Dois episódios recentes, em Brasília e São Paulo, desnudam a visão totalitária e a intolerância ideológica que dominam estratégias de longo alcance na formação das novas gerações.
Comecemos por Brasília. O governo quer que sejam incluídos nos livros didáticos a temática de famílias compostas por lésbicas, gays, travestis e transexuais. Ainda na área da educação, recomenda cursos de capacitação para evitar a homofobia nas escolas e pesquisas sobre comportamento de professores e alunos em relação ao tema. Essas são algumas das medidas que integram o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), documento firmado por representantes de 18 ministérios do governo Lula. É um marco na busca da garantia dos direitos e cidadania, afirmou o secretários de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, durante o lançamento do plano.
Vamos, caro leitor, a São Paulo. A Secretaria Estadual da Educação distribuiu a escolas um livro com conteúdo sexual e palavrões, para ser usado como material de apoio por alunos da terceira série do ensino fundamental (faixa etária de 9 anos).
O livro (Dez na área, um na banheira e ninguém no gol) é recheado com expressões como chupa a rola e chupava ela todinha. São 11 histórias em quadrinhos, feitas por diferentes artistas, que abordam temas relacionados a futebol algumas usam também a conotação sexual.
O governo de São Paulo afirmou que houve falha na escolha, pois o material é inadequado para alunos desta idade. Ótimo. Reconhecer o erro é importante. Mas, aparentemente, o governo entende que o conteúdo seria adequado para alunos de outra faixa etária. Lamentável! É assim que se pretende melhorar a qualidade de ensino? São Paulo, que foi capaz de produzir uma USP, assiste hoje à demissão do dever de educar.
A pedagogia do palavrão e a metodologia da obscenidade estão ocupando o lugar da educação de qualidade.
Espero, sinceramente, que o episódio seja pontual e que o governador José Serra, homem de sólida formação acadêmica, e seu secretário da Educação, o ex-ministro Paulo Renato, tomem providências definitivas.
Na verdade, amigo leitor, uma onda de intolerância avança sobre a sociedade.
Discriminados assumem a bandeira da discriminação. O tema da sexualidade passou a gerar novos dogmas e novos tabus. E os governos, num espasmo de totalitarismo, querem impor à sociedade um modo único de pensar, de ver e de sentir.
Uma coisa é o combate à discriminação, urgente e necessário. Outra, totalmente diferente, é o proselitismo de uma opção de vida. Não cabe ao governo, com manuais, cartilhas e material didático, formatar a cabeça dos brasileiros. Tal estratégia tem nome: totalitarismo. O governo deve impedir os abusos da homofobia, mas não pode impor um modelo de família que não bate com as raízes culturais do Brasil e sequer está em sintonia com o sentir da imensa maioria da população.
A intolerância atual é uma nova ideologia, ou seja, uma cosmovisão um conjunto global de ideias fechado em si mesmo , que pretende ser a única verdade, racional, a única digna de ser levada em consideração na cultura, na política, na legislação, na educação etc. Tal como as políticas nascidas das ideologias totalitárias, a atual intolerância execra sem dar audiência ao adversário nem manter respeito por ele os pensamentos que divergem dos seus dogmas, e não hesita em mobilizar a inquisição de certos setores, para achincalhar sem o menor respeito pelo diálogo as ideias ou posições que se opõem ao seu dogmatismo.
Aborrece-me a intolerância dos tolerantes. Incomoda-me o dogmatismo das falanges autoritárias.
Respeito a divergência e convivo com o contraditório. Sem problema.
Mas não duvido que é na família, na família tradicional, mais do que em qualquer outro quadro de convivência, o lugar onde podem ser cultivados os valores, as virtudes e as competências que constituem o melhor fundamento da educação para a cidadania.
CARLOS ALBERTO DI FRANCO é diretor do Master em Jornalismo.
Fonte: O Globo, 01 de junho de 2009, Opinião, página 7.