O que é Relativismo?

O relativismo trata, primeiramente, de uma postura epistêmica, que rechaça qualquer verdade absoluta. Para os defensores desta doutrina, a veracidade ou a validez dos discursos depende de circunstâncias e elementos sociais ou convencionais. Só em um segundo momento o relativismo refere-se a uma abordagem ética, que faz depender o juízo acerca do bem e do mal práticos de circunstâncias extrínsecas à ação do sujeito. O relativismo é, portanto, uma tese filosófica, de origem gnoseológica ou ética. Portanto, o relativismo não se deduz de qualquer experiência ou dado empírico, como quer fazer pensar o discurso estabelecido nas universidades.

Tecnicamente, o relativismo decorre de uma abordagem metodológica, que tem como fundamento o pessimismo epistêmico. Recentemente, esta postura ganhou força com Thomas Kuhn. Alguns críticos chamaram essas abordagens de relativismo ou irracionalismo metodológico[1], além de confirmar o pessimismo no que diz respeito à capacidade cognitiva da razão humana[2].

A origem do pensamento relativista pode ser identificado com a reflexão sofista de Protágoras: se “o homem é a medida de todas as coisas“, não há um critério objetivo para a verdade. Levado a sério, o relativismo recai em uma postura cética, que desacredita no valor objetivo da verdade. Aplicado ao discurso científico, o relativismo faz com que a ciência seja uma disputa política, importando apenas o atendimento de escolas e grupos.

Uma expressão suficiente do pessimismo ou relativismo epistêmico é a afirmação de que não é possível alcançar qualquer verdade ou que a capacidade cognitiva do homem é superestimada. Ora, como esta afirmação não decorre de qualquer experimento ou formalização, sua natureza é filosófica. Portanto, pode ser analisada quanto à sua veracidade. O relativismo sustenta que durante a história da humanidade não houve qualquer princípio epistêmico que se tivesse mantido incontestável. No entanto, a afirmação relativista não é de simples aceitação.

Caso se aceite a premissa relativista, porém, a validade de suas asseverações sofre problemas. Se, de fato, como sustenta o relativismo, não é possível alcançar qualquer conhecimento verdadeiro, também seria impossível para o relativismo sustentar o que afirma. Afinal, tal juízo pretende ser verdadeiro. O relativismo é autofágico: aceitando suas premissas e aplicando-as, ele se autoconsome. De modo mais claro: se a verdade depende de alguma circunstância, a verdade do princípio relativista também dependerá, tornando relativa a aplicação do princípio. Logo, o relativismo epistêmico não pode ser sustentado sem se contradizer.

No campo religioso, o relativismo deixa consequências desastrosas. Como essa doutrina nega a possibilidade de encontro da verdade, qualquer conhecimento de Deus ou qualquer reflexão racional sobre o religioso fica vedado. Com efeito, o pensamento de matiz relativista reduz a prática religiosa à fé do crente, como se o religioso não fosse alguém que raciocina sobre sua fé, alguém que é capaz de meditar sobre suas crenças. A dedução desta postura subjetivista da fé é que o crente não pode exigir que sua fé seja professada fora de seus muros. A fé não pode ser exteriorizada pois é de cunho estritamente pessoal. Religião é assunto de foro íntimo e deve continuar assim, dizem polidamente os relativistas.

Ocorre, no entanto, que o relativismo é um engodo. Se aplicado a si mesmo, não resiste e tomba sem sentido. Certamente a fé possui um aspecto subjetivo. No entanto, a fé não se limita ao aspecto pessoal. Em outro artigo já foi falado sobre a Fé que exige compreensão (Bento XVI e a Fé Privada). Com efeito, contrariamente ao que sustenta o relativismo, a fé é um ato humano e exige a concorrência da vontade e da inteligência na sua execução (Em que creem os ateus???).

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NOTAS

[1] Denomina-se irracionalismo metodológico a perspectiva que atribui a propriedades estranhas ao método da ciência a competência para decidir as questões propriamente científicas. J. L. Heilbron afirma que as ciências naturais utilizam-se muito mais de critérios exteriores do que se imagina: “[…] the apparent authority of historical example to show that major conceptual shifts in the natural sciences are effected not by logical arguments alone but also by appeals to worldviews, religion, metaphysical commitments, notions of simplicity and order, and so on”. Cf. HEILBRON, J. L. Thomas Samuel Kuhn: 18 july 1922 – 17 june 1996. In: Isis: vol. 89, 1998, p. 505. Maiores razões há para afirmar o irracionalismo metodológico a partir do próprio texto de Kuhn, como se pode ver: “Para descobrir como as revoluções científicas são produzidas, teremos, portanto, que examinar não apenas o impacto da natureza e da Lógica, mas igualmente as técnicas de argumentação persuasiva que são eficazes no interior dos grupos muito especiais que constituem a comunidade dos cientistas […]. Observe-se primeiramente que, se existem tais razões (para descobrir a natureza das revoluções científicas), elas não derivam da estrutura lógica do conhecimento científico”. Cf. KUHN, Thomas. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva, 2001, pp. 128-129.
[2] Ainda que Thomas Kuhn tenha tentado desfazer a impressão de irracionalismo gerada pela sua obra, muitos associarão à sua bibliografia a defesa do irracionalismo científico, ou da debilidade da razão. Contra esta interpretacão da sua obra escreveu Kuhn, na narrativa de Imre Lakatos e Alan Musgrave: “Again, while accepting that his own account of the development of science shares a good deal with that of Feyerabend, Kuhn added that describing that account (as Feyerabend, of course, did) ‘as a defence of irrationality in science seems to me not only absurd but vaguely obscene’”. Cf. LAKATOS, Imre; MUSGRAVE, Alan. Criticism and the Growth of Knowledge. Cambridge: Cambridge University Press, 1965, p. 264.

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