Por João Victor Deboni

“Parece-me que se uma florzinha pudesse falar, contaria simplesmente o que Deus fez para ela, sem procurar esconder os presentes por ele concedidos. Não diria, a pretexto de falsa humildade, que é feia e sem perfume, que o sol roubou-lhe o esplendor e que as tempestades quebraram-lhe o talo, quando está intimamente convencida do contrário. A flor que vai contar sua história se alegra em poder apregoar as delicadezas totalmente gratuitas de Jesus. Reconhece que nada havia nela capaz de atrair seus olhares divinos, e que somente sua misericórdia fez tudo que de bom há nela.” Santa Teresa de Lisieux
Essa é mais uma história real de uma conversão comum, mas de inefável significado particular. Quem viveu o encontro com nosso Senhor Jesus Cristo sabe exatamente o tamanho dessa importância. Com um mês e cinco dias de vida fui batizado na paróquia da cidade de São Sebastião do Caí, interior do estado do Rio Grande do Sul, em 4 de abril de 1982. Verdade seja dita, a celebração não passou de mera tradição popular, ainda que tenha operado as graças próprias do sacramento. Nossa família nunca frequentou a comunidade paroquial, tampouco participava das missas. Meus amados pais careceram de uma boa catequese, e nós sentimos muito por isso ao longo do tempo. Quando eu tinha nove anos de idade, nos mudamos para Porto Alegre.
Na adolescência, ao deparar-me com as questões existenciais, minha cosmovisão encontrou e aceitou o ateísmo – é muito mais fácil duvidar do que acreditar -, dando lugar a um agnosticismo frágil e irrefletido logo no início da fase adulta. Me tornei um convicto teísta aos 29 anos de idade, passando a crer e a meditar na existência de Deus após minha primeira experiência mística: uma fervorosa oração atendida. Tal crença avançou para a fé no Senhor Jesus Cristo quando de meus 33 anos, após a leitura do Novo Testamento e do livro do Profeta Isaías. Isso ocorreu no ano de 2015, quando me tornei adventista do sétimo dia, ingressando na denominação protestante onde permaneci até o ano de 2019.
Ser uma pessoa melhor sempre foi um objetivo sincero. A despeito de ter vivido uma juventude intensa e turbulenta, permeada por escolhas erradas, a vontade de me tornar alguém digno sempre esteve presente em meus pensamentos, ainda que eu não entendesse o que de fato era a dignidade. O senso de integridade importunava minhas reflexões, mostrando-me que eu era um homem errático, de valores relativos e inconstantes, marcado pela tibieza. O brado de minha consciência era eloquente, e pugnava para que eu mudasse de rota. Eu me sentia impelido, desejava reformar meus valores e modificar minhas condutas, de alguma forma. Isso era necessário, tanto para o meu próprio bem, quanto para o bem das pessoas que me cercavam, especialmente de minha esposa. Mas, eu me via fraco e impotente, sem saber por onde começar o que parecia ser uma verdadeira revolução interior. O tempo foi passando, e os valores foram se tornando mais claros. A voz das virtudes clamava em meu íntimo. Os vícios foram sendo desnudados, bem como as desordens todas, contra as quais passei a militar ainda que de modo incipiente e fraco. No mais das vezes, me via vencido pelas paixões.
Me tornei pai bastante cedo, aos 19 anos de idade. Orgulho-me muito de minha filha Laura, hoje uma mulher com 20 anos de idade, honrosa por sua retidão de caráter e pela caridade genuína que lhe é própria. Apesar desse extraordinário presente divino, que também foi-me providencial já que ajudou a endireitar em parte as veredas pelas quais eu andava, minha mente juvenil ainda cedia ao convite dos vícios e, não demorava, estava eu novamente coberto pela lama imunda do pecado, não obstante já ser um pai de família.
Olhando pelo retrovisor da vida, me vem à lembrança o exato momento em que foi lançada a semente do Evangelho em meu coração, bem como o chamado para compor o Corpo da Santa Igreja Católica – ainda que o tenha compreendido tardiamente.
Ingressei na faculdade de Direito no ano de 2004, pela PUCRS de Porto Alegre. No segundo semestre de 2007 iniciei a disciplina de Filosofia Jurídica, brilhantemente ministrada pelo digníssimo professor Elton, que viria a se tornar meu orientador por ocasião da conclusão do curso, em 2010. A disciplina foi pautada pelo tema central em torno do agir humano, tendo como escopo principal a teoria realista, de cunho aristotélico-tomista. Me lembro de jamais ter me dedicado a nenhuma outra matéria como me dediquei àquela. Durante as aulas, eu rascunhava tudo o que era dito pelo professor. Ao chegar em casa, tarde da noite, adentrava às madrugadas passando a matéria a limpo e lendo a bibliografia recomendada. Guardo até hoje o caderno que, por muito tempo, foi como que a minha “Bíblia”. Estava eu diante de uma exposição primorosa acerca da conduta humana, que parecia ser o norte que eu tanto anelava.
Concluída a cadeira, concordei com a quase totalidade do que me fora ensinado. Aprendi que o agir bom, aquele que nos leva à realização humana, é sempre pautado por princípios cardeais. Conforme assevera John Finnis, jusfilósofo tomista do qual o professor se valera, tais princípios são sete: 1) vida (saúde): 2) família (procriação, relacionamento e educação dos filhos); 3) conhecimento e excelência na realização de qualquer tarefa, 4) prudência; 5) amizade (no sentido de alteridade, de buscar a si no outro, sendo esse todo e qualquer semelhante); 6) justiça e 7) religião (ideia de religar-se à origem de tudo). Esses postulados não guardam nenhum tipo de ordem, ou valor maior ou menor entre si. São incomensuráveis, universais e atemporais.
Fui arrebatado e encantado pela forma lógica e simples com que matéria tão complexa fora exposta. Percebi que havia um caminho pelo qual trilhar em meu afã de tornar-me melhor; bastava exercitar o que aprendi em meu dia a dia, até que se tornasse hábito e, por conseguinte, virtude. Mas havia algo em meio a tudo o que se apresentava que não me era de fácil aceitação. O princípio que exortava para a religiosidade não me era familiar, ao passo que tive dificuldade para concebê-lo como algo que fizesse sentido. Diferentemente dos outros seis princípios, os quais prescindem da crença para dar-lhes suporte, a religião se consolida através da fé (que me faltava). Eis que surge a indagação: como posso alcançar a pretensa integridade sem observar esse princípio? Como ser íntegro e autêntico, moralmente, sem estar situado espiritualmente?
Tentei seguir em frente, sem a religião, guiado pela concepção particular e agnóstica acerca das questões transcendentais, tendo em vista apenas os outros seis princípios como balizadores morais. Acreditei que seria possível, então me esforcei para praticar o amor e a justiça guiado por minhas próprias experiências e pelos princípios cardeais que passaram a dar direção as minhas ações. Não tardou para que eu concluísse que a busca individual pelo aprimoramento pessoal não se limita a uma luta no âmbito interno. É preciso entender a realidade, que é dura. As relações humanas são difíceis. De fato o mundo é um vale de lágrimas. O mal e o pecado permeiam boa parte dos instantes de nossas vidas e as tentações estão em praticamente todos os lugares e ocasiões. Se o meu pecado está diante dos meus olhos, como bem referiu São Paulo, e isso nos é evidente, o pecado que está presente nas reuniões de grupos, nos coletivos, nas subcomunidades, bem como na comunidade universal, nos é igualmente claro e se estampa no noticiário, nas manchetes, restando escancarado nas janelas da vida. Quantas vezes me vi inclinado a desistir, levado a crer que não valia a pena a pretendida evolução. Meu estado miserável refletia uma pequeníssima parte de um mosaico borrado e sujo composto por todos os homens e mulheres da terra. Eis que logo estava eu diante de outra pergunta importante: mas o que pode sarar a humanidade?
Refletindo sobre o problema, percebi que o princípio aquele que eu renunciava dentre todos os sete que me foram ensinados naquela cadeira de filosofia talvez fosse a solução contra a degradação moral dos homens. A partir de então, tendo refletido acerca da religião, a religiosidade passou a fazer sentido quando a coloquei perante o problema da maldade e da imoralidade na perspectiva coletiva, compreendendo que o único remédio para as comunidades só pode ser a doutrina cristã, a anunciação do Reino de Deus, sem o que não teremos a menor chance de triunfar sobre os males de nossos tempos.
Minha segunda experiência mística foi vivenciada quando meu irmão procurou-me para contar que havia recebido uma revelação a meu respeito. Em setembro de 2014, meu querido irmão anunciou-me em um encontro familiar que algo importante estava por acontecer em minha carreira profissional. Cético, não atribuí relevância aquela conversa. Dois meses após, eu estava promovido. Tal acontecimento promoveu-me também na fé.
Tive que assentar residência em Miraguaí, cidade do interior do estado, onde fui carinhosamente acolhido pela comunidade local. Por lá laborei pelo tempo de dezesseis meses. Minha esposa e filhas permaneceram na Capital, nossa pequena Sofia já tinha três anos de idade. Ao longo desse período, passei a me dedicar à leitura da Bíblia e a frequentar estudos direcionados por um querido amigo adventista do sétimo dia, vindo a me batizar naquela denominação religiosa em outubro de 2015.
A leitura dos Evangelhos me colocou em contato direto com o Senhor Jesus Cristo. Passei a admira-Lo, a tentar imita-Lo, tanto quanto me era possível. Durante as noites solitárias, pranteava aos Seus pés todas as minhas culpas, expostas uma a uma diante de mim. Sua excelsa Luz iluminou minhas trevas, lançando clareza sobre os escombros do meu maculado passado e apontando para o caminho de saída, me concedendo a oportunidade de novidade de vida. Vida nova! A revolução que se iniciava em minha alma tornou-se latente. Eu estava cheio de amor por meu mais novo Amigo! O Arqueiro dos arqueiros atingira novamente o alvo, como tem feito ao longo de mais dois mil anos com todos aqueles que lhe abrem os ouvidos. Meu coração havia sido alcançado.
Após quatro anos vinculado à denominação protestante dos adventistas do sétimo dia, sustentei minha permanência naquela instituição, contrariamente a minha consciência, durante os últimos dez meses enquanto lá permaneci. O apreço pela leitura da Bíblia me levou a estudá-la, avidamente. Resultado disso foi a descoberta de uma quantidade enorme de incongruências entre o texto das Sagradas Escrituras e as doutrinas da denominação. Convencido de que o adventismo do sétimo dia é um sistema equivocado, não restou-me outra alternativa a não ser, em respeito à verdade e a minha consciência, despedir-me, o que oficializei através de carta datada do dia 31 de outubro de 2019, endereçada aos mais íntimos amigos adventistas e ao querido pastor que me batizou.
Ainda sem saber para onde Deus estava a me conduzir, voltei a estudar a filosofia tomista, chegando ao tema sublime da Teologia Católica. Nessa senda, fiz inúmeros amigos através dos meios virtuais, os quais tornaram-se como que meus novos pastores, sobretudo meus dóceis e caridosos professores. Sérgio e todos os demais, Deo Gratias por suas vidas!
Tendo passado em revista os assuntos que me afastaram da doutrina adventista, porém na perspectiva católica, percebia-me maravilhado a cada ponto, especialmente quanto ao Dia do Senhor. Os cinco princípios da revolta protestante, conhecidos como os cinco solas, foram tombando rapidamente, um a um. Além disso, deslumbrava-me compreender a virtude enquanto método prático para que os indivíduos ordenem-se a uma vida de santidade, moralmente boa e de combate aos vícios; o juízo particular e o juízo final; a história da Igreja a forjar a história da humanidade em torno dos ensinamentos apostólicos e evangélicos desde a era cristã; os sacramentos; as aparições de Nossa Senhora; os milagres eucarísticos, o poder do Santo Rosário, o paradigma da vida do santos; as histórias de conversão; o significado da Santa Missa e do Santíssimo Sacramento. Ó, que maravilha!
Ainda no ano de 2019, passei a frequentar a Missa. No momento da comunhão, eu me prostrava e desejava de todo o meu coração participar daquele Banquete. Eu queria demais receber Jesus Eucarístico. Pela graça de Deus, no ano seguinte passei a frequentar a catequese de adultos na Paróquia Nossa Senhora da Piedade, em Porto Alegre, preparatória para a Crisma. Cada aula era um encontro agradabilíssimo de aprendizado e irmandade com as professoras e meus colegas. Para a minha alegria, descobri que o professor Elton, meu orientador tomista, também frequentava aquela paróquia. Enquanto escrevo, não consigo conter o agradável riso que me vem ao rosto. Esse grande detalhe da providência divina me faz pensar que, se eu citasse nesse breve relato todos os sinais de Deus ocorridos ao longo de cada capítulo dessa história, ele deixaria de ser breve e passaria a exigir, quiçá, pelo menos mais uma dezena de páginas.
O único sacramento que eu tinha até então era o do Batismo. Ao final do ano de 2020, em um intervalo de cerca de sessenta dias, recebi os quatro sacramentos que me faltavam. Confessei-me, crismei, fiz minha tão desejada primeira comunhão… E em 12 de dezembro, dia de nossa Senhora de Guadalupe, após à Missa das 18h de sábado, casei-me sob a benção sacerdotal, após 21 anos de união com minha querida esposa, a mãe de nossas duas lindas filhas, heranças de Nosso Senhor. Para minha grata surpresa, na missa daquela tarde de sábado, antes da nossa cerimônia, avistei o professor Elton em um dos bancos. Não pensei duas vezes e fui ao seu encontro. Ao convidá-lo para que permanecesse para o casório, sua gentileza e simpatia se fizerem presente novamente diante de mim. Honrado, aceitou prontamente ao convite. Bem podem imaginar os caros leitores deste pequeno e singelo testemunho o quanto me senti agraciado por aquele momento, o qual sinalizou para mim, sem a menor sombra de dúvida, que Deus está a conduzir-me na minha sincera pretensão de trilhar caminhos de santidade. Sigo lutando contra minhas tendências, indigno e miserável que sou, no entanto, hoje sei com Quem e por onde devo andar.
Encontrei o Caminho. Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
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