Respondendo objeções protestantes contra o Primado de Pedro (Parte 2/2)

Dou continuidade à segunda parte da minha análise a uma resposta que um protestante, em seu blog, fez a um de meus artigos. É importante ter lido o artigo anterior para que você possa entender o contexto da situação. (…)

No artigo original escrito por mim e contestado pelo nosso amigo protestante, se analisava a relação existente entre o texto de Mateus 16,18-19 e a doutrina católica do primado petrino. A interpretação comum católica é que em tal texto Jesus muda o nome de Pedro para “Pedra” e o designa como o “mordomo” do Reino, entregando-lhe as chaves e o poder de atar e desatar. A interpretação comum protestante é que Jesus (ainda que tenha alterado o nome de Pedro) está se referindo a Ele próprio quando diz “sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”.

À maneira de um brevíssimo resumo, nosso amigo se baseou no seguinte para tentar refutar a minha argumentação:

  • Ainda que se aceite que as mudanças de nome da parte de Deus na Bíblia vêm acompanhadas de uma nova função e identidade para a pessoa, no caso de Pedro não foi necessariamente assim, já que o que ali ocorreu não foi uma “substituição” de nome, mas o acréscimo de um “apelido” ou “sobrenome”.
  • Quando se entregam a ele as chaves do Reino dos Céus, não se deve entender que ele está sendo designando “mordomo” do Reino; aqui não há necessariamente relação entre a figura das chaves e as chaves do mordomo do reino de que fala Isaías 22,22.

Visto que no artigo anterior eu já começara a analisar essas objeções, continuo agora com as demais argumentações de nosso amigo.

AS CHAVES DO REINO DOS CÉUS

Nosso amigo também escreve:

  • “Neste momento começaremos a discutir sobre as chaves que foram entregues a Pedro. Nosso amigo católico encontrou na passagem de Isaías 22:20-25 um paralelo com Mateus 16:19, para indicar que as chaves que outorgaram a Eliaquim denotam uma mordomia superior. Neste ponto, estamos de acordo o católico e eu. É certo que existe um paralelo no tocante que as chaves, na Bíblia, além de serem usadas em seu sentido literal (ex. Juízes 3:25), também simbolizam um alto cargo de responsabilidade; porém, em todos os casos significa possuir, outorgar e negar acesso a algo. A pergunta que nosso amigo deveria fazer a si mesmo é: o que são as chaves em Isaías e o que são as chaves em Mateus? É aqui que reside a grande diferença. Em Isaías, é entregue a chave da casa de Davi e em Mateus são entregues as chaves do Reino dos Céus. Os contextos de ambas as passagens nos esclarecem para o que servia uma e para o que servia a outra”.

Em primeiro lugar, haveria que se acrescentar que a figura das chaves de um reino, mais que meramente significar “possuir, outorgar e negar o acesso a algo” simboliza autoridade de governo, o que inclui o poder de tomar decisões. No texto de Isaías 22, vê-se que é uma autoridade subordinada apenas ao Rei; portanto, o caráter dessas decisões é irrevogável para os demais ministros que também possuem autoridade no reino. Por isso o texto diz: “abrirá e ninguém fechará; fechará e ninguém abrirá”.

Por outro lado, como comentei no meu artigo anterior, a minha argumentação não consistia em dizer que Pedro recebeu as mesmas chaves que Sebna recebeu, mas que Cristo empregou uma figura de seu tempo – a das chaves do reino – para dar a entender que estava conferindo uma autoridade sobre o seu Reino a Pedro. Sebna foi mordomo da Casa de Davi, um reino até então terreno; porém, o reinado de Jesus, herdeiro da Casa de Davi, transcenderia o plano terreno e seria de plano espiritual; por isso se profetizara que Ele assentaria no trono de Davi, seu pai, e o seu reinado não teria fim. Ninguém tentou provar que Pedro seria o novo mordomo do Israel terreno e isso estava bem claro no artigo original, porém o nosso amigo se perde em divagações, tentando demonstrar algo que ninguém negou. Daí que continue:

  • “Ao contrário, as chaves do Reino dos Céus entregues a Pedro claramente denotam uma liderança espiritual que teria como pastor na Igreja. Pedro abriria as portas da fé aos gentios, porém principalmente aos judeus, quando Cristo disse a Pedro: ‘e o que atares na terra será atado nos céus e o que desatares na terra será desatado nos céus’ (Mateus 16:19)”.

A primeira parte está correta. Que as chaves entregues a Pedro denotam uma liderança espiritual é precisamente o que eu havia estabelecido ao aludir Isaías 22,22. Nosso amigo admite o que eu tentava demonstrar. Agora, é certo que parte das funções de Pedro como novo mordomo é permitir a entrada dos gentios à Igreja, porém não se limitam somente a isso. Usar o seu poder para governar em algum momento determinado não implica que a autoridade de governo se limite a isso, como costumam raciocinar os protestantes. Daí que Jesus diz “O QUE ATARES” e “O QUE DESATARES”.

E nosso amigo prossegue:

  • “Outra passagem paralela é Lucas 11:52, onde Cristo fala sobre as ‘chaves da ciência’. Aí o contexto indica negar o verdadeiro conhecimento às pessoas ensinando em seu lugar um erro, fechando-lhes assim as portas dos céus (Mateus 23:13). Não há, nesta passagem, indício nenhum de primazia. Também na revelação do Apocalipse há quatro instâncias que menciona o termo ‘chaves’. Uma delas denota a posse do acesso e senhorio da casa de Davi, já que o portador das chaves aqui é o próprio Cristo (Apocalipse 3:7). Também é Cristo quem possui as chaves da morte e do Hades (1:18). As outras duas menções denotam o acesso ao abismo (Apocalipse 9:1, 20:1); neste caso, ainda que as chaves do abismo sejam entregues à estrela que cai do céu, estas chaves não denotam a primazia desta, visto que o posto já está ocupado pelo rei daqueles que ali vivem, que é ‘Abadon, e em grego, Apolion’ (Apocalipse 9:11). No capítulo 20, tampouco as chaves significam primazia pelo que anteriormente foi dito. Aplicar somente um significado – o de primazia – às chaves é ignorar o resto dos usos e contextos assinalados ao longo de todas as Escrituras. Portanto, quando examinamos passagens paralelas, não podemos esquecer o fundo e o contexto destas porque o fato de serem paralelas não significa que sejam 100% equivalentes. Parece que esse pequeno detalhe ‘escapou’ ao nosso amigo católico”.

Mais diante, segue extraviado, divagando sobre as diversas figuras de chaves na Bíblia, o que demonstra que ele compreendeu o argumento de maneira simplista. Ninguém aqui sustentou que a figura das chaves do Reino signifique simplesmente “primazia”; o que eu disse é que simbolizam autoridade. As chaves do Reino dos Céus, evidentemente, simbolizam AUTORIDADE NO Reino dos Céus e não em outro tipo reino. E se deduz que Pedro recebeu a primazia sobre os demais Apóstolos porque SÓ ele recebeu as chaves, uma figura para dizer que quando atar as portas, nenhum outro poderá desatá-las e vice-versa.

Porém, nosso amigo, de forma rasa, raciocina que quando sustentei que no momento em que Cristo entrega as chaves a Pedro o está designando como primaz entre os Apóstolos, pela autoridade que lhe está conferindo, o nosso amigo só entende este absurdo:

CHAVES = PRIMAZIA

Dito de maneira simples: Pedro não recebe a primazia só por receber algumas chaves; ele recebe a primazia por ser o Apóstolo a quem Jesus Cristo entrega a autoridade para governar a Sua Igreja, empregando as chaves do Reino dos Céus como símbolo.

APLICANDO UM PADRÃO FIXO DE SIGNIFICADOS AOS ELEMENTOS METAFÓRICOS

No meu artigo original eu também comentei que a interpretação tradicional protestante afirma que em Mateus 16,18 Cristo está se referindo a Si mesmo, excluindo Pedro como a “pedra” sobre a qual edificará a sua Igreja. [Esta interpretação] é errada por numerosas razões e uma delas é que os protestantes aplicam um padrão fixo de significados aos elementos metafóricos. Assim, passam para outras metáforas, onde também se encontra a figura de uma “pedra”, porém se referindo a Deus, e tentam demonstrar com isso que em Mateus 16,18 também deve se referir a Cristo.

É questão de senso comum que esse é um método errôneo de se fazer exegese, porque para compreender o significado dos elementos simbólicos em uma metáfora deve-se atentar ao contexto e não a metáforas diferentes em contextos distintos. Porém, nosso amigo tenta me acusar de ter feito o mesmo com as chaves do Reino dos Céus e diz:

  • “Aqui o querido amigo católico acaba por se apegar bastante à sua própria arma. A acusação de que ‘os protestantes aplicam um padrão fixo de significados aos elementos metafóricos’ é precisamente o que ele faz em relação às chaves de Eliaquim e de Pedro. Utiliza a figura da chave e a aplica a ambos os personagens da mesma maneira e, no entanto, a aplicação da autoridade que conferem as chaves e os contextos são distintos nas duas passagens”.

Porém, como já foi explicado, isto não é correto, pois eu nunca sustentei que as chaves de ambos os reinos fossem da mesma natureza, nem que implicaram no mesmo tipo de autoridade. Bastava um pouco de compreensão ao ler para entender que, no caso de Pedro, denotavam uma autoridade espiritual como nosso amigo mesmo admitiu. O contexto, ao contrário, permite apreciar que quando se fala das chaves de um reino se está falando da autoridade para governar em nome do rei tal reino, seja ele terreno ou espiritual.

Entretanto, curiosamente, depois de tentar me acusar de cometer o erro de aplicar um padrão fixo de significados aos elementos metafóricos, ele mesmo persevera em cometê-lo:

  • “É correto que em Isaías 51:1 a metáfora da pedra se refira a Abraão (ainda que eu tenha certas reservas quanto a isso), porém um só versículo onde não se aplique esta [pedra] a Cristo não o desqualifica de ser a pedra. Existem dezenas de passagens no Antigo Testamento onde se aplica a Deus a palavra ‘rocha’. Aqui apresento uma lista de algumas delas: Deuteronômio 32.4; 32.15; 32.18; 32.30; 32.31; 32.37; 2Samuel 22.32; 22.47; 23.3; Salmo 18.31; 18.46; 19.14; 28.1; 31.2; 61.2; 62.2; 62.6; 62.7; 71.3; 73.26; 89.26; 94.22; 95.1; 144.1; Isaías 17.10; Habacuque 1.12. Se é certo que há muitos textos onde se emprega a palavra ‘rocha’ ou ‘pedra’ para outros propósitos, como em seu uso natural por exemplo, vemos que também é amplamente empregada metaforicamente para referir-se a Deus”.

Neste último comentário, nosso amigo refuta a si mesmo e não percebe isso. Coisas que ocorrem quando não se raciocina de uma maneira coerente.

Observe-se que ainda que se admita que há textos onde se utiliza a palavra “pedra” com outros propósitos, inclusive metáforas onde a figura da “rocha” é aplicada a outras pessoas, como Abraão, ele ainda insiste em atropelar, apresentando um monte de textos (que tenta multiplicar dividindo versículo por versículo) onde a palavra “rocha” é usada para simbolizar a Deus.

É um fato de lógica elementar que, ainda que houvesse não cem mas um milhão de textos na Bíblia onde uma figura seja empregada em um sentido, não significa que sempre se deva utilizar da mesma maneira, desprezando o contexto. E visto que ele mesmo admite a existência de outros textos onde a regra não é cumprida, pretende que analisemos Mateus 16,18 com base em porcentagens, como se tudo se reduzisse a uma mera questão de números.

O que ocorre é realmente outra coisa: a figura “rocha” é frequentemente associada a Deus na Bíblia porque tem certas características que podem ajudar-nos a compreender uma característica da divinidade, que é a sua firmeza, a sua estabilidade. Porém, a firmeza não é uma característica única de Deus, eis que Deus também a infundiu em suas criaturas; daí que não seja estranho que Abraão, o pai da fé, seja também chamado “rocha”, ou o próprio Pedro, como primeiro mordomo do Reino de Deus.

Para tentar fortalecer aquilo que é uma “eiségesis” arbitrária, continua ele:

  • “Este comentário do amigo católico tem muito mérito. Concordamos que as metáforas citadas são diferentes aplicações ao fundamento sobre quem elas se referem. Porém, ainda que sejam metáforas diferentes, ambas são paralelas, isto é, se complementam. O resultado deste complemento é que Cristo é a pedra angular (Efésios 2:20) e também o fundamento (1Coríntios 3:11); portanto, Cristo é tanto o fundamento que sustenta a obra (incluídos os Apóstolos e Profetas), quanto a cabeça desta. O Espírito Santo se tem encarregado de nos ensinar que o fundamento maior é Cristo e a cabeça principal também é Cristo. Estes postos não podem ser ocupados por nenhum ser humano falível”.

Aqui nosso amigo admite que são metáforas diferentes, porém alega que são metáforas paralelas ou que se complementam; mas este argumento, bastante frouxo, falha por diversas razões:

Em primeiro lugar, para que uma metáfora possa ser considerada paralela a outra, os elementos simbólicos em ambas as metáforas deveriam ser os mesmos e manter os seus significados; no entanto, isso não ocorre nas metáforas que nosso amigo considera “complementares”: em Mateus 16,18, a Igreja é identificada como um edifício onde Jesus Cristo aparece como construtor e não como parte da mesma (daí que Ele diz “edificarei”), enquanto que os fiéis figuram como pedras que Cristo vai assentando; já em 1Coríntios 3,11, as pedras simbolizam as obras dos fiéis e o fundamento é a doutrina de Cristo; e em Efésios 2,20, pelo contrário, os Apóstolos figuram como fundamento da construção e Cristo como pedra angular. O problema de misturar todas estas metáforas na “salada” de nosso amigo é que Cristo acaba ocupando vários postos ao mesmo tempo: observe-se como se afirma que Cristo é o fundamento, a pedra angular, a pedra sobre a qual se edifica – tudo junto.

Para se observar com mais clareza a inconsistência deste raciocínio, imaginemos que na conhecida metáfora que identifica a Igreja como um corpo, constando Cristo como cabeça e nós como membros, Cristo terminaria sendo a cabeça, a mão, o pé etc. Um absurdo igual à absurda interpretação de nosso amigo.

E com isto termino porque o resto é apenas mais do mesmo, aglutinando basicamente os mesmos erros. Sei que muitos opinarão que se tratavam de argumentos bastante fracos, que não mereciam ser analisados. Na verdade, são realmente de uma estupidez que atordoa, porém, como um leitor me disse que tinha tido dificuldade em contestá-los, não quis deixá-lo sem resposta.

 

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