São Roberto Belarmino contra o Sedevacantismo

Por Alessandro Lima

 

1. Introdução

 

Normalmente as discussões sobre se um papa foi ou não herege, recaem sobre os famosos casos dos papas Libério (352-366) e Honório I (625 – 638) que foram condenados postumamente. Mas, ao contrário do que muitos pensam, a Santa Madre Igreja já “julgou” [1] no passado papas reinantes que foram acusados de heresia. 

 

A infeliz circunstância de estar sentado no Trono de Pedro um papa indigno não é nova, muitos sabem. Poucos sabem que em alguns casos a infidelidade chegou mesmo ao pecado da heresia pública, que é um pecado grave contra a fé e que exclui o fiel do corpo místico da Igreja.

 

Em nosso tempo, após a realização do Concílio Vaticano II, vários grupos de católicos resolveram “definir” que os papas conciliares (De Paulo VI até Francisco) não são legítimos papas e que portanto a Sé Apostólica (sede) está vaga (vacante) e por isso são chamados sedevacantistas. Dizem que sua posição está bem fundamentada na doutrina de São Roberto Belarmino, Santo e Doutor da Igreja, que segundo eles, afirmou que um papa herege manifesto perde ipso facto o seu pontificado.

 

Mas ao contrário do que pensam os sedevacantistas, os ensinamentos do Santo Cardeal não balizam a sua posição e é o que vamos provar no presente trabalho.

 

2. A quinta opinião

 

As Disputas sobre a Fé Cristã, foram escritas não para os católicos, mas para os protestantes reconhecerem os seus erros e se emendarem, é uma obra contra reformista, isto é, contra a Reforma Protestante que em seu tempo estava em pelo curso. O Santo Cardeal procurou nela refutar os ataques de Lutero e Calvino contra o papado, a Igreja Católica e a fé católica. Logo, São Roberto Belarmino procura tratar de certos temas polêmicos de forma sucinta, para que não seja possível dar ocasião para discussões desnecessárias.

 

2.1 Primeira ilusão sedevacantista: a quinta opinião é doutrina católica

 

Em uma discussão numa rede social sobre um artigo que escrevi [2], um sedevacantista na tentativa de refutá-lo, em linhas gerais argumentou que segundo São Roberto Belarmino, a quinta opinião é a certa, pois ela estaria em conformidade com o parecer dos santos padres e doutores, provando ser uma doutrina comum. Ele fez referência ao seguinte texto reproduzido em obra editamos:

 

“Logo, a opinião verdadeira é a quinta, de acordo com a qual o Papa e cabeça, do mesmo modo que deixa por si mesmo de ser cristão e membro do corpo da Igreja e por isso pode ser julgado e punido pela Igreja. Esta é a sentença de todos os antigos Padres, que ensinam que os hereges manifestos perdem imediatamente toda jurisdição […]” (grifos nossos) [6]

 

Chega a ser inacreditável como alguém pode entender com base no texto acima que São Roberto Belarmino fundamentaria a posição sedevacantista. Primeiro devemos observar os seguintes pontos sobre o trecho acima:

 

2.1.1 São Roberto Belarmino disputa sobre uma hipótese teológica

 

Em certa altura da sua defesa do Papa, o Doutor Jesuíta vai iniciar uma série de respostas ao erro de Calvino, que ensinava que a Igreja estava de algum modo acima do Santo Padre, o papa. E para isto, Calvino levanta 10 objeções (tentando fundamentar uma tese conciliarista), que serão refutadas uma a uma pelo Santo Cardeal Jesuíta (cf. Disputa sobre a Fé Cristã, Volume I – Do Romano Pontífice, Livro II – Sobre o Sumo Pontífice, capítulos XXVIII a XXX, ver nota 3, pp. 411-431). 

 

Após refutar as primeiras nove objeções calvinistas, São Roberto assim inicia seu opúsculo contra a última objeção: 

 

“Décimo argumento. O pontífice, em caso de heresia, pode ser julgado e deposto pela Igreja [cf. Upt aptet dist. 40 can. Si papa, Decreto Graciano]. Portanto, o pontífice está sujeito a julgamento humano em algum caso. Respondo: Existem cinco opiniões sobre este assunto [4] […]” (grifos nossos, ver nota 3, pp. 423). E então ele vai discorrer sobre a hipótese teológica de um papa ser herege. Como se vê aqui, o Santo jesuíta não irá tratar de doutrinas do magistério ordinário da Igreja, como supõe erroneamente os sedevacantistas, mas de opiniões teológicas sobre um assunto ainda não definido pela Igreja em seu tempo e nem está definida atualmente!

 

João de Santo Tomás [5] e Santo Afonso Maria de Ligório [6] (este também Santo e Doutor da Igreja) que foram posteriores a São Roberto Belarmino, seguiram o Cardeal Caetano, defendendo contra o Santo Jesuíta, a quarta opinião.

 

Cardeal Billot e o Pe. Garrigou-Lagrange, ambos tomistas do século XX trataram do tema com opiniões divergentes. O primeiro era adepto da primeira opinião, porém considerando que o papa pudesse ser herege, escolheu como segunda opção a quinta [ver nota 7, pp. 37-39]. O segundo defendeu até onde pudemos verificar, algo bem peculiar [8] que aparentemente foge das cinco opiniões elencadas por São Roberto Belarmino. 

 

2.2 Segunda ilusão sedevacantista: a quinta opinião é a certa absolutamente

 

Quem não tem problemas com interpretação de textos e leu o capítulo XXX do segundo livro do volume I – Sobre o Romano Pontífice, das Disputas sobre a Fé Cristã [ver nota 3, pp. 423], saberá que São Roberto Belarmino dentre as cinco opiniões teológicas [ver nota 4] que ele discutiu sobre um papa ser herege, era adepto da primeira opinião, como já dissemos. Para ele, o papa de nenhum modo poderá ser encontrado herético, mas como essa opinião poderia não ser certa e “a opinião comum lhe vai de encontro [isto é, lhe é contrária], valerá a pena ver o que se pode responder à pergunta de se um papa pode ser herético” [ibidem]. Desta forma, o Santo Cardeal concede que o papa pode vir a ser herético apenas como recurso retórico, a fim verificar, caso isso fosse possível, qual das quatro últimas opiniões (que consideram que o papa poderia ser herege) seria a certa

 

São Roberto Belarmino quando se refere à quinta opinião [o nome já o diz: opinião] não está tratando de uma doutrina católica, mas de uma opinião teológica. Isso está bem claro, conforme demonstramos no item anterior, e nas próprias palavras que ele usará para expor o seu parecer “a opinião verdadeira é a quinta”. 

 

Uma opinião teológica não se torna doutrina católica porque um Santo ou Doutor da Igreja a considerou mais provável que outras (certa ou verdadeira). Considerar uma opinião verdadeira é exatamente isto: que tal opinião tem chances muito altas de ser certa dadas as condições em que ela se aplica. No caso em questão, São Roberto Belarmino considera a quinta opinião certa, dentre aquelas que consideram a possibilidade de um papa ser herético, ou seja dentre as quatros últimas opiniões, para ele a quinta opinião é a certa. A este parecer também seguiu o Cardeal Billot, conforme dissemos no item anterior. Tanto São Roberto Belarmino, quanto o Cardeal Billot eram adeptos preferencialmente da primeira opinião, mas caso seja possível o papa ser herege, ambos preferiram defender a quinta opinião como certa, isto é, certa entre as opiniões segunda, terceira, quarta e quinta.

 

É como se São Roberto dissesse assim: “Existem cinco opiniões sobre este assunto [que bebidas gaseificadas são melhores para a digestão]. Eu prefiro bebidas não gaseificadas [água ou suco de frutas], mas como a opinião comum lhe é contrária, devemos verificar dentre as bebidas gaseificadas qual realmente faz bem à digestão. Dentre coca-cola, fanta, guaraná e H2O, a opinião que diz que H2O é melhor para digestão é a certa”. Aí o sedevacantista vai dizer de modo absoluto: “Para São Roberto Belarmino, a opinião que diz que H2O é melhor para digestão é a certa!”, quando o Santo Cardeal nem tem preferência por bebidas gaseificadas!

 

Afirmar, como fazem os sedevacantistas, que a quinta opinião era a certa absolutamente para São Roberto Belarmino, dentre as cinco que ele mesmo elencou é distorcer totalmente o pensamento do Santo Doutor jesuíta. É falsificar o seu pensamento para dar credibilidade a um erro grosseiro e tosco, para sermos bondosos …

 

Ainda que a quinta opinião fosse a opinião principal de São Roberto Belarmino, ela também não poderia ser tomada de forma absoluta. Dissemos no item 2.1.1 que a hipótese teológica de um papa ser herege, continua em aberto na Igreja. Lembramos que Santo Afonso Maria de Ligório que também é Doutor e Santo da Igreja divergiu de São Roberto. Assim como o Cardeal jesuíta, Santo Afonso era partidário da primeira opinião. Mas considerando que o papa poderia ser herege, ele divergiu dele em favor da quarta opinião defendida pelo Cardeal Caetano. Então por que razão deveríamos escolher a opinião de São Roberto em detrimento de Santo Afonso Maria de Ligório?

 

2.3 Terceira ilusão sedevacantista: qualquer fiel pode constatar a heresia papal e considerar a sé vacante

 

Sedevacantistas sempre se esquecem de ler que a quinta opinião termina com as seguintes palavras: “por isso pode ser julgado e punido pela Igreja”. São Roberto Belarmino sabedor que a Igreja é uma instituição visível e hierárquica (poucos ordenam e julgam muitos), não excluiu o arbítrio da Igreja (através da sua hierarquia, por óbvio) caso seja possível, caso aconteça, um papa se tornar herege público e manifesto.

 

São Roberto Belarmino mesmo no início da análise da hipótese teológica [se um papa pode ser herege], faz referência ao Decreto de Graciano [ver item 2.1.1] que Calvino usa contra os católicos para defender a heresia conciliarista. O próprio Decreto diz que em caso de heresia o pontífice pode ser julgado e deposto pela Igreja! São Roberto Belarmino habilmente não vai negar que em caso tão grave caberá à Igreja o arbítrio, mas para refutar o erro calvinista, vai explicar durante a sua defesa da quinta opinião, que a Igreja não julga o papa, mas um ex-papa que para ele, se separou ipso facto do pontificado por ter sido encontrado em heresia manifesta (pública e notória) e “por isso [o ex-papa] pode ser julgado e punido pela Igreja”.

 

Está totalmente “fora de esquadro” católico pensar que um simples fiel pode “definir” sentado do fundo de seu quintal se a Sé Apostólica está ou não vacante, se o Pastor Supremo é ou não herege. Tal concessão não se encontra de forma alguma no pensamento do Santo Cardeal. Isso ficará ainda mais evidente, adiante.

 

3. A Igreja e um papa herege

 

São Roberto Belarmino, em sua obra Disputas sobre a Fé, no volume II [9] vai tratar sobre a Igreja. Este volume por sua vez é dividido em quatro livros:

  1. Livro primeiro: Os Concílios e a Igreja
  2. Livro segundo: A autoridade dos concílios
  3. Livro terceiro: A Igreja Militante difundida por toda a terra
  4. Livro quarto: As marcas da Igreja

 

Exatamente no segundo livro em seu capítulo IX, o Doutor jesuíta vai tratar “sobre a utilidade e mesmo a necessidade de celebrar concílios” [ver nota 9, pp. 55]. Segundo ele, “as principais causas pelas quais se celebram concílios costumam ser o número de seis”:

  1. Primeira causa: uma nova heresia;
  2. Segunda causa: um cisma entre os romanos pontífices;
  3. Terceira causa: resistência de toda a Igreja a um inimigo comum;
  4. Quarta causa: suspeição de heresia no romano pontífice;
  5. Quinta causa: dúvida sobre a eleição do romano pontífice;
  6. Sexta causa: reforma geral de abusos e vícios que se insinuam na Igreja.

 

Das causas elencadas acima, a que nos interessa no presente trabalho é a quarta, por se tratar de quando a Igreja suspeita que um romano pontífice é um herege. Sobre ela assim expõe o Santo Cardeal (grifos nossos):

 

A quarta causa é a suspeição de heresia no romano pontífice, se por acaso vier a acontecer; ou também se ele for um tirano incorrigível. Pois se tal situação ocorresse, dever-se-ia congregar um concílio geral, ou para depor o pontífice, se for encontrado herético, ou certamente para admoestá-lo, se parecer incorrigível em seus costumes. Pois, como se diz no oitavo sínodo [IV Constantinopla, Act ultim. can. 21. Anos 869-870], os concílios gerais devem conhecer as controvérsias surgidas ao redor do romano pontífice, e não mover audaciosamente uma sentença sobre ele. Por esse motivo lemos ter sido celebrado o Concílio de Sinuessa pela causa de Marcelino; e concílios romanos pelas causas de Dâmaso, Sixto III e Símaco; e de Leão III e IV, dos quais nenhum foi condenado pelo concílio. Contudo, [o Papa] Marcelino por si mesmo demonstrou seu arrependimento diante do concílio, e os restantes purgaram-se. Veja-se Platina, bem como os tomos dos concílios.” (Disputas sobre a Fé Cristã, Volume II, livro I – Sobre a Igreja, cap. IX) [ ibidem, pp. 56].

 

Como dissemos na introdução, não é nova a circunstância do Pastor Supremo da Igreja ser suspeito de heresia. São Roberto Belarmino elenca o caso de pelo menos o caso de seis papas que foram admoestados pelos concílios (alguns ecumênicos e outros romanos). Está totalmente fora do escopo do presente trabalho entrar nos detalhes de cada um dos casos citados pelo Santo e Doutor jesuíta. Independentemente se as suspeitas foram justas ou não, o fato é que quando um papa é suspeito de heresia manifesta (pública e notória, pois a Igreja só julga o foro externo), o remédio a ser administrado é um concílio ecumênico. 

 

A Igreja é uma sociedade visível e por isso, seus fatos devem ser públicos e notórios para que sejam conhecidos por todo corpo social. O Santo Cardeal jamais chancelaria o delírio de alguém achar que pode considerar quem é ou não papa sem o parecer da Santa Igreja. Deixar tão importante fato dogmático ao parecer subjetivo deste ou daquele tornaria a vida eclesial impossível, pois já não seria possível ter certeza de nada! Mas felizmente, na Igreja as coisas não se dão desta forma.

 

Como ensinou São Roberto Belarmino, as causas graves na Igreja devem ser apreciadas por um concílio geral, este sempre foi o costume que é de instituição divina e apostólica! Elas jamais ficaram ao arbítrio dos simples fiéis, ou deste ou aquele bispo isoladamente, mas sempre ficaram a cargo de definição da Igreja!

 

Os sedevacantistas acham que podem “considerar deposto” um papa que eles pensam ser um herege público e manifesto, quando São Roberto Belarmino diz esse arbítrio cabe somente hierarquia da Igreja: “dever-se-ia congregar um concílio geral, ou para depor o pontífice, se for encontrado herético”.

 

Também não é escopo deste trabalho explicar por qual poder [10] a Igreja pode admoestar e em último caso depor um papa suspeito de heresia pública e notória, já que o papa não tem superior na terra. Para o nosso tema é suficiente provar que quando um papa é suspeito de heresia, este caso por ser grave deve ser observado por um concílio geral ou até mesmo romano, conforme dá testemunho a história eclesiástica e o próprio São Roberto Belarmino.

 

4. Para São Roberto Belarmino deve-se resistir a um Papa que ataca a Igreja

 

Os sedevacantistas alegam que um católico deve obedecer absolutamente o que manda um Papa. No entanto a Doutrina Católica ensina claramente que “Antes importa obedecer a Deus do que aos homens” (cf. At 5,29), palavras de São Pedro, o primeiro Papa! [11]

 

O Santo Cardeal, ensina que os católicos devem resistir ao Papa quando ele age como um lobo: 

 

“[…] para resistir a um invasor e se defender, não se requer nenhuma autoridade. E não é necessário que aquele que é atacado seja um juiz, e superior àquele pelo qual é atacado. Mas para julgar e punir, requer-se autoridade. De modo que, assim como é lícito resistir a um pontífice que ataca o corpo [da Igreja], assim também é lícito resistir a um pontífice que ataca as almas ou perturba a república [no caso um príncipe], e muito mais se ele se esforçar por destruir a Igreja. É lícito resistir-lhe, digo, não fazendo o que ele ordena, e impedindo que a sua vontade seja executada, contudo não é lícito julgá-lo, puni-lo ou depô-lo, porque isso pertence somente a um superior.” (Disputas sobre a Fé Cristã, Volume I – Do Romano Pontífice, livro II, cap. XXIX) [ver nota 3, pp. 421].

 

São Roberto escreve considerando a ação de qualquer fiel, seja do clero ou leigo. Eles não podem entretanto julgar e depor o Papa, isso caberá a um Concílio Geral ou Romano, como visto no tópico anterior. Não que porque estas instâncias sejam superiores ao Papa. No pensamento do Doutor Jesuíta, o pontificado é tomado por Cristo, único superior do Papa, mas a confirmação do fato dogmático, depende do arbítrio da Igreja.

 

5. Para São Roberto Belarmino os sedevacantistas não fazem parte da Igreja

 

São Roberto ensina que a Igreja “é uma assembléia de homens unida pela profissão de fé cristã e pela comunhão dos mesmos sacramentos, sob o regime de pastores legítimos, e sobretudo do único vigário de Cristo na terra, o romano pontífice” (Disputas sobre a Fé Cristã, Volume IISobre a Igreja, livro III – A Igreja Militante, cap. II) [ver nota 9, pp 256]. 

 

Os sedevacantistas não atendem às definições acima pelas seguintes razões:

  1. Os sedevacantistas negam na prática (pois não se nega uma doutrina só pela boca, mas pelas ações) a definição do Concílio Vaticano I de que a Igreja terá pontífices até o final dos tempos; 
  2. Os sedevacantistas negam na prática que numa sociedade visível como é a Igreja os fatos devam ser públicos e notórios, e por isso cada sedevacantista define se há ou não papa e qual foi ou não foi o último papa reinante. Sedevacantistas chegaram a fazer um “conclave” para eleger anti-papas, contra a lei papal de que somente os cardeais são eleitores do papa, como foi o caso dos sedevacantistas de Palmar de Tróia;
  3. Os bispos e padres sedevacantistas não são legítimos pastores do rebanho católico, pois os legítimos pastores católicos possuem jurisdição ordinária na Igreja [12];
  4. Os sedevacantistas negam na prática os limites da jurisdição de suplência [ver nota 12] enganando os incautos que os seguem de que seus sacramentos são lícitos, e portanto produzem os efeitos esperados;
  5. Os casamentos sedevacantistas não possuem validade canônica, como é exigido pela Igreja entre fiéis católicos. E se um dia um sedevacantista desconfiar que seu casamento é inválido? A qual tribunal eclesiástico ele irá recorrer? Tudo isso prova que nem mesmo estão ligados à estrutura jurídica da Igreja, que segundo a doutrina católica é um dos elementos da sua visibilidade;
  6. Os sedevacantistas não estão sujeitos ao mesmo pastor como é o caso de todos os outros católicos  que estão submetidos à jurisdição universal do Papa Francisco. Eles mesmos celebram publicamente suas missas cismáticas non una cum [negando a união com o Papa Francisco].

 

5. Conclusão

 

Como são muito apegados a seus erros, algum sedevacantista poderá dizer que não poderá reconhecer Francisco como papa, pois os católicos devem obediência ao papa. Com efeito, todos os católicos devem obediência ao papa, mas a obediência aos homens é dada dentro de limites. Só a Deus se deve obedecer incondicionalmente. Até isso os sedevacantistas entendem mal e será assunto para um outro trabalho.

 

O sedevacantismo é na verdade uma nova heresia eclesiológica que nega na prática vários dogmas e doutrinas católicas. Tomam uma opinião teológica como se fosse a mais cristalina doutrina dogmática já definida pela Igreja. Enganam os incautos dizendo que seus erros estão bem fundamentados em São Roberto Belarmino, Santo e Doutor da Igreja, quando na verdade distorcem completamente os seus ensinamentos.

 

Tudo o que São Roberto Belarmino ensinou, seja como doutrina católica, seja como mera hipótese teológica, não dá suporte ao sedevacantismo. Ao contrário, o sedevacantismo já nasceu abortado, pois foi refutado pelo Santo Cardeal com séculos de antecedência.

 

Notas

[1] Utilizamos o verbo entre aspas porque ninguém na terra tem poder para julgar um papa, pois seu poder é supremo e absoluto. Veremos adiante como a Igreja então “julgou” papas reinantes.

[2] LIMA, Alessandro. Sedevacantismo, uma ideia caduca. Site Veritatis Splendor: https://www.veritatis.com.br/sedevacantismo-uma-ideia-caduca/

[3] BELARMINO, São Roberto. Disputas sobre a Fé Cristã: Sobre o Sumo Pontífice. Tradução Rafael Marcos Formolo. – Rio de Janeiro: Ed. CDB, 2021.

[4] Eis as cinco opiniões: Primeira: o papa jamais poderá ser um herege; segunda: o papa caso seja encontrado em heresia oculta perde ipso facto o pontificado; terceira: o papa mesmo que seja encontrado em heresia pública e notória não perde o pontificado; quarta: o papa caso seja encontrado em heresia pública e notória não perde ipso facto o pontificado, mas deverá perdê-lo após o julgamento da Igreja;. quinta: o papa caso seja encontrado em heresia pública e notória perde ipso facto o pontificado.

[5] Disputatio II, articulus III, in II-II, q.1, a.7, p.133-140 na edição de Lyon, 1663.  Disponível em https://www.fbmv.org/2018/09/sobre-deposicao-do-papa_65.html. Último acesso em 11/11/2023.

[6] Santo Afonso Maria de Ligório, [ibidem].

[7] SILVEIRA, Arnaldo Vidigal Xavier. A Hipótese Teológica de um Papa Herege. 2a edição. – Brasília: Edições Veritatis Splendor, 2022. 

[8] LAGRANGE, Garrigou. De Christo Salvatore. Disponível em https://archive.org/details/GarrigouLagrangeLatin/De%20Christo%20Salvatore%20-%20Garrigou-Lagrange%2C%20Reginald%2C%20O.P_/page/231/mode/2up. Último acesso 10/11/2023. 

[9] BELARMINO, São Roberto. Disputas sobre a Fé Cristã: Sobre a Igreja. Tradução Rafael Marcos Formolo. – Rio de Janeiro: Ed. CDB, 2021.

[10] A instância pela qual a Hierarquia da Igreja cuidaria do caso de um papa herege manifesto, seria um concílio geral ou romano. Mas esta instância agiria com qual poder, se o poder papal é absoluto? Procuraremos responder esta questão em um livro que está no prelo.

[11] A Igreja ensina que os superiores legítimos devem ser obedecidos não absolutamente, mas condicionalmente, quando mandam segundo as leis divina e natural. Sobre isso ver o Compêndio de Ascética e Mística de Adolphe Tanquerey (n. 1060-1061). Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira, cita vários teólogos que trataram da “santa desobediência”. Ver nota 7, pp. 183-191. Recomendamos o artigo “Sobre a obediência” de Joathas Bello, disponível em https://ictys.blogspot.com/2021/08/sobre-obediencia.html. Último acesso em 15/11/2023.

[12] Tratamos deste tema em nosso artigo abaixo no item 6.1:

LIMA, Alessandro. Sedevacantismo, uma ideia impossível. Site Veritatis Splendor: https://www.veritatis.com.br/sedevacantismo-uma-ideia-impossivel/

 

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