D. Vicente Scherer, pastor e líder

PERFIL

Dom Vicente Scherer Pastor e lider

Urbano Zilles

Monsenhor, professor e pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Pucrs e pároco da igreja N. Sra. do Líbano, de rito Maronita

Comemorar o centenário (1903-2003) do nascimento de Dom Vicente Scherer é homenagear uma pessoa que marcou não só a história da PUC e da Igreja do Rio Grande do Sul, mas é uma referência permanente na história política e espiritual do Brasil.

Dom Vicente Scherer conheceu os irmãos maristas em sua terra natal, Bom Princípio-RS. Teve sólida formação superior com os jesuítas em São Leopoldo, onde cursou Filosofia, e em Roma, na Pontifícia Universidade Gregoriana, on-de estudou Teologia e foi ordenado sacerdote (1926).

Dom Vicente foi um estudioso. Já arcebispo, em 1947, e cardeal, em 1969, encontrava tempo para ler livros e revistas especializadas, nacionais e estran-geiras.

Estava convencido de que o desenvolvimento de um povo passa necessariamente pela educação.

Destacaremos Dom Vicente como pastor, líder intelectual e espiritual e em seu conceito de universidade católica.

O pastor

De descendência germânica, era bastante reservado, sereno, tranqüilo e recatadamente comunicativo. Como arcebispo, continuou a obra do antecessor Dom João Becker. Não só é homem de Deus, mas homem de Igreja. Caracteriza-o a fidelidade ao papa.

Preocupado com a formação eclesiástica, Dom Vicente liderou a construção do Seminário Maior de Viamão como centro regional para a formação do clero. Sempre mantinha numerosos sacerdotes cursando pós-graduação no exterior, sobretudo em Roma.

Tinha uma visão a-brangente da pastoral, que ia dos meios de comunicação social aos menores a-bandonados, aos meninos e meninas de rua, fenômeno que se acentuou nas décadas de 1940 e 1950, quando Porto Alegre teve rápido e desordenado crescimento populacional. Construiu o Novo Lar de Menores em Viamão.

Um dos segredos do sucesso pastoral de Dom Vicente foi o engajamento de leigos na educação, na imprensa, no rádio e na televisão. Quando confiava uma missão a alguém, reconhecia-lhe espaço de autonomia e criatividade. Como chanceler da PUCRS, respeitava a liberdade acadêmica, mas se punha ao par das idéias que lá circulavam. Respeitava o poder instituído. Mantinha bom relacionamento com os políticos que o respeitavam. Empenhava-se para ter boas escolas, investindo na formação dos jovens. Estimulou a Frente Agrária Gaúcha, fazendo que a voz dos agricultores fosse ouvida.

Empenhava-se para que houvesse hospitais na cidade (Divina Providência) e no campo. Promovia movimentos de Igreja, pois dizia que uma paróquia sem movimento era morta. Além dos movimentos tradicionais, destacavam-se os movimentos da JUC, JOC, JEC, e JAC, o MFC. Propunha a família como centro da ação pastoral. Depois de 1964, trouxe para a arquidiocese os movimentos de Cursilhos, Emaús, do qual aqui nasceu o CLJ.

Seguro na doutrina, já antes do concílio Vaticano II, surpreendia pela visão ecumênica, institucionalizando o diálogo com outras igrejas. Embora não fosse do seu feitio, não só tolerava iniciativas novas, mas as aprovava, como foi o caso da missa crioula.

 

Líder espiritual e intelectual

De pequena estatura mas de grande espírito, sem maiores talentos para a comunicação oral, atrapalhado diante do microfone, Dom Vicente era vigoroso e inconfundível quando escrevia. Sua voz era escutada em todo Brasil, não pela maneira como falava, mas por aquilo que tinha para dizer.

A Unitas, Boletim da arquidiocese de Porto Alegre, publicou 1.067 alocuções radiofônicas da Voz do Pastor, tratando grandes assuntos com clareza e profundidade.

Em 1969, iniciou uma Voz do Pastor dizendo: “Nas palestras das segundas-feiras, costumo tecer comentários em torno dos fatos que, no momento, polarizam ao menos parte considerável da opinião pública, principalmente se nelas figuram pessoas ou entidades de responsabilidade na Igreja. (…) (Unitas, 1969, p. 424).

Para isso ajudava-lhe sua formação sólida. Sabia escolher parceiros, leigos e religiosos, para discutir questões atuais e gostava de ouvir a quem argumentasse de maneira consistente. Por isso conseguia apresentar panoramas amplos sem renunciar à profundidade. Seus pronunciamentos semanais no programa radiofônico Voz do Pastor e outros ocupavam lugar de destaque nos grandes jornais do país. Tinha grande capacidade de discernimento e era incansável na busca de informações.

Como chanceler da PUCRS (1948-1981) acompanhava tudo que lá acontecia, interferindo com segurança quando necessário. Acreditava na força das idéias, do pensamento, para a transformação da sociedade. Na instalação da Pontifícia disse: “Exerce certamente a Universidade uma importante tarefa orientadora da mocidade estudantil e da sociedade em geral. Não são só sentimentos mas as idéias, certas ou errôneas, construtoras ou revolucionárias, que arrastam os indivíduos e decidem o curso dos acontecimentos humanos (…)”

Seu conceito de Universidade Católica

Dom Vicente não apenas foi professor no início das Faculdades Católicas de P. Alegre. Foi ele que, já antes de arcebispo, apoiou essa obra. Deve-se ao seu prestígio e empenho pessoal o título de Pontifícia. Segundo ele, os objetivos de uma universidade são: 1) formar cidadãos; 2) ensino; 3) pesquisa. De uma universidade católica espera-se que os docentes estejam bem preparados.

Disse Dom Vicente Scherer na instalação da Pontifícia: “Pretende ser esta Universidade um farol cintilante que, no meio à confusão crescente de teorias e contradições, indica o rumo seguro ao porto tranqüilo da verdade; quer ser uma forja onde se temperem caracteres firmes no cumprimento do dever à custa dos mais penosos sacrifícios; apresenta-se como instituição educadora que cultiva e aperfeiçoa o espírito humano, preparando cidadãos exímios e capazes de, nos diversos departamentos das atividades públicas e particulares, enfrentar os árduos problemas econômicos, políticos e sociais de cuja solução depende o bem-estar dos indivíduos e das nações.”

Sobre o adjetivo católico diz: “O estudo, a disseminação e a defesa das idéias, que fundamentam a concepção cristã e católica da vida, constituem a razão primordial de ser da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Como é bem de ver, os alunos não são obrigados a práticas religiosas que supõem convicções profundas, pois a fé deve ser um ato de submissão racional do entendimento à autoridade revelante de Deus.” Para Dom Vicente era importante o substantivo Universidade, sem o qual o adjetivo católico ficaria vazio. O título de Pontifícia é um título honorífico pelo qual ele mesmo lutou. Como pensador crítico, rejeitava o fundamentalismo.

Na concepção de Dom Vicente Scherer e dos leigos, religiosos e sacerdotes, que com sacrifício e entusiasmo lançaram o fundamento dessa grande obra educacional que é a PUCRS hoje, seria uma instituição católica, sem outros adjetivos restringentes, sob a direção do Instituto Marista. No discurso de instalação da Pontifícia, em 7 de março de 1951, disse Dom Vicente: “Dada a missão religiosa, moral e cultural desta instituição, não lhe faltarão a compreensão e o apoio, também material, do clero, da sociedade e do poder público. Pela incessante elevação do nível dos estudos e pelo aperfeiçoamento da educação religiosa, procurará a Universidade formar homens e mulheres de escola, capazes e desejosos de colocarem as energias invencíveis de uma vontade adestrada no bem e as luzes imagináveis de sólida cultura ao serviço não só das legítimas aspirações pessoais, mas também, com igual dedicação e perseverança, das grandes causas da coletividade.” (…)

Para Dom Vicente, fé e cultura são indissociáveis. Seu argumento era escolástico: não pode haver duas verdades, uma da ciência e outra da fé, pois o criador é um só, Deus. Por isso, o cristão não tem porque recear o progresso da ciência. Pelo contrário, deve dedicar-se com todo o empenho à missão cultural que Deus lhe confiou. Respeitava, assim, a autonomia da atividade de pesquisa e da ciência.

Segundo Dom Vicente, para ser professor universitário, não basta ser bom cristão, nem religioso, nem padre, mas precisa ter competência. Em certa oportunidade chegou a dizer-me que o maior contratestemunho cristão era o daqueles que queriam esconder sua incompetência profissional sob o véu da fé cristã. Julgava que o testemunho de fé de um profissional competente convencia até aos críticos. Por esta razão manifestava reconhecimento aos profissionais não cristãos que atuavam na PUCRS, respeitando sua identidade confessional, com eficiência.

Grande pastor e grande líder espiritual, Dom Vicente coroou a obra de sua vida, depois de aposentado em sua função eclesiástica, restaurando e reerguendo o hospital da Santa Casa de Porto Alegre, o que lhe garantiu o reconhecimento da sociedade e da Igreja, sobretudo da população mais carente.

 

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