressurreição, no fundo e em essência, é a negação da própria obra redentora de Cristo, e o aniquilamento de toda a fé cristã.

Resumindo, o teu amigo leu o texto da seguinte forma: "se não há ressurreição dos mortos, os falecidos não têm esperança". Mas o texto diz o seguinte: "se Cristo não ressuscitou dos mortos, ele não é Deus, e os que morreram em Cristo morreram em vão".

Leia você mesmo e confira.

8o. – Mais adiante no mesmo capítulo Paulo confirma o que disse nos vs. 16 a 18, acentuando que arriscou morrer lutando com feras, dando a entender que se morresse estaria também perdido (vs. 32). Ao comentar, "comamos,  bebamos que amanhã morreremos", não estaria claramente indicando que sem a realidade da ressurreição, não há esperança alguma de vida eterna? OBS.: À luz da pergunta anterior, esta revela-se indiscutivelmente uma prova irrefutável de que Paulo não pensava em termos de uma "alma imortal" indo para o céu quando da morte, pois não tinha ele próprio tal esperança. Sua expectativa é expressa em 2 Timóteo 4:6-8 onde fala que "naquele dia" esperava receber o seu galardão eterno. Para ele, se não fosse pela ressurreição, nem valia a pena viver pois a morte seria o fim de tudo.

O versículo 32 se explica na esteira do que eu disse acima. Se não há ressurreição, não há redenção e a fé cristã, apesar de bela, é um engodo. E, se é um engodo, então São Paulo é o mais infeliz dos homens, pois se sujeitou a sofrimentos atrozes em nome deste engodo. Nem de longe ele está sugerindo que não existe uma alma imortal, ou que a recompensa para os cristãos ocorrerá apenas depois da ressurreição final.

Como eu mostrei acima, Paulo tinha, sim, a esperança de, logo após a sua morte, estar com Cristo no céu. Por fim, com relação à 2 Tm 4, 6-8, novamente, somente uma leitura muito enviesada poderia levar o teu amigo à conclusão a que foi levado. São Paulo está falando do dia de sua morte, consolando-se com a glória que o Senhor reservou para este dia (e não para o dia do juízo final como parece querer o teu amigo).

O que talvez tenha-o levado a tal conclusão é o fato de São Paulo falar da retribuição a todos os que esperam a Aparição de Jesus Cristo. O texto não fala, contudo, que a recompensa se dará no dia desta aparição, mas que se dará para todos os que, pacientemente, a esperam, isto é, para todos os verdadeiros cristãos, cujo maior desejo é o de que o Senhor venha logo.

Até porque, se o teu amigo estivesse certo, não haveria como um falecido ?esperar? pela Aparição de Cristo. Os mortos, inconscientes, não esperariam nada. Apenas dormiriam…

 

 9o. – Paulo diz aos tessalonicenses que não deviam lamentar pelos seus amados falecidos que "dormiam", encerrando com a recomendação: "Consolai-vos, pois, uns aos outros com estas palavras" (vs. 18). Ele nunca diz que já desfrutavam as bênçãos celestiais, e sim que estavam "dormindo" e seriam despertados. Por que a consolação deriva da promessa da ressurreição, e não de que as almas de seus entes queridos já estivessem no céu? OBS.: Também esta é de clareza indiscutível. A consolação derivaria da esperança da ressurreição, não do fato de que os que "dormiam" estivessem já no desfrute das glórias celestiais.

Novamente (perdoe-me a repetição), estamos diante de uma leitura enviesada por parte deste teu amigo. Ele afirma que São Paulo consola os parentes dos mortos com a promessa da ressurreição final, nada falando de uma bem-aventurança presente já depois da morte de cada um. Daí conclui que esta bem-aventurança não existe, e que apenas a ressurreição é que serve de consolo para os verdadeiros cristãos.

No entanto, não é isto que diz o texto!

Vejamos o que verdadeiramente São Paulo diz em 1 Ts 4, 18.

Os de Tessalônia acreditavam que todos os que morressem antes da vinda de Cristo estavam em desvantagem relativamente àqueles que, por ocasião deste dia, ainda estivessem vivos, pois aqueles, ao contrário destes, não veriam o Senhor descendo em Sua Glória. Isto era particularmente dramático entre os primeiros cristãos que esperavam, para qualquer momento, o retorno do Senhor. O versículo 13 afirma, claramente, que este é o motivo da tristeza dos tessaloniscenses: "irmãos, não queremos que ignoreis o que se refere aos mortos, para não ficardes tristes como os outros que não têm esperença."

Sendo desta tristeza de que fala São Paulo, é óbvio que a consolação do versículo 18 a ela se refere. Paulo explicou aos tessaloniscenses que os mortos ressuscitarão antes que Cristo retorne, para que também eles O contemplem em Sua glória. E termina dizendo: "consolai-vos pois, mutuamente com estas palavras".

Resumindo, pode-se dizer que o teu amigo leu Ts 4, 13-18 da seguinte forma: "vocês estão tristes pelo falecimento de entes queridos. Não se entristeçam, pois ressuscitarão no último dia. Consoloem-se com estas palavras.". E, no entanto, o texto diz o seguinte: "Vocês estão tristes por pensarem que os que já faleceram não poderão ver Cristo voltando em Sua glória. No entanto, os falecidos ressuscitarão antes deste retorno. Consolem-se com estas palavras."

Leia e confira você mesmo.

10o. – Por que Jó fala de sua esperança em ver o seu Redentor "na minha carne", quando Ele finalmente "se levantará sobre a Terra", e não que iria  vê-lo quando sua alma fosse para o céu (Jó 19:25)? OBS.: No capítulo 14 o patriarca Jó já dá um golpe de misericórdia sobre a crença da imortalidade comparando a morte a um lago que se seca e um rio que se evapora. Agora ele ressalta que esperava ver ao Redentor só quando este Se levantasse sobre a Terra (o 2o. advento de Cristo) e quando tivesse de volta o seu corpo, revestido da sua pele, não quando sua alma fosse para o céu.

O trecho de Jó 19, 25 apenas atesta a crença na ressurreição após o aparecimento de Deus sobre a Terra, não negando a existência de uma alma imortal. O silogismo do teu amigo protestante é o seguinte: ?Jó afirma crer numa ressurreição após a parusia, portanto, não existe alma imortal?.

Pergunto-te, caro Luiz: você vê, sinceramente, relação de causa e efeito entre uma coisa e outra?

Sou obrigado a reafirmar: o texto citado somente sustenta a tese de teu amigo se lido, de antemão, numa perspectiva adventista. Lido neutramente, nada mais revela do que a crença de Jó na ressurreição dos mortos.

Agora, com relação ao fato do capítulo 14 dar um ?golpe de misericórdia? na crença de uma alma imortal, há algo a ser dito. De fato, Jó afirma, nos versículo 10s, que o homem morto seca e se evapora (?mas quando o homem morre, fica estendido; o mortal expira; onde está ele? As águas correm do lago, o rio se esgota e seca?).

Ocorre que, logo nos versículos 12ss do mesmo capítulo, ele diz algo ainda mais direto: ?Assim o homem se deita para não mais levantar. Durante toda a duração dos céus, ele não despertará; jamais sairá de seu sono. Se, pelo menos, me escondesses na região dos mortos, ao abrigo, até que tua cólera tivesse passado, se me fixasses um limite em que te lembrasses de mim!. Se um homem, uma vez morto, pudesse reviver!?

Como se vê, se o capítulo 14 do Livro de Jó representa um ?golpe de misericórdia? na crença sobre a existência de uma alma imortal, então, ele também representa um ?golpe de misericórdia? na doutrina da ressurreição. Afinal, nele, afirma-se que o morto jamais se levantará, jamais sairá de seu sono.

Isso é um belo exemplo daquilo que eu disse um pouco acima: o AT é bastante confuso e obscuro acerca do destino do homem após a morte. O grande erro dos adventistas (e de outros em sua esteira) é pretender basear suas heresias justamente sobre algo obscuro, principalmente quando o NT, claramente, ensina o oposto.

Por fim, meu caro Luiz, eu gostaria de te deixar uma palavra. Tudo o que eu escrevi acima talvez te ajude a desfazer eventuais dúvidas acerca da verdadeira fé cristã. No entanto, há algo ainda mais importante e que, de longe, supera toda a minha verborragia. Trata-se de um conselho: jamais se deixe levar por qualquer argumentação pretensamente bíblica se esta argumentação não for  corroborada pelo testemunho dos primitivos cristãos.

Teu amigo adventista não crê numa alma imortal, e lança mão de versículos bíblicos para prová-lo? Peça-lhe, antes de analisar tais versículos, que ele demonstre que os cristãos, desde o princípio, e por toda parte, negavam a existência de tal alma. Que ele demonstre que esta fé, através dos séculos, manteve-se inalterada sem qualquer solução de continuidade.

E não basta mostrar que um ou outro tresloucado afirmou esta heresia. Afinal, já apareceu herege para todos os gostos na história da Igreja. É necessário que ele possa estabelecer uma linha contínua desde a era apostólica até os dias atuais.

Se ele não for capaz de faze-lo, então, sequer adentre o mérito de sua argumentação. O cristianismo não pode, sob pena de falsidadde, consubstanciar-se numa religião bíblica mas desvinculada da história. Ou ele existiu inalterado desde que seu fundador o lançou, ou, então, estamos diante do maior engodo de todos os tempos.

Os protestantes, meu caro Luiz, com suas heresias mirabolantes, advogam um cristianismo alheio à história. Se eles já têm dificuldades de provar, biblicamente, suas idéias, vêem-se, sempre e sempre, na impossibilidade de demonstrar que as mesmas já eram cridas e praticadas desde sempre.

No caso da existência de uma alma imortal, o testemunho dos primitivos cristãos é avasssalador. Abaixo, eu cito apenas alguns exemplos, tirados de escritos dos primeiros séculos. Nós, caro Luiz, podemos provar que, além das fortíssimas evidências bíblicas acima expostas, os cristãos sempre acreditaram existir a alma imortal. Podemos traçar a linha contínua que liga a nossa fé aos primeiros anos do cristianismo. Coisa que o teu amigo jamais conseguirá fazer com a sua heresia.

Vamos a alguns exemplos:

?Cidadão de pátria ilustre,
Construí este túmulo durante a vida,
Para que meu corpo – num dia – pudesse repousar.

Chamo-me Abércio:
Sou discípulo de um Santo Pastor,
Que apascenta seu rebanho de ovelhas,
Por entre montes e planícies.
Ele tem enormes olhos que tudo enxergam,
Ensinou-me as Escrituras da Verdade e da Vida
E enviou-me até Roma para vislumbrar sua soberana majestade
E ver a Rainha2 com vestes e sandálias de ouro:
Lá conheci um povo marcado com um sinal resplandecente.

Também fui à planície da Síria
E vi cidades – como Nísibe – para lá do [rio] Eufrates.
Por toda parte encontrei irmãos
E tive Paulo por companheiro.

Por toda parte a fé me guiou
E ela me serviu de alimento
Com um Peixe de fonte, grande e puro,
Pescado por uma Santa Virgem,
Que o entregava a seus amigos.
Ela possui um vinho delicioso
E o serve misturado com pão.

Eu, Abércio, ditei este texto
E o fiz gravar na minha presença
Aos setenta e dois anos.
O irmão que o ler por acaso
Ore por Abércio.
E ninguém erga outro túmulo sobre o meu,
Sob pena de multa:
Duas mil peças de ouro para o fisco romano
E mil para Hierápolis,
Minha pátria ilustre!? (Epitáfio de Albércio, bispo de Hieráoples, início do séc. II)

No caso acima, o bispo Abércio pede que se os cristãos orem por ele, o que, evidentemente, só faz sentido se ele e os demais cristãos acreditassem na imortalidade da alma. Prossigamos:

?Após a aparição, Trifena a recebeu novamente. Pois sua filha, Falconilla, havia morrido, e disse-lhe num sonho: ?mãe, deves colocar esta estranha Thecla em meu lugar, para que ela ore a meu respeito, e eu possa ser transferida para o lugar dos justos? (Atos de Paulo e Thecla, ano 160 d. C.)

 

?(o anjo) te removerá para a prisão do inferno, da qual não haverá qualquer saída até que o menor de seus crimes seja pago no período que antecede a ressurreição.?(Tertuliano, Tratado sobre a Alma, ano 210 d. C.)

?Uma mulher estará mais obrigada quando seu esposo estiver morto… De fato, ela deve orar por sua alma, e pedir por consolo em seu favor neste tempo, e para que ela o acompanhe na primeira ressurreição; e ela deve oferecer sacrifícios no aniversário de quando ele adormeceu.? (Tertuliano, Sobre a Monogamia, ano 216 d. C.)

?… pois o que é o homem senão um ser vivente racional, composto de alma e corpo??(São Justino, Mártir, A Ressurreição 8, séc. II)

?O elo da carne é o espírito; o que aprisiona o espírito é o corpo. Tal é a forma da constituição humana: e se assemelhar-se a um templo, Deus quererá nele morar através do Espírito.? (Tatiano, o sírio, Carta para os Gregos 15, ano 165 d. C.)

?…todo exemplo da natureza humana se constrói através da união de uma alma imortal e o corpo ao qual ela se união no ato da criação…? (Atenágoras, Ressurreição dos Mortos, ano 177 d. C.)

?É isto (o corpo mortal) aquilo que morre e se decompõe, mas não o espírito, que é imortal? (St. Irineu, Contra as Heresias 5:7:1, ano 180 d.C).

?Definimos a alma como nascida do sopro de Deus, imortal, corporal, dona de uma forma, simples em sua substância, capaz de adquirir conhecimento por si mesma, de mostrar-se de vários modos, livre para escolher, sujeita a infortúnios, mutável de acordo com inclinações naturais, racional, a senhora, capaz de revelação, descendente de uma força singular.? (Tertuliano, A Alma 22:2, ano 208 d. C.)

 

Estes são uns poucos exemplos tirados dos primeiros séculos do cristianismo. A partir daí, a literatura é tão vasta que nem mesmo o seu amigo protestante requisitará maiores informações.

Portanto, meu caro Luiz, a existência da alma é fé cristã autêntica e atestada na Bíblia e na Tradição. Não se perturbe por aqueles que vislumbram a possibilidade de, baseando-se em alguns trechos da Bíblia (mas, sempre e invariavelmente, desprezando-a em sua inteireza), construírem uma doutrina alheia à história cristã.

Termino com mias um texto antigo. Este, eu não posso datar, pois ninguém conhece a sua autoria. Na minha opinião, é o mais belo de todos os textos patrísticos, sendo lido pela Igreja  nas Laudes do Sábado Santo, narrando a descida de Cristo ao sheol para resgatar as almas dos que lá aguardavam a ressurreição (conforme acima eu indiquei). Que ele te confirme na fé:

 "O que está acontecendo hoje? Um grande silêncio reina sobre a terra. Um grande silêncio e uma grande solidão. Um grande silêncio, porque o Rei está dormindo; a terra estremeceu e ficou silenciosa, porque o Deus feito homem adormeceu e acordou os que dormiam há séculos. Deus morreu na carne e despertou a mansão dos mortos.

Ele vai, antes de tudo, à procura de Adão, nosso primeiro pai, a ovelha perdida. Faz questão de visitar os que estão mergulhados nas trevas e na sombra da morte. Deus e o Seu Filho vão ao encontro de Adão e Eva cativos, agora libertos dos sofrimentos.

O Senhor entrou onde eles estavam, levando, em Suas mãos, a arma da Cruz vitoriosa. Quando Adão, nosso primeiro pai, o viu, exclamou para todos os demais, batendo no peito e cheio de admiração: "O meu Senhor está no meio de nós". E Cristo respondeu a Adão: "E com o teu espírito". E tomando-o pela mão, disse: "Acorda, tu, que dormes, levanta-te dentre os mortos, e Cristo te iluminará.

Eu sou o teu Deus, que, por tua causa, me tornei o teu filho; por ti, e por aqueles que nasceram de ti, agora digo, e com todo o meu poder, ordeno aos que estavam na prisão: 'Saí!'; e aos que jaziam nas trevas: 'Vinde para a luz!'; e aos entorpecidos: 'Levantai-vos!'

Eu te ordeno: Acorda, tu que dormes, pois eu não te criei para permaneceres na mansão dos mortos. Levanta-te dentre os mortos; eu sou a vida dos mortos. Levanta-te, obra das minhas mãos; levanta-te, ó minha imagem, tu que foste criado à minha semelhança. Levanta-te e saiamos daqui; tu em mim e eu em ti, somos uma só e indivisível pessoa.

Por ti, eu, o teu Deus, me tornei o teu filho; por ti, eu, o Senhor, tomei a condição de escravo. Por ti, eu, que habito no mais alto dos céus, desci até a terra e fui até mesmo sepultado debaixo da terra; por ti, feito homem, tornei-me como alguém sem apoio, abandonado entre os mortos. Por ti, que deixaste o jardim do paraíso, ao sair de um jardim fui entregue aos judeus e num jardim crucificado.

Vê em meu rosto os escarros que por ti recebi, para restituir-te o sopro da vida original. Vê nas minhas faces as bofetadas que levei para restaurar, conforme à minha imagem, a tua beleza corrompida.

Vê em minhas costas as marcas dos açoites que suportei por ti para retirar dos teus ombros o peso dos pecados. Vê minhas mãos fortemente pregadas à árvore da cruz, por causa de ti, como outrora estendeste levianamente tua mão para a árvore do paraíso.

Adormeci na cruz e por tua causa a lança penetrou no meu lado, como Eva surgiu do teu ao adormeceres no paraíso. Meu lado curou a dor do teu lado. Meu sono vai arrancar-te do sono da morte. Minha lança deteve a lança que estava dirigida contra ti.

Levanta-te, vamos daqui. O inimigo te expulsou da terra do paraíso; eu porém já não te coloco no paraíso, mas num trono celeste. O inimigo afastou de ti a árvore, símbolo da vida; eu, porém, que sou a vida, estou agora junto de ti. Constituí anjos que, como servos, te guardassem; ordeno agora que eles te adorem como deus, embora não sejas Deus.

Está preparado o trono dos querubins, prontos e a postos os mensageiros, construído o leito nupcial, preparado o banquete, as mansões e os tabernáculos eternos adornados, abertos os tesouros de todos os bens e o reino dos céus preparado para ti desde toda a eternidade".

Que Nossa Senhora ore sempre por tua fé,

Alexandre.

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