Iemanjá pode; Nossa Senhora, não pode

– Parece que o Estado só é laico quando o assunto é Igreja Católica

Assistindo ao encerramento das Olimpíadas de Londres/2012, fiquei feliz em ver como o Rio de Janeiro é eclético no campo cultural. Seu Jorge e Marisa Monte, penso, não representam dois lados da mesma moeda musical. É verdade que, para ser mais preciso, outros artistas cariocas, que movimentam o ambiente musical da cidade, poderiam fazer parte do evento, como cantores de música gospel, músicos clássicos, música pop carioca. Mas o que me chamou a atenção foi a referência religiosa da apresentação.

A cantora Marisa Monte surgiu no evento representando a divindade afro-brasileira Iemanjá, indicando claramente que a cidade do Rio de Janeiro tem, aos olhos do Comitê Organizador Brasileiro das Olimpíadas do Rio, alguma identidade com a personagem e com essa religião. Ora, essa indicação é obviamente falsa. Como recentemente foi divulgado pelo IBGE, a maioria esmagadora dos cariocas é católica e a população que confessa a fé no candomblé e na umbanda é, pelo contrário, minoria. Apresentar ao mundo essa personagem da fé afro-brasileira como representante do espírito da cidade é uma mentira deslavada e uma ofensa à maioria dos moradores da cidade.

E mais: não é fácil esquecer a gritaria produzida pela grande mídia acerca da JMJ de Madrid. Falou-se de relações espúrias entre a Igreja e os governantes, toda sorte de acusações foram lançadas à Igreja Católica em Madrid. O que se viu, pelo contrário, foi um benefício sem igual para a cidade, chegando a cifra de 300 milhões de euros. Por ocasião da JMJ de 2013, que acontecerá no Rio de Janeiro, também já iniciaram a desfiar acusações e críticas absolutamente sem fundamentos. Falaram da segurança, da saúde, do transporte da cidade, que tudo isso ficará prejudicado. Como se o carioca vivesse em um paraíso de serviços… A histeria contra a JMJ do Rio esquece que outros eventos na cidade têm subsídios públicos, como o Carnaval, o Ano Novo, as dezenas de festas protestantes na cidade, todas com o apoio logístico da prefeitura. Nestes meses, a Igreja Católica foi acusada de imiscuir-se com a prefeitura e com o governo do Rio de Janeiro, em razão da Jornada Mundial da Juventude, de 2013. Na verdade, já se provou que o apoio logístico para a realização da JMJ é muito mais investimento que gastos (caso se repitam os números de Madrid, a cidade carioca arrecadará perto de 1 bilhão de reais!). Em se tratando de Estado laico, a opinião pública carioca é bastante rigorosa… até a página dois.

Quando a cantora Marisa Monte empresta sua figura e sua voz (que não é propriamente um pechincha) para fazer as vezes de Iemanjá em Londres, os defensores do Estado laico se calam. Não se viu nos grandes meios de comunicação nacionais ou da cidade nenhuma gritaria, nenhuma acusação às pessoas que protagonizaram essa relação imprópria entre religião e estado laico. Parece que o estado só é laico quando o assunto é Igreja Católica. Se a personagem a ser exaltada for outra que não da Igreja Católica; se o evento for outro que não evento da Igreja Católica, aí tudo bem correrem rios de dinheiro. Quer dizer, Iemanjá pode, mas Nossa Senhora não pode.

Na verdade, há quem argumente que as Olimpíadas são um evento laico, que não deve se misturar com fé e religião, que não se deve exigir do Comitê Olímpico Brasileiro fidelidade a fatos (sic!). Bem, de nossa parte, entendo que não se pode conceder à mentira. Quem faz concessão à falsidade é ditador, é autocrata, é dominador. A verdade tem o poder de impor limites à força. Se os governos sentem-se à vontade para mentir em nome de uma causa francamente falsa, então a sociedade em questão está em perigo, pois os que possuem o poder já não reconhecem sua causa final: servir à verdade. Propor ao mundo a representação de entidades do candomblé e da umbanda como representantes do espírito da maioria dos cariocas é falso e não podemos ficar calados.

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