A perversidade das políticas de redução de danos

Recentemente, começaram a pulular na sociedade brasileira iniciativas destinadas à chamada “política de redução de danos”. Isso inclui os folhetos que seriam distribuídos na Parada do Orgulho Gay de São Paulo, mostrando como consumir drogas “com segurança”; uma página do site do Ministério da Saúde mostrando “pontos seguros” para se injetar cocaína; e também pode ser incluída na redução de danos a campanha do governo do PT, comandada pelo ministro da Saúde, para se legalizar o aborto no Brasil. Afinal, o principal argumento para a legalização é a morte de incontáveis mulheres que fazem abortos clandestinos. No entanto, a “redução de danos” é uma estratégia perversa, que nenhum católico pode apoiar.

O que é a redução de danos

A redução de danos parte do princípio de que, se um comportamento é inevitável, o melhor a fazer é tentar impedir que este comportamento mau prejudique mais pessoas, ou cause prejuízos maiores à pessoa diretamente envolvida. Assim, distribuem-se seringas para que os viciados em drogas injetáveis não compartilhem agulhas (o que pode espalhar a Aids); ensina-se os “pontos seguros” para injetar cocaína para que o usuário não se pique onde não deve (e sofra as conseqüências); legaliza-se o aborto para que as mulheres possam procurar os hospitais para matar seus filhos (correndo menos risco de morrerem elas próprias); de certa forma, a tentativa de legalização das drogas também adota essa mentalidade, quando se argumenta que a legalização acabaria com o tráfico (causa de muitas mortes violentas nas grandes cidades).

De certa forma, considero que o “pai” da redução de danos é o ex-governador de São Paulo, Paulo Maluf, autor da célebre frase “estupra, mas não mata”. Eu gostaria de saber que diferença os defensores da redução de danos vêem entre a pérola malufista e as suas políticas. Porque não existe diferença alguma entre “estupra, mas não mata”, “mate seu filho, mas não morra” ou “use drogas, mas não pegue Aids”.

Por que um católico não pode apoiar a redução de danos

O raciocínio é bem simples: a redução de danos, alegam seus defensores, tem finalidades boas, como impedir a disseminação da Aids, impedir as mortes maternas por abortos mal-feitos, etc. No entanto, esta política usa de meios ilícitos como a legalização das drogas, a tolerância (e até o incentivo) a seu uso, a legalização do aborto. No entanto, um princípio da doutrina católica diz que “a boa finalidade nunca pode justificar meios intrinsecamente ilícitos”. Esse ensinamento foi repetidamente mencionado por vários papas:

Nenhuma circunstância, nenhum fim, nenhuma lei no mundo poderá jamais tornar lícito um acto que é intrinsecamente ilícito, porque contrário à Lei de Deus, inscrita no coração de cada homem, reconhecível pela própria razão, e proclamada pela Igreja.
(Evangelium Vitae, 62)

 
(…) nunca é lícito, nem sequer por razões gravíssimas, fazer o mal, para que daí provenha o bem (18); isto é, ter como objeto de um ato positivo da vontade aquilo que é intrinsecamente desordenado e, portanto, indigno da pessoa humana, mesmo se for praticado com intenção de salvaguardar ou promover bens individuais, familiares, ou sociais.
(Humanae Vitae, 14)
Conferir também:

A solução que o católico deve defender para eliminar os prejuízos causados por comportamentos ilícitos está em atacar o mal pela raiz: as mortes maternas decorrentes de abortos mal-feitos só acabarão quando não houver mais abortos; as mortes por overdose e as guerras de traficantes só acabarão quando não houver mais demanda por entorpecentes; a proliferação da Aids só acabará quando as pessoas deixarem de assumir os comportamentos de risco pelos quais a doença é transmitida.

No entanto, essas sugestões são hoje consideradas “utópicas”, ou até impossíveis. O próprio Paulo VI advertia, na Humanae Vitae (n. 18), para as mentalidades contrárias ao ensinamento da Igreja. A popularidade da redução de danos, hoje, mostra que a sociedade está “jogando a toalha” –  ou, na felicíssima expressão do juiz federal Friedmann Wendpap, assumindo a “rendição aos danos” (Gazeta do Povo, 26/6/2007). Quem pensa desta maneira ignora completamente o sucesso das iniciativas do governo de Uganda, por exemplo, que propõe a castidade como maneira de conter a Aids.

Outras conseqüências da redução de danos

A Igreja Católica sempre ensinou que todas as pessoas têm igual dignidade de filhos de Deus. No entanto, quem propõe a redução de danos cria duas categorias diferentes de pessoas: aquelas que não merecem ser prejudicadas pelos erros dos outros (porque merecem ter uma vida boa) e as que podem se prejudicar à vontade (porque provavelmente não merecem ter uma vida tão boa quanto as pessoas do primeiro grupo). O promotor da redução de danos não se importa com a pessoa que acaba com sua saúde injetando cocaína, desde que ele não passe Aids para ninguém, ou que nenhum inocente leve uma bala perdida na cabeça depois de um tiroteio entre traficantes e polícia; o promotor da redução de danos não se importa se uma mulher mata seu filho, desde que não morra junto. É como se dissessem “Quer se entupir de droga? Vai, se entope, só não saia matando por aí ou passando Aids pros outros. Se você morrer de overdose (ou de Aids), azar o seu”, ou “quer matar seu filho? Vai, mate, só não morra junto. Se você passar o resto da vida se remoendo de culpa, azar o seu”. Em resumo, o promotor da redução de danos não dá a mínima para a pessoa que quer se degradar – pior ainda, o promotor da redução de danos quer que o Estado deixe, ou até incentive as pessoas a se degradarem à vontade, desde, claro, que não prejudiquem outros no processo.

Além disso, quem defende a redução de danos ri na cara de tantas pessoas e organizações que se dedicam especialmente à recuperação de dependentes químicos. Afinal, para que tanto esforço para levar essas pessoas a deixar a droga? Pela redução de danos, ela pode se drogar à vontade, só não pode estragar a vida dos outros. No entanto, o Papa Bento XVI mostrou como esse trabalho é importante ao visitar a Fazenda da Esperança, em Guaratinguetá. Com quem ficamos, com o Papa ou com os promotores da redução de danos?

E, por último, a redução de danos, como mencionado acima, reflete uma mentalidade permissivista, que tolera comportamentos degradantes (o aborto, o sexo livre, o uso de drogas). Essas pessoas alegam que agora é hora de propor o “possível”, no sentido de “no estado atual, é o que se pode fazer”. Mas o dever da Igreja e dos católicos não é propor o “possível”, mas sim propor o certo –   por mais impossível que pareça (“que pareça”, porque na realidade não é), por mais impopular que seja a proposta. No dia em que nos resignarmos a propor apenas o “possível”, estamos condenados. Porque a partir daí vai se criar uma espiral de decadência na qual o que é possível hoje já será visto como impossível daqui a 20 anos, quando então vão propor outro “possível”, que muito provavelmente será algo que atualmente é visto como absurdo. E assim, gradativamente os absurdos irão se tornando comuns, e a sociedade irá se acostumando com eles até regredir à barbárie.

Quando o Estado, por meio de seu ordenamento legal, criminaliza um comportamento, traça uma linha e passa ao cidadão um recado: “o lado de lá da linha não é bom para você nem para a sociedade”. É verdade que há Estados que já legalizaram atitudes que feriam a dignidade humana. Um exemplo é o apartheid. Foi um caso em que o Estado sul-africano traçou a linha no lugar errado: era permitido discriminar. É possível lembrar outros casos, mas todos têm algo em comum: invariavelmente nessas situações o Estado deslocou a linha para o sentido de maior permissividade: deixar brancos discriminar negros; deixar arianos exterminar judeus; deixar militares torturar suspeitos. A redução de danos propõe justamente deslocar novamente a linha para o lado mais permissivo. A experiência passada comprova exatamente a espiral de decadência mencionada anteriormente, e é esse risco que o Brasil não pode correr.

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