A. Textos Pré-Massorético e Massorético
É um trabalho que surge do fim do primeiro século em diante, transmitindo o texto hebraico, [em tese] livre de corrupção. O texto do Velho Testamento fixou-se pela tradição, e a versão massorética trazia as variantes anotadas na margem. O hebraico era escrito sem o uso das vogais até o século VII. Entre os séculos VII a X os doutores judeus colocaram as vogais no texto.
B. Versões Semíticas
1. Targuns Em primeiro lugar se coloca os Targuns, devido ao fato de utilizar uma linguagem que mais se aproxima do original hebraico. Após a volta dos judeus do Cativeiro da Babilônia, uma grande parte havia perdido o domínio da própria língua, sendo-lhes necessário não só ler as Escrituras no original como dar-lhe a verdadeira significação. Dessa forma, era feita a tradução parafraseada numa série de targuns (interpretações) na língua caldaica ou no dialeto oriental aramaico. Os targuns eram numerosos e os que chegaram até nós já são da Era Cristã. Os mais antigos são os da Lei e dois referentes ao Pentateuco anteriores ao século VII.
2. Pentateuco Samaritano – Foi escrito num dialeto da família hebraica, utilizando caracteres do antigo hebraico. Eusébio de Cesareia e Cirilo de Jerusalém fazem referências a cópias deste manuscrito. Por muito tempo pensou-se que tudo havia sido perdido, mas no princípio do século XVII foi enviada uma cópia de Constantinopla a Paris. O valor dessa obra chegou a ser superestimado, mas já não se julga que seja superior ao texto hebraico. A cópia samaritana é valorosa para a determinação da história das vogais hebraicas.
C. Versões Gregas
1. Septuagentina A versão chamada dos LXX (Setenta), ou Septuagentina, ou ainda Alexandrina, foi feita no Egito por judeus de Alexandria. Aristeas, um escritor da Corte de Ptolomeu Filadelfo II[1] (285-247 a.C.) conta em uma pseudocarta, que esta versão foi feita por setenta e dois judeus (seis de cada tribo) mandados a Alexandria no ano de 285 a.C. por Eleazer a pedido de Demétrio Falário, o bibliotecário do rei e completada em setenta e dois dias. Não se pode precisar que se tenha ocorrido verdadeiramente dessa maneira que a história nos chega. Quanto ao tempo em que se completou, não existe prova alguma. Uma análise crítica da obra mostra que esta contém muitas palavras greco-egípcias, e que o Pentateuco está traduzido com maior exatidão do que os outros livros. Os principais códices manuscritos dos LXX são: o Vaticano (B); o Sinaítico; o Alexandrino (A) e os fragmentos do Códice Efraimita (C). Entre as edições impressas dos LXX, pode-se citar a Complutensiana (1517), que segue em muitos trechos a versão hebraica massorética e a Hexapla de Orígenes; a Aldina (1518), que apresenta muitas variantes do Códice do Vaticano (B); a Romana ou Vaticana (1587) baseada no Códice do Vaticano (B); a Grabiana (1707 a 1720) que foi baseada principalmente no Códice Alexandrino (A) e a edição crítica de Cambridge (18871894).
2. Hexapla de Orígenes Na primitiva Igreja Cristã[2] a versão dos LXX era de grande estima, embora certos escritores buscassem o texto hebraico para confirmar seu texto. No intuito de corrigi-la, Orígenes (185-254), um dos grandes teólogos da Igreja Católica do século III, compôs a sua Hexapla ou Versão das seis colunas (em meados de 228 d.C.). Esta versão continha além da Versão dos LXX, as traduções gregas do Antigo Testamento feitas por: Áquila do Ponto (130 d.C.); Teodoto de Éfeso (160 d.C.) e Símaco, um samaritano (218 d.C.). As duas colunas restantes continham o texto hebraico e a sua tradução em caracteres gregos. Esta obra era constituída de 50 volumes e perdeu-se provavelmente no saque de Cesareia, feito pelos sarracenos em 653 d.C. Eusébio[3] de Cesareia (260-339) havia copiado a coluna formada pelo texto da versão dos LXX, com as correções ou adições dos outros tradutores aos quais Orígenes havia recorrido. O texto hexaplariano como é conhecido, foi publicado em Paris no ano de 1714.
D. Antigas Versões Latinas
1. Vetus Latina Entre as mais antigas versões baseadas nas versões dos LXX, temos a “Vetus Latina” feita na África, e muitas vezes transcritas total ou parcialmente em várias províncias do Império Romano. Pelas diferenças que se encontram nas cópias, alguns acreditam que existiram diversas versões, porém a hipótese mais aceita é que se trata de revisões da mesma tradução original.
2. Ítala A mais importante das revisões da Vetus Latina fez-se na Itália, com o fim de corrigir os provincianismos e outros pequenos defeitos da versão africana. Santo Agostinho refere-se a ela em seu escrito “De Doctrina Cristiana” 2, chamando-a de Ítala. São Jerônimo[4] a considera em geral muito boa. Em seu texto predomina traços do Códice Alexandrino (A) e, baseando-se em citações de Tertuliano[5], presume-se que a versão seja do final do século II d.C.).
3. Vulgata Devido a diversidade de cópias e as suas imperfeições, a pedido do Papa S. Dâmaso (366-384), São Jerônimo foi incumbido da tarefa de fazer a revisão dos textos das cópias latinas, como Orígenes havia feito a revisão da Septuagentina. Utilizou para isso a Hexapla de Orígenes, para corrigir todo o Velho Testamento. Quando estava prestes a terminar esta correção, São Jerônimo decidiu fazer uma tradução em latim, feita diretamente do texto hebraico. Consagrou o melhor do seu tempo a esta obra, completando-a em 404 d.C. aproximadamente:
– “Entre os tradutores antigos da Bíblia, São Jerônimo foi o último deles, embora tenha sido o primeiro no mérito: não só por ter podido se valer do trabalho dos seus antecessores, mas sobretudo porque, pela prática constante, adquiriu domínio tal das línguas bíblicas (hebraico, aramaico e grego) que entre os antigos cristãos não se conhece igual. Acrescente-se um conhecimento igualmente único da literatura exegética tanto judaica, quanto cristã. Com bagagem de cultura literária incomum, com ótima preparação e excelentes critérios, pôs mãos ao árduo trabalho. Começou por corrigir os Evangelhos latinos (em Roma, em 384), auxiliado para isso pelos melhores códices gregos, transferindo-se depois para a Palestina (em 386) (…) Estendeu o mesmo trabalho de paciente revisão (…) aos livros do Antigo Testamento; mas tendo terminado uma parte deles, sobretudo os Salmos, que passaram depois à Vulgata, compreendeu que prestaria um serviço muito melhor à Igreja, fazendo uma nova versão diretamente do texto hebraico. E sem esmorecer diante das ingentes dificuldades, e sem se cansar no longo e áspero caminho, a ela se dedicou com admirável constância pelo espaço de uns quinze anos, de 390 a 404, até o acabamento feliz da obra” (Bíblia Sagrada. São Paulo. 1982, pag. 13).
Uma reverencia supersticiosa à versão dos LXX, fez com que muitos não aceitassem a obra de Sãs Jerônimo, mas a tradução foi conquistando espaço e ganhando destaque, e no tempo de Gregório Magno (Papa de 690 a 604), já tinha igual autoridade e foi dignificada com o nome de Vulgata (“versio Vulgata” = a versão corrente):
– “As traduções de São Jerônimo não encontraram imediatamente no mundo latino a acolhida que mereciam. A propagação devida em parte às dificuldades da época, foi lenta, mas em constante progresso, de sorte que dois séculos depois Santo Isidoro de Sevilha[6] (636) pôde escrever que ela já estava em uso em toda a Igreja do Ocidente, e mais tarde o renascimento carolíngio consagrou-lhe definitivamente o triunfo sobre as antigas versões latinas. Formou-se assim entre o séc. V e IX, a versão que propriamente é chamada ‘Vulgata'” (Bíblia Sagrada. São Paulo. 1982, p.13-14).
O texto da Vulgata foi composto em parte da antiga versão latina (Cinco deuterocanônicos do Antigo Testamento: I e II Macabeus, Sabedoria, Eclesiástico e Baruc, com a carta de Jeremias); em parte da edição revista por São Jerônimo (os Salmos, o Antigo e Novo Testamentos); e é também uma nova tradução feita diretamente do hebraico (todo o Antigo Testamento hebraico, exceto os Salmos, Tobias e Judite). São Jerônimo estava familiarizado com os exegetas hebraicos incorporando muitas das suas interpretações na Vulgata, mas geralmente seguia-se a versão dos LXX, mesmo quanto o texto diferia do hebraico. Com o passar do tempo, o texto da Vulgata perdeu um pouco da sua pureza devido às cópias e introduções de antigas versões; porém, nobres doutores revisaram o texto, reconduzindo-o à primitiva integridade. Citamos a revisão efetuada pelo sábio Alcuíno (735808 d.C.), ordenada por Carlos Magno e a de Lanfranc. Com o passar do tempo começaram a surgir novamente, textos de valor discutíveis, principalmente após a “Reforma Protestante”. Assim sendo, a Sessão IV de 08 de abril de 1546, do Concílio Ecumênico de Trento, após definir o Cânon das Sagradas Escrituras, decretou que a Vulgata seria a versão autêntica, e que fosse impressa com a máxima correção. Os Papas desde Pio IV (1559 a 1565) até Clemente III (1592 a 1605) nomearam consecutivamente quatro comissões para este fim, culminando na edição publicada em 1590 por Sixto V (Papa de 1585 a 1590), posteriormente substituída pela edição publicada em 1592 por Clemente VIII (Papa de 1592 a 1605), edição conhecida como “Sixto Clementina”. Depois houve mais duas edições vaticanas, em 1593 e 1598, as quais são a base de todas as versões posteriores até os dias atuais. O mais importante e célebre manuscrito da Vulgata é o Codex Amiatinus, do final do século VII, que está em Florença, Itália, na Biblioteca Laurentiana.
E. Siríaca ou Versão Aramaica Ocidental
1. Peshita Peshita significa correta ou simples. Esta versão foi feita diretamente do hebraico e concorda rigorosamente com o Texto Massorético. Não se pode afirmar em que tempo e onde foi feita esta tradução; presume-se que os cristãos da Síria, obtiveram a Escritura em sua própria língua. Pelo exame da tradução acredita-se que os tradutores eram judeuscristãos, que traduziram o Velho Testamento do original hebraico. Esta versão continha todos os livros canônicos do Velho e Novo Testamentos, exceto 2Pedro, 2-3João, Judas e o Apocalipse. O texto difere das principais classes de manuscritos.
F. Outras Versões Antigas
1. A “História Eclesiástica” de Eusébio de Cesareia, coloca a versão da Etiópia no ano de 330 d.C. O texto baseia-se totalmente na versão dos LXX e segue as variantes do códice Alexandrino.
2. A maior parte do Velho Testamento existe nos dialetos cópticos do Egito. A época mais provável em que essas versões foram feitas são os séculos III ou IV d.C., com alguma possibilidade de que possam ser também dos séculos I ou II d.C. São baseados na versão dos LXX, seguindo as variantes do códice Alexandrino. Os tradutores são desconhecidos.
3. A versão Gótica da Bíblia, foi feita por Ulfilas, bispo dos Ostrogodos, que esteve no Concílio de Constantinopla I (maio a junho de 381 d.C.). É uma tradução da versão dos LXX, de considerável valor crítico, embora se restem apenas alguns fragmentos desta versão.
4. A versão Armênia foi feita em meados do século V d.C., baseada na versão Siríaca. Mais tarde, foi revista segundo a versão dos LXX, sendo traduzida pelo patriarca Mesrob.
5. A versão Gregoriana foi feita no século VI d.C., através de cópias da versão Armênia.
6. A versão Eslava ou Eslavônica foi feita em meados do século IX d.C., pelos irmãos católicos Cirilo e Metódio de Tessalônica, missionários da Bulgária e Moravia, que traduziram as Escrituras para a língua eslava (ou eslavônica). Considera-se como proveniente da versão dos LXX, embora alguns testemunhos antigos indiquem que a tradução foi feita do latim.
7. As versões Árabes de diversos livros das Escrituras foram traduzidas da versão dos LXX entre os séculos VIII e XII d.C, segundo diversos escritores; porém os livros de Jó, Crônicas, Juízes, Rute, Samuel, e algumas partes de outros livros, foram traduzidas da versão Siríaca (Peshita).
NOTAS
[1] Rei egípcio de Alexandria no século II a.C, que se orgulhava de possuir em sua rica biblioteca todos os livros do mundo.
[2] Quando se diz “Primitiva Igreja Cristã” ou “Igreja Primitiva”, entenda-se a única Igreja Cristã existente na época: Católica Apostólica (vide nota de rodapé nº 5). “As primeiras Igrejas surgiram como comunidades fundadas pelos apóstolos (54 d.C.). Do núcleo fundado por Pedro em Roma, originou-se todo o cristianismo no Ocidente, que posteriormente foi dividido em arquidioceses, dioceses e províncias eclesiásticas, em comunhão com a Sé Romana, a partir de 70 d.C.” (Revista Superinteressante, Nº 181, págs. 22-23).
[3] Bispo Católico de Cesareia na Palestina. Por volta do ano 300 d.C. escreveu a primeira História da Igreja. Nasceu na Palestina, em Cesareia; foi discípulo de Orígenes (184-254). Escreveu sua “Crônica”, a “História Eclesiástica”, a “Preparação Evangélica” e a “Demonstração Evangélicas”. Foi perseguido pelo imperador romano Diocleciano.
[4] Viveu de 347 a 420 d.C.; é considerado “Doutor Bíblico”. Em 379, foi ordenado sacerdote pelo Bispo Paulino de Antioquia. De 382 a 385, foi secretário do Papa S. Dâmaso, por cuja ordem vez a revisão latina da Bíblia, conhecida como “Vulgata”, levando aproximadamente 34 anos para terminar. Em S. Jerônimo destacam-se a austeridade, o temperamento forte, a erudição e o amor à Igreja e à Sé de Pedro.
[5] Tertuliano de Cartago (+220 d.C.), norte da África, era advogado em Roma quando, em 195, converteu-se ao Cristianismo, passando a servir à Igreja de Catargo como catequista. Combateu as heresias do Gnosticismo, mas se desentendeu com a Igreja. É autor da frase: “o sangue dos mártires é semente de novos cristãos”.
[6] Viveu de 560 a 636 d.C.; foi Bispo e Doutor da Igreja. Nasceu em Sevilha, foi educado por seu irmão São Leandro, bispo de Sevilha. É chamado também “o último Padre da Igreja do Ocidente”. A sua obra “Etimologias”, composta de 20 volumes, é uma síntese de todo o saber antigo e do seu tempo.
BIBLIOGRAFIA:
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– AQUINO, Felipe. Escola da Fé II A Sagrada Escritura. Lorena SP: Cléofas, 2000.
– AQUINO, Felipe. Escola da Fé III O Sagrado Magistério. Lorena SP: Cléofas, 2001.
– BATTISTINI, Francisco. A Igreja do Deus Vivo Curso Popular sobre a Verdadeira Igreja. 29ª ed., Petrópolis: Vozes, 1998.
– Bíblia Sagrada. 47º ed. São Paulo: Ave Maria, 1985.
– Bíblia Sagrada. 38º ed. São Paulo: Edições Paulinas, 1982
– SARMENTO, Francisco de Jesus Maria. Minidicionário Compacto Bíblico. 3º ed., São Paulo: Ridiel, 2001.
– SILVA, Rogério Amaral. A Fundação da Igreja Católica por Nosso Senhor Jesus Cristo. ACI Digital – Agência Católica de Imprensa na América Latina. Disponível em: www.acidigital.com.br. Acesso em 16/06/2004.
– SILVA, Severino Celestino. Pequena História das Traduções Bíblicas. Disponível em www.nossosãopaulo.com.br. Acesso em 01/07/2004.
– (Autor Desconhecido).Como a Bíblia foi escrita. ACI Digital Agência Católica de Imprensa na América Latina Disponível em www.acidigital.com.br. Acesso em 16/06/2004.
– (Parte integrante do opúsculo: A Formação da Bíblia ao Longo dos Séculos e a Importante Participação da Igreja Católica neste Processo, de autoria de Leandro Martins de Jesus, 2005).