Declaração
“O MISTÉRIO DO FILHO DE DEUS”
para salvaguardar de erros recentes a fé nos mistérios da Encarnação e da Santíssima Trindade.
1. É necessário que o mistério do Filho de Deus feito homem e o mistério da Santíssima Trindade, que fazem parte das verdades principais da Revelação, iluminem, com a pureza da sua verdade, a vida dos cristãos. Mas, como estes mistérios foram impugnados por alguns erros recentes, a Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé tomou a decisão de recordar e salvaguardar a fé transmitida sobre estes mesmos mistérios.
2. A fé católica no Filho de Deus feito homem
Jesus Cristo, durante a sua vida terrestre, manifestou, de diversos modos, com as palavras e com as obras, o mistério adorável da Sua pessoa. Depois de se ter tornado “obediente até a morte” (Filipenses 2,8), foi exaltado pelo poder de Deus, na ressurreição gloriosa, como convinha ao Filho “por meio do qual tudo foi criado pelo Pai” (1Coríntios 8,6). A respeito dEle, São João afirmou Solenemente: “No princípio já existia o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus… E o Verbo fez-se homem” (João 1,1 e 14; cfr. 1,18).
A Igreja conservou sempre, santamente, a fé no mistério do Filho de Deus feito homem, transmitindo?a “no decurso dos anos e dos séculos” (I Concilio Vaticano, Dei Filius, c. 4; DS 150), com uma linguagem cada vez mais explícita. Com efeito, no Símbolo de Constantinopla, que até hoje é recitado na celebração eucarística, ela professa a sua fé “em Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos… Deus verdadeiro de Deus verdadeiro… da mesma substância do Pai… que por nós homens, e pela nossa salvação… se fez homem” (Missal Romano; DS 150). O Concílio de Calcedônia decretou que se devia crer que o Filho de Deus foi gerado pelo Pai, segundo a Sua divindade, antes de todos os séculos, e nasceu, no tempo, de Maria Virgem, segundo a Sua humanidade (cfr. Concílio de Calcedônia, Definição; DS 391). Além disso, este mesmo Concilio atribuiu o termo ‘pessoa’ ou ‘hypostasis’ ao único e mesmo Cristo, Filho de Deus, usando, porém, o termo ‘natureza’ para designar a Sua divindade e a Sua humanidade. Com estas palavras, ensinou que estão unidas, na única pessoa do nosso Redentor, as duas naturezas, divina e humana, sem confusão e sem mudança, sem divisão e sem separação (cfr. ibid., 302). Do mesmo modo, o IV Concílio de Latrão ensinou que se deve crer e professar que o Filho Unigênito de Deus, eterno como o Pai, se tomou verdadeiro homem e é uma só pessoa em duas naturezas (cfr. IV Concílio de Latrão, Firmiter credimus; DS 800s.). Esta é a fé católica que o II Concílio do Vaticano, de acordo com a Tradição constante de toda a Igreja, ensinou recentemente com muito clareza em numerosas passagens dos seus documentos[1].
3. Alguns erros recentes sobre a fé no Filho de Deus feito homem
São claramente opostas a esta fé as opiniões segundo as quais não nos foi revelado e nem se sabe que o Filho de Deus subsiste ‘ab aeterno’, no mistério de Deus, distinto do Pai e do Espírito Santo; e também as opiniões segundo as quais não tem sentido a afirmação de que Jesus Cristo tem uma só pessoa, gerada, antes dos séculos, pelo Pai, segundo a natureza divina, e, no tempo, de Maria Virgem, segundo a natureza humana; e, por fim, a asserção segundo a qual a humanidade de Jesus Cristo existe não como assumida na pessoa eterna do Filho de Deus, mas em si mesma, como pessoa-humano, e, por conseguinte, o mistério de Jesus Cristo consiste no fato de Deus se revelar presente de um modo supremo na pessoa humana de Jesus.
Aqueles que pensam assim estão longe da verdadeira fé em Cristo, mesmo quando asseverem que a singular presença de Deus em Jesus faz com que Ele seja a expressão suprema e definitiva da revelação divina, e não recuperam a verdadeira fé na divindade de Cristo, quando acrescentam que Jesus pode ser chamado Deus, porque Deus está sumamente presente naquela pessoa a que eles chamam a Sua pessoa humana.
4. A fé católica na Santíssima Trindade e no Espírito Santo
Quando se nega o mistério da pessoa divina e eterna de Cristo, Filho de Deus, também se negam a verdade da Santíssima Trindade e, com ela, a verdade do Espírito Santo, que procede ‘ab aeterno’ do Pai e do Filho, ou, por outras palavras, do Pai pelo Filho (cfr. Concílio de Florença, Laetentur caeli; DS l300). Por isso, considerando os erros recentes sobre esta doutrina, devem ser recordadas algumas verdades de fé na Santíssima Trindade e, particularmente, no Espírito Santo.
A segundo carta aos Coríntios termina com esta admirável fórmula: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunicação do Espírito Santo sejam com todos vós” (2Coríntios 13,13). No mandato de batizar, referido pelo Evangelho de São Mateus, são nomeados o Pai, o Filho e o Espírito Santo, como três que fazem parte do mistério de Deus e em cujo nome os novos fiéis devem ser regenerados (cfr. Mateus 28,19). Por fim, no Evangelho de São João, Jesus fala da vinda do Espírito Santo, deste modo: “Mas, quando vier o Consolador, que vos hei de enviar da parte do Pai, o Espírito da Verdade, que procede do Pai, Ele dará testemunho de Mim” (João 15,226).
Baseando-se nos dados da divina revelação, o Magistério da Igreja, o único que recebeu “a missão de interpretar autenticamente a Palavra de Deus escrita ou transmitida” (II Concílio do Vaticano, Dei Verbum, n. 1O), professou, no Símbolo de Constantinopla, a sua fé “no Espírito Santo que é Senhor e dá a vida… e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado” (Missal Romano; DS 150). Igualmente, o IV Concilio de Latrão ensinou a crer e a professar “que um só é o verdadeiro Deus… Pai e Filho e Espírito Santo: três pessoas, mas uma única essência… o Pai que não procede de ninguém, o Filho que procede somente do Pai, e o Espírito Santo que procede igualmente de ambos, sempre sem início e sem fim” (IV Concílio do Latrão, Firmiter Credimus; DS 800).
5. Alguns erros recentes sobre a Santíssima Trindade e, particularmente, sobre o Espírito Santo
É contrária à fé a opinião segundo a qual a revelação nos deixa em dúvida sobre a eternidade da Santíssima Trindade e, particularmente, sobre a existência eterna do Espírito Santo, como pessoa distinta, em Deus, do Pai e do Filho. É verdade que o mistério da Santíssima Trindade nos foi revelado na economia da salvação, principalmente em Cristo, que foi enviado ao mundo pelo Pai e que, juntamente com o Pai, envia ao Povo de Deus o Espírito que vivifica. Mas, por meio desta revelação, foi dada aos fiéis também a possibilidade de conhecer de algum modo a vida íntima de Deus, na qual “o Pai que gera, o Filho que é gerado e o Espírito Santo que procede” são “da mesma substância, iguais, do mesmo modo onipotentes e eternos” (ibid.).
6. Os mistérios da Encarnação e da Santíssima Trindade devem ser fielmente conservados e explicados
O que é expresso nos documentos conciliares acima citados sobre o único e mesmo Cristo Filho de Deus, gerado, antes dos séculos, segundo a natureza divina, e, no tempo, segundo a natureza humana, e sobre as pessoas eternas da Santíssima Trindade, pertence à verdade imutável da fé católica.
Isto não impede, certamente, que a Igreja considere como seu dever, levando também em consideração os novos modos de pensar dos homens, não deixar de envidar esforços, a fim de que os mencionados mistérios sejam aprofundados, por meio da contemplação da fé e da investigação dos teólogos, e mais amplamente explicados, de um modo adequado. Mas, quando se cumpre a necessária tarefa de investigar, é preciso evitar diligentemente que estes mistérios arcanos sejam considerados num sentido diverso daqueles segundo o qual “a Igreja os entendeu e entende”[2].
A verdade intacta destes mistérios é de suma importância para toda a revelação de Cristo, porque eles de tal modo fazem parte do seu núcleo, que, se forem alterados, também será falsificado o resto do tesouro da fé. A verdade destes mesmos mistérios é igualmente importante para a vida cristã, porque nada manifesta tão bem a caridade de Deus, da qual toda a vida dos cristãos deve ser uma resposta, como a Encarnação do Filho de Deus, nosso Redentor (cfr. 1João 4,9S), e também porque “aprouve a Deus, na Sua bondade e sabedoria, revelar-se a Si mesmo e tornar conhecido o mistério da Sua vontade, por meio do qual os homens, através de Cristo, Verbo Encarnado, têm acesso ao Pai no Espírito Santo e n’Ele se tornam participantes da natureza divina” (II Concílio do Vaticano, Dei Verbum, n. 2; cfr. Efésios 2,18; 2Pedro 1,4).
7. Portanto, com respeito às verdades que a presente Declaração defende, é dever dos Pastores da Igreja exigir a unidade na profissão de fé do seu povo e, principalmente, daqueles que, em virtude do mandato que lhes foi confiado pelo Magistério, ensinam as ciências sagradas ou pregam a Palavra de Deus. Este dever dos Bispos faz parte do múnus que, divinamente, lhes foi confiado: de “conservar puro e integro o depósito da fé”, em comunhão com o sucessor de Pedro, e de “anunciar incessantemente o Evangelho” (Paulo VI, Exortação Apostólica Quinque jam Anni; em A.A.S. 68, 1971, 99, e em: O.R. ed. port., 10 de janeiro de 1971, p. 9). Por causa do mencionado múnus, são obrigados a não permitir que os ministros da Palavra de Deus se afastem da sã doutrina e a transmitam corrompida ou incompleta[3]. Com efeito, o povo confiado aos cuidados dos Bispos, e “do qual” eles “são responsáveis diante de Deus” (Paulo VI, ibid.), goza do “direito irrevogável e sagrado” de “receber a Palavra de Deus, da qual a Igreia nunca deixou de adquirir uma compreensão cada vez mais profunda” (ibid.).
Além disso, os cristãos, e, principalmente, os teólogos, por causa do seu importante ofício e do seu necessário serviço na Igreja, devem professar fielmente os mistérios que são recordados na presente Declaraç?o, igualmente, sob a ação e a luz do Espírito Santo, os filhos da Igreja devem aceitar toda a doutrina da Igreja, sob a guia dos seus Pastores e do Pastor da Igreja universal[4], de modo que haja “uma singular colaboração de Pastores e fiéis, na conservação, no exercício e na profissão da fé recebida”[5].
O Sumo Pontífice, por divina Providência Papa Paulo VI, na audiência concedida, no dia 21 de fevereiro de 1972, ao subscrito Prefeito da Sagrado Congregação para a Doutrina de Fé, ratificou e confirmou esta Declaração que visa a salvaguardar a fé nos mistérios da Encarnação e da Santíssima Trindade, e ordenou que fosse publicado.
Roma, Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, 21 de fevereiro de 1972, festa de São Pedro Damião.
FRANJO Cardeal SEPER
Prefeito
PAUL PHILIPPE
Arcebispo titular de Heracleópolis Magna
Secretário
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NOTAS
[1] Cfr. II Concílio do Vaticano, Lumen Gentium, nn. 3, 7, 52, 53; Dei Verbum, nn. 2 e 3; Gaudum et Spes, n. 22: Unitatis Redintegratio, n. 12; Christus Dominus, n. 1 ; Ad Gentes, n. 3; Paulo VI, Solene Profissão de Fé, em: A.A.S. 60, 1968, 437. * [2] I Concílio do Vaticano, Dei Filius, c. 4, can. 3: DS 3043; João XXIII, Alocuç?o na abertura do II Concílio do Vaticano, em: A.A.S., 54 1962, 792; II Concílio do Vaticano, Gaudium et Spes, n. 62; Paulo VI, Solene Profiss?o de Fé, 4, em: A.A.S. 60, 1968, 434. * [3] Cfr. 2Timóteo 4,1-5; Paulo VI, ibid.; Sínodo dos Bispos, Assembleia de 1967, Relatório da Comissão Sinodal constituída para o exame das opiniões perigosas e do ateísmo, II,3,3, em O.R. 30-31 de outubro de 1967, p. 3. * [4] Cfr. II Concílio do Vaticano, Lumen Gentium, nn. 12 e 25; Sínodo dos Bispos, Assembleia de 1967, ibid. II,4. * [5] II Concílio do Vaticano, Dei Verbum, n. 10.
- Fonte: Revista Pergunte e Responderemos nº 151, págs. 316-321, jul./1972.