Descrença religiosa no mundo

Presidente do Conselho de Cultura traça mapa da descrença

Entrevista com o presidente do Conselho Pontifício para a Cultura, Cardeal Poupard.

A descrença deixou de ser um fenômeno reduzido a alguns poucos indivíduos para converter-se em um fenômeno de massa», constata o cardeal Paul Poupard.

Ele declara que esta situação se dá «sobretudo nos países nos quais domina um modelo cultural secularizado».

O purpurado francês, nesta entrevista concedida a Zenit, traça o mapa da descrença religiosa no mundo, tema ao qual se dedicou a assembléia plenária do Conselho Pontifício para a Cultura, do qual ele é presidente, celebrada entre 11 e 13 de março no Vaticano.

–Mas não falam muitos sociólogos do «retorno ao sagrado»?

–Cardeal Paul Poupard: Muitos falam de um «retorno ao sagrado» sem detalhar que se trata mais do surgimento de uma nova religiosidade fraca, sem uma referência a um Deus pessoal, algo mais emotivo que doutrina. Assistimos à despersonalização de Deus. Esta nova religiosidade não coincide com um regresso à fé e constitui um autêntico desafio para o cristianismo.

–Que relação tem esta religiosidade com o ateísmo?

–Cardeal Paul Poupard: O ateísmo militante está retrocedendo no mundo, mas se dá um fenômeno de descrença prática que cresce em ambientes culturais impregnados de secularismo.

Trata-se de uma forma cultural que eu qualifico de «neopaganismo», na qual a religião constitui uma idolatria dos bens materiais, um sentimento religioso mais bem panteísta, que se encontra muito a gosto com teorias cosmológicas, como as da Nova Era.

Evidentemente é necessário refletir sobre este fenômeno que é típico das culturas secularizadas do Ocidente.

–Quais são os resultados do estudo realizado com motivo da assembléia do Conselho Pontifício para a Cultura?

–Cardeal Paul Poupard: As situações mudam segundo os países e os continentes. Na África, a descrença afeta a população de origem européia e seu influxo se faz sentir nas grandes cidades. Em um país como a África do Sul há mais de seis mil Igrejas diferentes. É difícil, portanto, falar de descrença.

Na América do Norte, nos Estados Unidos, os ateus declarados são 1%, enquanto que os «sem Igreja» são 15%. A maior parte dos cidadãos americanos reza, enquanto que só 1% declarou que não reza nunca.

Na América Latina, Cuba é o único país no qual ainda está no poder em regime controlado por grupos maçônicos de orientação anticlerical. Pois bem, 90% dos mexicanos são católicos e 100% devotos da Virgem de Guadalupe. Isto dá uma idéia das raízes profundas da religiosidade popular.

Na América Central, a piedade popular resiste às sirenas do modelo secularizado. No Brasil, onde se encontra o maior número de católicos do mundo, assistimos à passagem de fiéis da Igreja Católica para outros grupos cristãos. Nos anos cinqüenta os católicos eram 93,5%, hoje são 73,8%. No mesmo período, as igrejas cristãs passaram de 0,5% para 15%.

Na Argentina, 4% da população se declara atéia e 12% agnóstica.

Na Ásia a situação é muito diferente: como comentou um bispo asiático, «não se dá o fenômeno da descrença, pois não há nenhuma crença».

No Japão, por exemplo, existe um verdadeiro supermercado das religiões: se somarmos o número dos xintoístas, taoístas, budistas e cristãos, temos uma porcentagem de 125% da população, pois muitos afirmam seguir várias religiões.

Nas Filipinas, único país da Ásia de grande maioria cristã, com 82,9% de católicos e 4,57% de muçulmanos, só 0,3% deixa vazio o espaço dedicado à religião.

A Coréia do Sul é um país interessante, com o maior número de conversões ao catolicismo.

–Mas, então, onde se dá o fenômeno da descrença?

–Cardeal Paul Poupard: Notícias preocupantes chegam da Europa, com importantes diferenças entre a área mediterrânea, o centro e o norte.

Na Itália, 4% se declaram ateus, 14% indiferentes, a maioria crente, mas só participa de vez em quando na vida da Igreja.

Na Espanha, acontece um processo de pulverização cultural e religiosa apoiado pelos governos de cultura socialista.

Na Europa Central nos encontramos com os três países que declaram o número mais elevado de pessoas sem religião: Bélgica com 37%, França com 43% e os Países Baixos com 54%.

A França continua sendo o país com o maior número de ateus: 14%. Neste caso, sinto a tentação de fazer uma comparação com o final do Império Romano.

No Reino Unido, 77% da população se declaram cristãos. Os anglicanos são a maioria, mas o número de católicos que vai à Igreja supera o dos anglicanos em números absolutos. Em Grã-Bretanha, 14% afirmam que não têm religião.

Nos países escandinavos, Islândia, Dinamarca, Suécia, Noruega, os católicos são uma minoria que cresce à chegada de novos imigrantes de Filipinas e Coréia.

Na Dinamarca, as pessoas sem religião são 11% e 11,6% na Noruega, e 12,7% na Finlândia. Nestes países por uma parte se dá a secularização; por outra se constata o culto da natureza de influências pagãs, segundo as quais a natureza é sagrada.

Na Alemanha há que distinguir entre o leste e o ocidente. 60% na ex-república do leste declaram não ter religião, enquanto que no ocidente esta porcentagem é de 15% e se dá sobretudo nas grandes cidades.

Na Polônia os não-crentes são muito poucos, mas se pode dizer que ao materialismo marxista lhe está substituindo o materialismo consumista, e esta é a maior preocupação.

Na Hungria, dos dez milhões de habitantes, tão só 887 pessoas se declaram atéias, mas a maior parte da população vive a religião a seu modo.

Na República Tcheca, a metade da população se considera atéia ou sem confissão religiosa, enquanto que a Eslováquia é em sua maioria católica.

–Que se pode dizer estatisticamente falando dos países islâmicos?

–Cardeal Paul Poupard: Nos países de maioria islâmica não há dados de confiança, pois se não se é crente não se pode dizer. Mas por esse motivo os números são falsos.

–Que conclusões o senhor tira depois de traçar este mapa?

–Cardeal Paul Poupard: O ateísmo militante retrocede, mas diminui a pertença ativa à Igreja. A descrença não cresce no mundo, com a exceção dos países nos quais está presente o modelo cultural secularizado.

Cresce a indiferença religiosa sob a forma de ateísmo prático. Desde o ponto de vista pastoral, o mais preocupante é que a descrença está avançando inclusive entre as mulheres. Durante milênios a fé foi transmitida na família pelas mães, enquanto que agora assistimos a uma fratura.

Também se dá um fato novo: cresce o ser humano indiferente, ou seja, o homem ou a mulher que pode crer sem pertencer e pertencer sem praticar.

Aumenta o número de quem diz ser religioso mas não vai à Igreja e que crê em toda uma série de práticas que em ocasiões formam parte do terreno mágico.

–Ante esta situação, há sinais de esperança para a Igreja Católica?

–Cardeal Paul Poupard: Certamente. Sublinho, sobretudo, os novos movimentos religiosos, neocatecumenato, focolares, Comunhão e Libertação, Renovação Carismática… Desde há um quarto de século constatamos a expansão numérica e geográfica que experimentaram. Encontro-me com eles em todo o mundo e cresceram também em intensidade e profundidade espiritual.

Trata-se de uma reação suscitada pelo Espírito Santo para responder à cultura secularizada. No momento no qual parece que se dá uma dissolução, apresentam um intenso sentido de agregação e de pertença, testemunham uma forte religiosidade, arraigada no encontro eclesial e pessoal com Cristo: nos sacramentos e na oração, na liturgia, na celebração da Eucaristia.

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