O presente artigo foi extraído do sermão dado pelo Pe. Ivan Chudzik, IBP no Sermão para o V domingo após a Epifania em Brasília, no dia 06/02/2022, na Capela Nossa Senhora das Dores.

 

Por Pe. Ivan Chudzik, IBP

 

A nossa adesão ao Rito Romano Tradicional está muito além de uma mera rejeição dos abusos litúrgicos. A nossa adesão não se reduz sequer à busca de sacralidade, ainda que o respeito pelas coisas santas seja uma condição indispensável para que uma liturgia agrade a Deus e santifique a nossa alma.

 

Então vale repetir: nós não aderimos ao Rito Romano Tradicional simplesmente porque fugimos de certos abusos, ou meramente porque procuramos a veneração pelas coisas santas. A nossa adesão ao Rito Romano Tradicional é para nós claramente uma questão de fé.

 

Dom Guéranger, abade beneditino que no século XIX foi um dos maiores expoentes da restauração do canto gregoriano, ele disse que “a liturgia é a Tradição em seu mais alto grau de poder e de solenidade”. E nisto ele concorda com o famoso orador sacro do século XVII Monsenhor Bossuet para quem a liturgia é o principal instrumento da Tradição da Igreja, assim como é a Tradição professada. Porque enquanto o Magistério define as verdades de fé, a Liturgia a confessa, a Liturgia a professa. E por isso mesmo, ela é a Tradição professada.

 

É por esse motivo que, quanto mais antigo e mais difundido for um rito católico, mais peso, mais autoridade esse rito possui, porque maior é a conexão desse rito com a Tradição apostólica. E como o Rito Romano é o mais antigo e o mais difundido dos ritos católicos, e como ele procede da igreja mais importante que é a igreja de Roma, ou seja, a Diocese de Roma, que é a Diocese do Sucessor de Pedro, isso quer então dizer então que o Rito Romano é a expressão mais autorizada e mais solene da Tradição da Igreja.

 

A consequência desses princípios, caros fiéis, não pode ser outra: a crise eclesial e litúrgica que atravessamos não começa com a revogação do motu próprio de Bento XVI sobre o Rito tradicional; a crise que atravessamos começa décadas antes, nos anos 1960, quando se pretendeu reformar o Rito Romano e substituí-lo por outra “lei da oração”, por outra “expressão orante da Tradição”, se assim podemos dizer, porque a simples pretensão de homens eruditos, de liturgistas, de ter encontrado supostamente, por meio de seus estudos, os costumes da Igreja primitiva, menosprezando tudo aquilo que nos foi transmitido pela tradição como produto de um equívoco, enfim, a simples pretensão desses eruditos de substituir o missal tradicional por suas conjecturas pessoais, por suas hipóteses pessoais sobre as origens da Igreja, essa pretensão já é um sinal de perda de fé, a fé de que o Espírito Santo nunca deixou de assistir a Igreja, ainda que o número dos seus fiéis possa diminuir em tempos de apostasia como são os nossos. E aqui cabe citar uma autoridade insuspeita sobre a questão, o então Papa Bento XVI, que em uma de suas catequeses faz a seguinte observação: “A liturgia não é algo construído por nós, algo inventado para fazer uma experiência religiosa por certo período de tempo.” (14 de maio de 2008)

 

Se mesmo um Papa que viveu o tempo da transição do antigo para o novo missal é capaz de reconhecer com sinceridade, por meio dessa e de outras declarações suas, que as pretensões dos anos 1960 estavam equivocadas, nós temos todo o direito de aderir ao Rito tradicional não por um motivo estético, não por uma preferência religiosa pessoal, não porque fugimos de abusos ou procuramos a veneração pelas coisas santas, mas por um motivo muito superior: porque se trata de uma questão de fé; porque se esse rito caducou, então é a nossa fé divina e apostólica que caducou, e isso é absolutamente inadmissível.

 

Portanto, caros fiéis, daqui por diante, mais do que nunca, devemos estar prontos, como nos exorta o príncipe dos apóstolos, a dar as razões da nossa esperança: a esperança de que Nosso Senhor já venceu o mundo pela Sua Paixão e Morte na cruz; a esperança de que a Igreja também sairá vitoriosa dessa crise sem precedentes que é a Paixão do Corpo Místico de Cristo, que é o eclipse da glória da Igreja, que é um novo tempo de martírio, martírio alcançado não pelo sofrimento físico, mas pelo sofrimento moral, pela dor, pela tristeza de testemunhar os mais audaciosos ataques contra tudo o que há de mais sagrado na Igreja, a começar pela sua Liturgia, e resistir a essa destruição com uma paciência e uma perseverança heróicas, para que, ao final de nossa vida, Nosso Senhor queira recompensar a nossa fidelidade à doutrina e a nossa caridade para com os inimigos da Igreja com a visão da Liturgia dos Anjos e dos Santos na Jerusalém celestial.

 

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