Ninguém merece!

Nós, que já nos afastamos de Deus e da Igreja, ou que mesmo não tendo nos afastado passamos por um momento de tibieza, tendo finalmente achado o caminho de volta, ao reconhecermos: “Meu pai, pequei contra o céu e contra ti” [1](Lc 15,18), fomos envolvidos pelo amor e pela misericórdia de Deus. Pedimos o tratamento de servos, pois nos sabemos indignos, mas Ele nos recebe como filhos. Pensamos: “Senhor, eu não mereço !” – e é a mais completa verdade.

Na verdade, nenhum de nós – ninguém – merece. Mesmo! Tudo nos foi dado pela Graça. Segundo o Catecismo da Igreja Católica (doravante denominado CIC), Graça é “o favor, o socorro gratuito que Deus nos dá para responder a seu convite: tornar-nos filhos de Deus, filhos adotivos, participantes da natureza divina, da Vida Eterna”[2]. Outra conhecida definição de Graça a conceitua como um dom sobrenatural e interior de Deus, que reside e opera na alma[3].

Mas, nada de bom que fazemos é levado em conta? Pode-se dizer com certeza que sim, mas há que atentar que os critérios de Deus não são os nossos. Mesmo nossos poucos méritos vêm, em última instância, da Graça, uma vez que a iniciativa pertence a Deus: “ninguém pode merecer a graça primeira, na origem da conversão, do perdão e da justificação. Sob a moção do Espírito Santo e da caridade, podemos em seguida merecer para nós mesmos e para os outros as graças úteis à nossa santificação”[4]. O primeiro passo no caminho do bem, portanto, já é obra da Graça, que nos prepara para acolher a Graça. A partir de então, podemos acumular algum mérito próprio, mas que sempre será insuficiente diante da infinidade de dons com que nos cumula Deus.

Isso não quer dizer, no entanto, que não precisamos “fazer por onde”. Deus requer a nossa adesão à Sua vontade, ou, como diz o CIC: “A livre iniciativa de Deus pede a livre resposta do homem”.[5]Ora, é comumente dito em nosso meio que a conversão é obra de um momento, a santificação é obra de uma vida inteira. Então, cabe a nós mantermos sempre o canal da Graça ‘aberto’, para que opere em nós, incitando-nos a uma fé maior, renovando-nos a esperança e inflamando-nos a caridade.

O livre-arbítrio, pela adesão ao projeto de Deus para nós, consegue que façamos o que nos foi ordenado – evitar o pecado e realizar a vontade divina – com o auxílio da Graça.[6] O que nos cabe? A busca dos sacramentos, a vivência dos valores do Evangelho em todos os ambientes em que nos encontremos – começando pela nossa própria casa – e, principalmente, a nutrição de nossa alma pela oração diária, na qual devemos dirigir a Deus petições de que nos conserve na sua Graça.

Se cairmos, não devemos nos espantar. Somos criaturas caídas, inclinadas a nos deixarmos levar pela tentação, filhos de Adão e Eva. Essa condição, no entanto, apesar de explicar nossas faltas, não as desculpa. A atitude correta é a de humildade em relação às nossas faltas, sendo pacientes, rezando com constância, pedindo cada vez mais a ação da Graça em nossa vida, a fim de que possamos ser restaurados e incitados cada vez mais em nossa fé[7].

Importante ressaltar que há uma grande diferença entre obter a Graça e merecer a Graça. Pela oração, obtêm-se de Deus grandes coisas. A oração, que não está fundamentada no grau de santidade do orante, apela à misericórdia de Deus, que, havendo conveniência, atende a quem O ama[8].

Se não merecemos a Graça, por que nos é concedida? Pensemos: Deus não é um ‘justo juiz’? Como deixaria passar ’em branco’ nossos inúmeros erros e insuficiências, nossa indignidade? Tal pareceria injusto até mesmo pelos critérios humanos. A fim de satisfazer a justiça divina, foi necessário que Jesus Cristo morresse na Cruz, a fim de merecer para nós a Graça,[9]que cura nossa alma do pecado, santificando-a.

Por fim, é importante que se saiba que – literalmente – o cristão ‘não veio ao mundo a passeio’: o caminho da santificação passa pela cruz, pela renúncia, pelo cultivo das virtudes, pela ascese e pela mortificação. Que ninguém ouse pensar, em delírio de auto-suficiência, que pode trilhar tal caminho por si só; o caminho da perfeição se percorre pela Graça, que é o próprio Cristo, que faz dom de Si mesmo aos homens, e que diz: “sem mim nada podeis fazer”[10](Jo 15,5).

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NOTAS: [1] Versão: Bíblia Ave-Maria. * [2] Catecismo da Igreja Católica. 11ª ed. Reimpres. São Paulo: EDIÇÕES LOYOLA, 2004, §1996. * [3] TRESE, Leo John. A Fé Explicada. 7ed. São Paulo, Quadrante, 1999, p.91. * [4] CIC, §2010. * [5] Ibidem §2002. * [6] AGOSTINHO, Santo. Bispo de Hipona, 354-430. A Graça (I), São Paulo: Paulus, 1998, p.243. * [7] KNOX, Ronald. Deus e Eu. Quadrante: São Paulo, 1987, p-86/89 * [8] BETTENCOURT, Pe. Estêvão Tavares. Curso sobre a Graça. Escola Mater Ecclesiae. p. 124 * [9] TRESE, Op. Cit., p.92 * [10] Versão: Bíblia Ave-Maria.

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